quinta-feira, dezembro 18, 2008

Gourmet Low cost

Francisca Gorjão Henriques lançou o desafio, no Público. Amigos, conhecidos e anónimos colaboraram. Oportuno para quem não prescinde de algum critério na hora de escolher o que põe na mesa, mesmo em tempo de crise. Investidores do BPP e amigos do Sr. Madoff: aproveitem! (aqui)

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Anthony Bourdain by FJV



Em tempos quis escrever aqui um post sobre Anthony Bourdain a propósito de dois livros seus que gostei muito: A Cook's Tour e Confidential Kitchen.
Descobri agora que, felizmente, alguém com talento o fez por mim (aqui).

quinta-feira, novembro 13, 2008

Um cabrito assado à padeiro, sff!

Restaurante Painel de Alcântara

Os portugueses adoram coisas que incluam melhor, maior e tipo. O melhor bife de Lisboa, o maior centro comercial da Europa e cerveja tipo pilsner, ou queijo tipo serra são alguns dos exemplos. Vem isto a propósito de ter estado recentemente no restaurante que dizem ter o melhor cozido de Lisboa (em rigor um crítico evita escrever “o melhor” mas sim, “um dos melhores”. Desta forma não se compromete em demasia, não vá alguém ler o que opina e enviar-lhe uma tese de doutoramento que prove o contrário). Eu podia confirmar porque já o degustei por diversas vezes. Mas desta vez prefiro afirmar que o Painel de Alcântara é, dentro dos restaurantes populares da capital, um dos que tem os melhores pratos do dia e, em simultâneo, uma das ementas fixas mais desinteressantes.
Mas o Painel não é daqueles restaurantes que basta marcar e aparecer à hora marcada, sobretudo se estivermos a falar de um Sábado à noite. É aconselhável dominar alguns truques para que uma refeição seja muito boa em vez de ser só assim-assim. Esses truques passam por reservar determinado prato especial, ou perguntar pelos vinhos que não estão na lista. Na semana passada, das duas vezes que lá jantei, a primeira, numa 2ªFeira, foi de excelência. A segunda, no Sábado, embora agradável foi de alguma irritação. Na 2ªFeira fui brindado por uns pastéis de bacalhau de antologia (proporção equilibrada entre batata e bacalhau; fofos por dentro e estaladiços por fora, numa fritura impecável) acompanhados por um bom arroz de grelos, malandrinho. Experimentei ainda o outro prato do dia, que esteve ao mesmo nível: um arroz de cabidela com boa galinha e o arroz carolino envolvido pelo suco escuro avinagrado característico deste prato. Já no Sábado, quando voltei com o intuito de escrever esta critica, uma certa frustração apoderou-se de mim. Apesar da marcação para as 20.30h e de termos chegado a horas (ok, com os 15 minutos de atraso da pontualidade típica portuguesa), já não existiam dois dos quatro pratos do dia: o célebre cozido e o cabrito assado à padeiro (ambos 19€, meia dose bem familiar). Ou melhor, existiam para quem tivesse reservado, daí a minha frustração, que ia aumentando à medida que ia vendo passar à minha frente, travessas de cozido e de cabrito com um aspecto de fazer salivar até um doente em coma. Ora é claro que por mais saboroso que estivesse o que acabámos por pedir, a inveja pela mesa da vizinha acompanhou-me ao longo da refeição. E quais eram as alternativas? Do dia: filetes de pescada com arroz de marisco e arroz de tamboril com gambas (15€, meia dose). Curiosamente estes pratos faziam também parte da ementa fixa onde constavam ainda um caril de gambas, umas lulas à sevilhana e um arroz de garoupa, nos peixes; e 8 tipos de bifes e afins, nas carnes (como diria a personagem de animação, Homer Simpson: boring!). Depois de vários minutos de indecisão, porque continuava não conseguir viver com a ideia de ter uma travessa daquele cabrito de aspecto divinal a menos de meio metro e ter que optar por algo daquela lista desinteressante, lá fiz um esforço e pedi um arroz de tamboril que até veio bem apaladado, bem trabalhado e generoso no conteúdo (mas o cabrito da mesa vizinha…). Provei também o bife à café (12.50€, meia dose), na versão equívoca, e algo desagradável: com café, o que é uma adulteração da receita original, dado que o cognome “à Café” não vem da utilização desse ingrediente na sua confecção mas sim de ter sido uma especialidade de um popular café do início do século passado, o Marrare das Sete Portas. Dos acompanhamentos, o esparregado era digno desse nome ao contrário das batatas fritas que deixaram algo a desejar. A caminho das sobremesas e já mais anestesiado pelo Esporão branco reserva 07 (15.50€) fui ficando resignado, embora as travessas de cabrito continuassem a passar-me à frente dirigidas por empregados eficientes e bem dispostos, num caos controlado de mesas apertadas e comensais barulhentos. Para adoçar a boca a tarte de requeijão (3€) e a mousse de caramelo (3.5€) cumpriram a função com competência, embora esta última viesse demasiado líquida.
Uma nota final negativa para os vinhos cujo a carta é de uma negligência atroz: paupérrima em termos de brancos, vários esgotados e desactualizada em termos de novas opções - constando apenas as marcas mais óbvias e antigas. Até podia ser uma opção da casa, mas tal não se verificou quando, depois, o empregado nos referiu vários que não estavam na lista, sendo todos mais recentes. Reconheço que ainda devo estar com uns resquícios de irritação. Caramba, é que naquele dia apetecia-me mesmo o cabrito assado à padeiro…

