quarta-feira, outubro 24, 2007

Arigato, Olé!

Restaurante Kabuki

Como fanático pela comida japonesa que sou, tenho por hábito frequentar este tipo de restaurantes, em quase todos os países onde vou. Sobretudo quando já estou farto da comida local ou em cidades cuja riqueza da oferta está muito virada para a cozinha étnica, como é o caso de Londres, Nova Iorque ou Amesterdão. Fazê-lo numa cidade rica gastronomicamente, como Madrid, pode parecer estranho. Mas se referir que se trata de um local que aposta na fusão da cozinha nipónica com a espanhola, o caso muda de figura. Foi esta particularidade que me atraiu ao Kabuki, situado perto do estádio do Real de Madrid (existe uma filial no r/c do Hotel Wellington) e que é comandado por um chefe espanhol, Ricardo Sanz, que consta nunca ter estado no Japão. Pode-se lá ir jantar na base de Sushi e Sashimi, mas ficar por aí não adianta muito a uma experiência no lisboeta Aya (aliás, são raros os japoneses em que estive que o superassem), pelo que o investimento no menu de degustação (10 pratos, 75€+Iva) é uma peça fundamental para compreensão desta proposta hispano-nipónica.
O duelo teve início com um escabeche de perdiz doce com algas, uma boa combinação entre a alga wakame e a perdiz, num escabeche de sabores citrinos e adocicados.
De seguida, robalo cru fatiado em duas versões: uma com crocante de coco e outra com patê de trufa branca. Embora tanto o crocante (e o molho q o acompanhava) como a trufa se sobrepusessem ao sabor do peixe, não o anulavam, pelo que o resultado foi delicioso. No quarto prato inverteram-se os papéis e tivemos Espanha com tempero nipónico, numa agradável salada com flores de courgete recheadas de salsicha fresca e juliana de legumes. De seguida chegou-nos um atum marinado picante (demasiado intenso para o meu gosto) antes de se prosseguir com um fantástico sashimi de ventresca de atum, de qualidade como poucas vezes vi e saboreei (gordura raiada de forma uniforme, textura sedosa e sabor majestoso). Ao sétimo prato, uma provocação em forma de vários sushis: uns com ovo de codorniz estrelado e trufa negra no topo, outros de peixe manteiga – no desfazer-se na boca percebia-se o porquê do nome - e outros com um pequeno hambúrguer grelhado. Uma provocação deliciosa ( bitoques destes, não me importava de comer todos os dias, mesmo c peixe à mistura!). De seguida ainda houve tempo para uma tempura de verduras e urtigas do mar (de sabor idêntico a um bivalve), antes de chegarmos ao momento mais esperado da noite com famosa e caríssima carne de Kobe, geralmente referida como a melhor carne de vaca do mundo (a tal em que os animais são massajados e alimentados a cerveja, para que a carne se apresente tenra e com uma riqueza de sabores únicos). Na proposta que nos chegou – acompanhada de cogumelos shitake e um crepe de legumes – a mesma veio marcada pela chapa, apresentando-se devidamente mal passada no interior. O resultado foi bom, com quase todos os predicados que lhe é atribuída, mas um pouco prejudicada pelo tostado (provavelmente devido a uma chapa demasiado quente). Para finalizar, e a provarem-me mais uma vez de que as sobremesas não são um forte dos restaurantes japoneses (mesmo que em versão hispânica), um trio composto por sorvete de maracujá, gelado de chá verde e pequenos pastéis de massa de arroz recheados de nata e morangos, que serviu sobretudo para acalmar a necessidade de açúcar que sempre tenho no final de uma refeição.
De destacar ainda a óptima carta de vinhos, de onde se escolheu um branco Austríaco, o Pichler05, da casta Gruner Veltliner e ainda um outro branco, desta vez espanhol, o Vallegarcía 04, um bom exemplar da casta francesa Viognier, uma casta pouco usada aqui pela Península Ibérica. Estes dois exemplos acompanharam muito bem toda a refeição, provando que o melhor acompanhamento para esta cozinha oriental não passa necessariamente pelo sakê ou pela cerveja. Por último, resta-me referir que o serviço foi afável e competente, o que contribuiu para a valorização desta tremenda refeição. E até “la dolorosa” foi simpática (108€, pessoa), tendo em conta o que se costuma pagar em restaurantes de topo. Arigato, olé!

Contactos: Avda. Presidente Carmona 2, 28020 Madrid T·914176415 www.restaurantekabuki.com

publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 24 de Outubro de 2007

terça-feira, outubro 23, 2007

Kobe e tapa Japa


Ricardo Sanz é um cozinheiro que gosta de tapas. E?
Acontece que este espanhol é Chefe de um restaurante Japonês, em Madrid, onde além dos pratos mais tradicionais e iguarias raras de se ver por cá (como a famosa carne de Kobe, na imagem), apresenta uma cozinha de fusão hispano-nipónica. Modernices inconsequentes? De todo!

Amanhã na critica gastronómica do Oje vou relatar-vos a minha experiência no Kabuki, em Madrid. Para aguçar o apetite...



quarta-feira, outubro 10, 2007

Uma Figura Portuguesa, Com Certeza.

Restaurante Faz Figura

Ora eis um local que não poderia estar mais em sintonia com a agenda actual do discurso político português assente em temas como o plano tecnológico ou o já famoso Simplex. Aqui não há quadros electrónicos nem pc portáteis, mas há novos conhecimentos aplicados a sabores de sempre. No Faz Figura pratica-se uma cozinha de base bem portuguesa, procurando-se dar uma nova roupagem e interpretação à mesma, não deixando de parte uma ou outra proposta de fusão mais europeísta. Por aqui existe saber e criatividade mas sem cair em exageros. Entremos então e sentemo-nos à mesa neste local com vista para o Tejo, debruçado sobre Santa Apolónia.
Já com a ementa nas mãos ficamos a saber que na nova carta de estação aposta-se na utilização de produtos certificados. Ao percorrer as entradas os olhos fixam um Rosti de Alheira de Mirandela com maçã e moscatel (7€). Vai ter que ficar para a próxima porque não há (grrrr!). Não desisto e viro-me para a sopa de tomate com mousse de coentros e fio de ovos (6€), embora com receio que esta pudesse evidenciar algum excesso de acidez, dado já não estarmos no período auge do tomate. Receio infundado: o ph perfeito, o caldo cremoso, a boa ligação da mousse de coentros (que na verdade era mais uma emulsão) e a presença original do ovo em fios deixam-me rendido. Ainda neste departamento provo um correcto carpaccio de atum (7€) e uma excelente terrina de porco preto com avelãs e damascos (7€). Eu que julgava que uma terrina não tinha a menor graça, por geralmente ser feita com sucedâneos ou produtos manhosos, sou aqui presenteado a preceito: elementos bem ligados, sabor do porco preto a evidenciar-se e tudo bem aliado com uma emulsão adocicada. Nos pratos principais a escolha recai no folhado de cabrito do Barroso em cama de espinafre (18€), com a massa folhada bem trabalhada, sem excessos de gordura, e um interior recheado de pequenos pedaços de cabrito provenientes de um saboroso assado (um pouco mais de quantidade, não fazia mal nenhum…). Dos meus confrades de refeição, pesco um magnífico polvo com crosta de milho e vegetais salteados (19€) e ainda um notável risotto de bacalhau com nabiças, tomate seco e porco preto confitado (17€). Este prato de origem e confeccionado à italiana (ponto de cozedura, “al dente”) é feito com o tradicional arroz arbóreo da mesma proveniência, mas com todos os outros elementos ligados com queijo da ilha, em vez do habitual parmesão. Já nas sobremesas destaca-se o pão-de-ló tépido de chocolate (6€). Faz-me lembrar o de ovos de Alfeizeirão com o interior em torrente mas… de chocolate. Original é a outra sobremesa escolhida: gratinado de maçã bravo de esmolfe com queijo de cabra, puré de maçã e moscatel. O tipo de maçã utilizado não é tanga, faz toda a diferença e o sabor desta bravo de esmolfe genuinamente nacional está todo lá – pena que, quando em confronto, o queijo de cabra lhe oculte o sabor.
O vinho que nos acompanha é um branco do Douro, o Gouvyas 04, cujo a estrutura e envolvencia permite acompanhar adequadamente toda a refeição (sobremesas incluídas!).
No meio disto tudo onde é que entra o Simplex que refiro na introdução?
Digamos que um serviço eficiente e cordial (especialmente por parte do chefe de sala), tempos de espera adequados, a possibilidade de alguém arrumar o carro por nós e um site com informação completa e actualizada, facilita e simplifica muito. Saio satisfeito com uma frase de Moliére na cabeça: "Bem comido, a minha alma de nada quer saber" (frase impressa na ementa onde se apresenta o clube Faz Figura).
(Preço médio, com entrada, prato e sobremesa, 40/45€/pax com vinho).

Contactos: Rua do Paraíso 158 - Lisboa ; Telefone: 218868981 (www.fazfigura.com)

publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 10 de Outubro de 2007