(Preço médio por refeição completa com vinho 25€/30€)

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 12 de Novembro 2008


Contactos: Rua do Arco 7/13 - Lisboa Telefone: 213965920

segunda-feira, novembro 10, 2008

Se queres, para a próxima, encomenda!

Marca-se o jantar para bem cedo (20.30h). Chega-se a à hora marcada (ou mais ou menos). Dá-se uma olhada na ementa e salta à vista algo que queremos mesmo muito naquele dia. Passa a primeira travessa e começamos a salivar. Chama-se o empregado e… já não há.

Crónica de um cabrito assado que nunca chegou à minha mesa. Quarta-Feira, no Oje.

quarta-feira, outubro 29, 2008

Humor subversivo em cozinha “Pop” (mas não só)

Restaurante Terraço Tivoli

Depois de há cerca de um ano ter entrado como consultor para revolucionar a vertente gastronómica da cadeia de hotéis Tivoli, o Chef Luís Baena trouxe finalmente para o restaurante Terraço a sua cozinha de autor. Luís Baena ficou conhecido no meio gourmet pela forma como deu a conhecer no restaurante da Quinta de Catralvos, em Azeitão (entretanto fechado), a sua reinterpretação “pop” da cozinha portuguesa, a fusão com a cozinha oriental e a aplicação dos conhecimentos e praticas da cozinha molecular. Ele é talvez o mais culto e também um dos mais experientes e conhecedores chefes portugueses. E se o seu conhecimento mais erudito está na base da sua cozinha, a sua vertente mais “pop”, aliada a um certo humor subversivo está, sobretudo, na forma. Alguns dos seus pratos mais emblemáticos fizeram história em Catralvos e, com uma ou outra adaptação, fazem parte da carta do Terraço do Tivoli. O Mac Silva é um hambúrguer servido tal qual um Big Mac do MacDonald’s, (incluindo a embalagem) mas de bacalhau - com ketchup caseiro, e bom pão de hamburger; A bola de Berlim não é recheada com creme de pasteleiro mas sim com santola, num resultado perfeito, como se tivessem sido feitos um para o outro. E o Otedogue, uma salsicha de camarão, é servida num recipiente metálico (idêntico ao do Snoopy lá de casa) com um biscoito salgado em forma de osso a acompanhar.
Tinha curiosidade em saber como seria a sua adaptação a um espaço de hotel mais pomposo – ainda que após obras recentes tenha sido modernizado (qb) e aligeirado na decoração – vocacionado, no passado, para uma clientela de negócios (ao almoço) e de hóspedes (ao jantar). A forma de dar a volta à questão passou por disponibilizar um buffet variado, ao almoço e por manter na carta alguns pratos clássicos, ao jantar. A partir daqui portas abertas a uma ementa mais arrojada by Luís Baena.
Por tudo o que referi anteriormente é fundamental a opção pelo menu de degustação. Nesta sua nova carta de estação existem para já, dois menus de 9 pratos (ambos a 45€): o Experience e o Experience More. No primeiro é mais visível a sua reinterpretação da cozinha portuguesa e, no segundo, a esta juntam-se as tais propostas mais “pop”. Como já conhecia a linha mais provocadora parti para as propostas do Experience. Numa mesa bem composta, com classe, mas sem ostentações supérfluas (loiça sóbria Vista Alegre, talheres Christoffle e copos Riedel), começaram então a desfilar as propostas do menu. Destas destaco o pastel de massa tenra com galinha, molejas de borrego salteadas e cogumelos morilles (com um pastel de antologia e o sabor forte dos morilles a fazer-me esquecer o facto de habitualmente não gostar de molejas) ; o estaladiço de arroz carolino com leite-creme de berbigão à Bulhão Pato e berbigões em escabeche – bem que os vizinhos da Brasserie Flô podiam vir aqui copiar este leite-creme para substituir alguns dos molhos pesadíssimos que servem…; o “Toque Toque” de novilho com ovo a cavalo (uma boa pitada do humor na interpretação do popular bitoque: um pequeno bife do lombo de qualidade irrepreensível - tal como o tratamento que foi sujeito - com um ovo de codorniz, estrelado e uma espécie de almofadas estaladiças de batata a que foi dado o nome de “ soufflé”). Interessante ainda, o creme de caldeirada de peixe com juliana de lulas e sardinha crocante de azeite com sésamo e o risotto de bacalhau com o melhor pastel de bacalhau - feito com batata roxa e um toque de gengibre - que comi até hoje (pena o risotto, amanteigado em demasia). Dispensável apenas as presas 0de porco Alentejano – excessivo em termos de quantidade, para final de refeição, e sem grande graça, apesar do toque de midas (uma pequena folha de ouro comestível), do gelado de ketchup e da disposição equilibrista no prato. Em relação à sobremesa a ideia de fazer um gelado de manjericão para acompanhar um pão de ló com tomate liofilizado é interessante, não fosse o azar de eu não gostar de tomate em doce (o gelado é preparado na mesa, com nitrogénio liquido, proporcionando uma encenação que remete para as experiências de um Prof. Pardal e que deixa espantados os mais desprevenidos)
No que diz respeito a vinhos, bebeu-se um branco da Quinta dos Roques, o Malvasia Fina 07 (27€), que se mostrou bastante versátil no acompanhamento do menu. A carta não é muito extensa mas apresenta boas hipóteses de escolha e a preços sensatos. Por último, a eficiência e cordialidade de quem nos serviu esteve à altura da refeição.
No final pagámos 66€/pessoa, o que é bastante aceitável tendo em conta tudo que aqui se descreveu.
Este espaço pode não ser ainda o lugar ideal para Luís Baena dar azo a todo o seu conhecimento, ousadia e criatividade. Mas quem lá for terá, por certo, uma óptima experiência sensorial.

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 29 de Outubro 2008


Contactos:
Avenida da Liberdade 185 – Lisboa; telef: 213198900 (
www.tivolihotels.com)

domingo, outubro 26, 2008

Faz sentido

Ora aqui está uma boa ideia do Público para quem, como eu, é um admirador desse poço de saber gastronómico que é José Bento dos Santos. O Público, em colaboração com a produtora Mandala, vai disponibilizar, às 2ªF, durante 7 semanas, o DVD+Livro de "O Sentido do Gosto". Esta série que a RTP teve a ousadia de colocar em Prime Time tem alguns pormenores discutíveis (certos convidados para agradar às massas ou o excesso de branding do principal patrocinador, por exemplo) mas é sem dúvida um dos melhores programas sobre gastronomia que até hoje passou na televisão generalista Portuguesa.

sábado, outubro 25, 2008

Levei ao lume uma panela…

Ardeu a Padaria é o blogue de receitas que mais interessante que conheço. Na verdade não é um blog de receitas mas sim um blogue de crónicas à volta de receitas. Gosto do humor e do ritmo fluente e directo com que João Pedro Diniz descreve as suas aventuras na cozinha. As suas crónicas são extremamente visuais. Leio-o e vejo-o a embrulhar uma sobra de salmão em massa folhada ou a preparar (e a alterar) um pudim de mel do Mestre Silva roubado na RTP Memória.

sexta-feira, outubro 17, 2008

Sabores do Norte


Ontem fui desafiado a juntar-me a uma expedição que vai levar um grupo de Gourmet Nerds, de Lisboa, a Copenhaga, para umas horas de deleite no Noma, um dos novos “santuários” do meio. New Nordic food? a descrição do site deixou-me mais do que curioso.

Para quem gosta de classificações (e elas valem o que valem) diga-se que o Noma ostenta actualmente 2 estrelas Michelin e que foi considerado o 10º melhor restaurante do mundo no ranking da revista Restaurant.

quarta-feira, outubro 15, 2008

Mezzo Portoghesi em velocidade de cruzeiro

Restaurante Mezzaluna

Michele Guerrieri é um Napolitano que cresceu em Long Island (EUA) e que adoptou Lisboa para desenvolver a sua paixão pela cozinha, já lá vão uns dez anos. Na Rua de Artilharia 1 começou com o Mezzaluna e, anos depois, nesta mesma rua criou dois outros locais, mais acessíveis: já a chegar ao Largo do Rato, o La BrusKetta (agora também pizzeria), e, na outra extremidade, o City Sandwich, um “fast food” de sanduíches gourmet (“sem maionese, sem miolo, sem molhos gordurosos, e sem restos de galinha conservados”). Em qualquer um dos seus restaurantes há uma base italiana à qual Guerrieri faz questão de acrescentar uma vertente bem portuguesa, daí ser comum encontrarmos produtos como alheira, morcela, salsicha fresca, porco preto, ou queijo da serra. O Mezzaluna poderia ser o local onde deveria dar azo à sua faceta de autor. Na verdade, em parte isso acontece. No entanto ao olharmos para as propostas da sua carta ficamos com a sensação de que prefere jogar pelo seguro e assim contentar uma clientela assídua que frequenta o restaurante desde que este abriu as portas (ao almoço predomina uma clientela do mundo empresarial e da política; ao jantar, eventualmente os mesmos mas em versão informal e mais familiar). Não é que haja algum mal nesta opção, apenas tenho pena porque reconheço em Guerrieri um criativo cuja vertente de autor merecia ser mais explorada (nomeadamente a ligação italo-portuguesa).
Começámos o jantar com uma mousse de alheira, mozzarella fresca e cogumelos picados, tudo embrulhado em folhas de espinafres sobre pedaços de tomate salteado (8€). Combinação de sabores muito interessante com a alheira bem integrada, sem se sobrepor demasiado aos restantes componentes. Ainda de entrada vieram umas fatias de beringelas grelhadas a envolver queijo cabra, acompanhado do mesmo tomate salteado (5€). Bom mas não ao nível da entrada precedente. Nas massas (com o maior número de propostas de toda a carta, XX) lamentei a ausência do famoso Linguine negro (de tinta de choco) com lavagante. Como as sugestões de peixe não iam além do Salmão e de “Red Fish”, partimos directamente para as carnes. Quis experimentar mais uma combinação Italo-lusa e por isso pedi o porco preto enrolado com grelos salteados, redução de vinho branco e mozzarella derretida (15€). O enunciado prometia mais do que o que veio no prato. Não que não estivesse saboroso, porque estava, mas talvez porque a apresentação deixou algo a desejar. Tendo noção do peso que a combinação da carne com o queijo e a redução de vinho evidenciava, o corte com alguns legumes al dente (feijão verde e cenoura) pareceu-me inteligente - até porque compensava o sabor algo evidente do óleo da fritura, nas batatas às rodelas que acompanhavam. Do mesmo mal padeceu o outro prato de carne que experimentei, os medalhões de lombo de vaca à Mezzaluna com coração de chicória salteada no interior (17€). Foi pena porque percebia-se que a carne era de boa qualidade e que fora bem trabalhada.
No campo das sobremesas destaco a excelente e leve pannacota com doce de morango e um igualmente bom coulant de chocolate negro (4€, cada).
A refeição foi acompanhada com o tinto Vinha da Nora 2005 (28€), um syrah que se mostrou bom parceiro de toda a refeição (sobremesas, inclusive). Ainda neste domínio destaco os preços sensatos praticados, embora a temperatura de serviço do vinho não seja a mais correcta (por falta de guarda climatizada).
Por ultimo de referir que o serviço foi prestado com eficiência e correcção, o que é de louvar num sábado à noite de casa cheia.
(preço médio por refeição completa, com vinho, 35/40€)

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 15 de Outubro 2008

Contactos:
Rua Artilharia 1, nº16 – Lisboa; Telefone:213879944 www.chefguerrieri.com

quarta-feira, setembro 10, 2008

O Pica-pau não mente

Restaurante Pinóquio

Há locais que independentemente do que se fale deles (ou de que não se fale) mantêm a casa sempre bem composta, quer faça chuva ou faça sol. Estar bem localizado é meio caminho andado, mas isso só por si não basta. Deve haver algo mais: a qualidade percepcionada pelos seus clientes e o atendimento familiar são boas possibilidades. Há cerca de 15 anos, quando trabalhava nos Restauradores, ser convidado pelos responsáveis da empresa para almoçar no Pinóquio significava que algo corria bem e que o trabalho feito era reconhecido. Desses tempos lembro-me de haver sempre um peixe assado no forno (provavelmente, pargo) que recordava o de casa dos meus pais; das gambas cozidas cheias de sal; do pica-pau (já lá vamos) e da garrafa de Cardhu cheia de piri-piri. Apesar de há muito ter deixado de trabalhar na zona, ainda por ali passo com frequência. No entanto, até há dois meses atrás não mais tinha voltado ao Pinóquio (ou ao Sancho, ou às Velhas, outros restaurantes da zona, onde a empresa nos deixava compensar das noitadas de trabalho). Por isso foi agradável recordar alguns momentos passados naquela casa, que deve o nome a uma loja de brinquedos que funcionou nesse local até uns fanáticos pelo Sporting a terem comprado no início dos anos 80. As paredes mantêm-se verdes e o chão de linóleo. Os poucos benfiquistas que por lá andavam foram saindo e o verde leonino passou dominar as hostes por completo (o que há partida não indiciaria nada de bom). Felizmente a febre clubista não se reflecte na ementa, embora um brócolo ou outro se veja por ali. As gambas da costa (66€/kg) continuam bastante recomendáveis e cobertas de sal grosso. A amêijoa à bulhão pato (20.50€) é “da boa” e por isso não engana, embora preferisse que a mostarda estivesse menos presente na sua confecção e que o preço fosse mais em conta. Nos pratos principais o bife do lombo à pica-pau (18€) continua um must, com os pequenos nacos de carne, bem tratados (i.e: mal passados) na frigideira, na presença de alho e louro. A acompanhar, boas batatas fritas às rodelas, estaladiças e bem enxutas da fritura. Embora este prato fosse suficiente para dois, quis ainda experimentar o Arroz de pato à antiga (14.50€). Apresentado no mesmo tipo de frigideira do pica pau, este prato mais parecia uma paella do que o popular prato português. Feito com arroz de fabrico em série (daquele, sem personalidade mas que pode aguardar sem empapar) em vez do carolino, veio com tiras de pimento vermelho e com os pedaços de pato no topo. Satisfeitos e excessivamente bem nutridos – para a qual contribuiu o acompanhamento dumas imperiais bem tiradas –, chegámos à sobremesa. Aqui não resisti a ver desenformar um pudim flan (3.50€) de uma daquelas mini formas de infância, em alumínio. Pena que o pudim fosse borrachudo, provavelmente por excesso de cozedura. Também, dada a predominância sportinguista, alguma coisa de ruim tinha que existir, já que a turma de auxiliares de Paulo Bento foi irrepreensível no serviço – no estilo “à vontade mas não à vontadinha” de equilíbrio tão difícil na nossa restauração. Este é um daqueles sítios que esperemos que se mantenha com estas características por muito mais tempo. É que se a qualidade se mantiver não será necessário grandes toques de modernidade para sucesso se conserve. Oxalá. (preço médio por refeição, 30€)

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 10 de Setembro 2008


Contactos: Praça dos Restauradores 79 - Lisboa
1250-188 LISBOA ; Telefone 213465106

quarta-feira, setembro 03, 2008

Save Miguel (are you talking to me?)

Enquanto por cá, no Oje, o critico de vinhos Rui Falcão levanta a questão do saca-rolhas poder vir a estar em extinção - devido ao crescimento do uso de vedantes sintéticos em detrimento da rolha de cortiça -, na Austrália, a Corticeira Amorim lançou uma campanha para tentar salvar o Miguel. E quem é este Miguel?


( o texto do Rui Falcão vem hoje publicado no jornal. A campanha “Save Miguel” tem vindo a ser disseminada via marketing viral, numa estratégia muito interessante que passa pelo o uso das novas tecnologias para fazer passar a mensagem)

quinta-feira, julho 31, 2008

Colorido intermitente

Restaurante Henrique Leis

Henrique Leis é um brasileiro que trabalhou com alguns dos melhores Chefs franceses (Paul Bocuse, Pierre Troisgros, Guy Savoy, Pierre Gagnaire) antes de escolher o Algarve, em 1993, para abrir o seu primeiro restaurante. Em 2000 o livrinho vermelho da Michelin atribui-lhe a estrela, que ainda hoje mantém. Como todos os outros restaurantes de topo desta área, também ele vive da comunidade abonada, na sua maioria estrangeira, que por ali tem residência ou passa férias no local. Estamos na zona de influência da Quinta do Lago, Vale de Lobo e Vilamoura, onde o PIB mais se aproxima duma Suiça do que de um Portugal em recessão.
Vindo de Almancil, o Henrique Leis fica num ponto mais elevado, o que proporciona uma vista desafogada a quem fica na varanda deste espaço com aspecto de chalé.
Por aqui pratica-se uma cozinha de autor, de influência marcadamente francesa. Diria que a origem brasileira do Chef é detectável apenas no colorido dos ingredientes utilizados, como acontece logo de entrada com o amuse bouche: um shot tricolor de melão, meloa e gelatina de melancia, acompanhado por um profiterole (que na verdade era mais um macarron) de beterraba com recheio de foie.
A cor foi uma constante ao longo do menu de degustação de 6 pratos (75€) que solicitámos.
Como primeiro prato chegou-nos um supremo de vieira com caviar royal sobre um entrançado de courgete na base. A ligação entre as vieiras e o caviar pareceu-me equilibrada embora se notasse demasiado sabor a manteiga na base. O mesmo viria a acontecer no gratinado de batata que acompanhou um dos pratos seguintes: lagosta da costa Algarvia em buillon de lagostins, também este prejudicado pelo excesso de cozedura do crustáceo. Entre estes dois pratos foi servido um ravioli de trufa, com um consommé de lagosta vertido por cima - no momento -, numa conjugação perfeita de sabores entre terra e mar. Seguiu-se um tornedó de novilho angus com redução de Porto Vintage, acompanhado com vários purés (funcho, aipo bola e beterraba). Para alem do tom colorido, os purés permitiam ir fazendo ligações de sabores diferentes com a carne. Só foi pena, mais uma vez, que o produto principal viesse passado de mais. Ao quinto prato, ravioli de gorgonzola c puré de batata-doce, a fasquia voltou a estar a um nível elevado com a surpreendente ligação entre este queijo azul italiano, de sabor intenso, e o adocicado da batata-doce. Quanto à sobremesa, destacou-se a originalidade de um tomate recheado (como se de uma compota sólida se tratasse) embora o recheio de frutos secos fosse excessivamente doce. Valeu o contraste de um apontamento de mousse de chocolate e gelado de baunilha, pouco doces.
A refeição foi acompanhada (e bem) por um Alvarinho, Muros de Melgaço (35€), com um incursão no tinto (um Dão, Álvaro de Castro - 7€, copo), de taninos mais adequados ao tornedó de vitela. O serviço de vinhos foi de bom nível, quer ao nível do aconselhamento, quer nas temperaturas.
Já do serviço de mesa, esperava mais, para um restaurante deste nível. Não chega ser simpático, é importante que não haja falhas no trato. Do mesmo modo que não basta distribuir pelos clientes uma folha com o menu de degustação. Quem aqui vem para desfrutar acima de tudo da refeição gosta que lhe expliquem a composição dos pratos e que nãos se limitem apenas a deixa-los à nossa frente, com um sorriso na cara.
Quando estamos no local (ou quando procuramos informação) é visível que a cozinha de Henrique Leis é uma cozinha rica, alegre, de sabedoria e de arrojo. Talvez por isso tenha ficado algo desapontado com as falhas que ocorreram. Pode-se dizer que todos temos dias menos bons. Acontece que num restaurante deste nível, onde uma refeição como a descrita ficou na casa dos 110€, a tolerância às falhas é menor.

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 30 de Julho 2008


Contactos: Localização - Vale Formoso, Almancil ; Telefone:289393438. (http://www.henriqueleis.com/)

quinta-feira, julho 17, 2008

A fama existe, o essencial não vi

Restaurante Ramires

Há quem ache que eu só vibro com ostras, foie gras, confits, vieiras e afins. Pois deixem que vos diga: por vezes nada me sabe melhor do que um bom frango assado. Mais: de preferência, comido à mão em dia de jogo da Selecção ou do Benfica e obrigatoriamente acompanhado por uma Sagres ou por uma Super Bock normal, bem fresca (várias, se o jogo for do Benfica – há que esquecer rapidamente o provável mau resultado final). Nos últimos anos, em Junho, tenho apontado a sul para uns dias de praia. Como não podia deixar de ser aproveito também para pôr a “escrita” em dia no que diz respeito a restaurantes. Normalmente visito um ou dois dos galardoados com estrelas Michelin (como é sabido o Algarve possui a maior concentração, em Portugal, de restaurantes deste tipo) e também um ou dois mais tradicionais (a gastronomia da região é rica e distinta e só é pena que passe ao lado da maior parte das pessoas que por aqui veraneiam).
O frango da Guia não sendo propriamente um produto tradicional é no entanto um prato bastante popular na localidade que lhe deu o nome e nas suas imediações. A sua fama ultrapassou mesmo as fronteiras regionais através de uma rede de restaurantes que utilizam o nome genérico como identidade. Há vários espaços por onde escolher, eu sempre o fiz aleatoriamente e sempre me dei bem com o método. Mas desta vez procurei ir ao original, àquele que deu origem a todos os outros: o Ramires.
O Ramires na verdade já não é um restaurante mas sim um complexo restaurativo com várias salas. Felizmente apanhei a mais pitoresca de todas, aquela que parece ser a original. É uma sala com vida e vivida. A presença do dono, José Carlos Ramires, (tido como o inventor da receita original - cujo o segredo, segundo consta, está no molho à base de óleo e piripiri), é evidente um pouco por todo lado: seja no busto ao fundo da sala, seja nas diversas fotografias e notícias de jornais onde é proeminente a sua dedicação às colectividades locais.
Pena que por vezes a fama faça com que se descure no essencial. Naquilo que lhes deu fama. Pode ter sido azar meu, mas as falhas que encontrei, no dia em que lá almocei, foram demasiado evidentes.
O primeiro indicio começou cedo, quando pedimos o menu. É certo que quem ali se desloca sabe ao que vai, mas também não é caso para um olhar de desdém só porque alguém pede o menu. A lentidão e falta de simpatia e de profissionalismo de quem nos atendeu não augurava nada de bom. Mas até estava disposto fazer vista grossa a esse “detalhe” quando chegasse o pequeno frango da praxe, estaladiço e marcado pelo calor das brasas. Acontece que o que nos chegou (13€, um frango para duas pessoas), não sendo mau, desiludiu precisamente pela a ausência das características que referi. Era pequeno sim, mas parecia ter passado pela grelha eléctrica e não pela de brasa. O molho embora revelasse o sabor característico estava demasiado oleoso. As batatas fritas que acompanhavam eram de tal forma más que tive dificuldade em descortinar se eram das congeladas, ou se tinham cozido por não serem de grande qualidade, ou por terem sido atiradas para a frigideira antes do óleo ter atingido a temperatura ideal de fritura. Neste desconsolo acabou por se safar a salada e tomate, bem maduro e firme, polvilhada com orégãos (2.80€) e, de sobremesa, um suculento D. Rodrigo (1.80€) - este sim, belíssimo.
Não vou desistir do frango da Guia mas, para a próxima, volto ao sistema de escolha aleatória - colocando esta carta fora do baralho.
Por esta refeição, com café e imperial, pagou-se 12.24€/ pessoa. Valha-nos isso.

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 16 de Julho 2008

LocalizaçãoRua 25 de Abril 14 – Guia- Albufeira ; telefone 289561232
www.frango-da-guia.com

quarta-feira, julho 02, 2008

Uma estrela segura

Restaurante Willies

Na mesa do lado um casal de irlandeses em férias falava calorosamente do bom tempo, de como é bom jogar golfe no Algarve e de como se comia bem por aqui. Trocavam opiniões com o empregado bonacheirão que lhes ia trazendo as iguarias e o evoluir do marcador do jogo Holanda x Rússia. Os comentários iam sendo partilhados com outra mesa de irlandeses e, por extensão, connosco, que estávamos entre ambos. No final, visivelmente ruborizados pelo sol do Algarve e pelo vinho do Alentejo, os dois casais trocavam opiniões sobre os restaurantes que tinham ido desde que estavam por ali. A coisa resultava em gargalhada porque nunca conseguiam lembrar-se do nome dos sítios. Mas ali, onde estávamos, tinha sido o melhor, além de que o nome era fácil de pronunciar: “Willies”. Da outra mesa uma loira platinada rematava: “absolutly the best in Portugal”.
O Willies, detentor de uma estrela Michelin, é um bom restaurante, tem um serviço muito competente e, pelos vistos, para os estrangeiros – a grande maioria dos clientes – tem um nome fácil de pronunciar. Consta que é também um dos lugares preferidos de Manuel Pinho – embora a popularidade descendente do nosso ministro da Economia talvez não seja a publicidade mais querida pelo restaurante.
Como é comum a sul, desde que o tempo o permita, as refeições fazem-se no exterior, neste caso, no terraço da casa que lhe dá lugar, numa zona residencial de luxo, em Vilamoura.
Neste restaurante pratica-se uma cozinha de autor mas não existe menu de degustação, o não é muito comum num restaurante “estrelado” deste género. Nas entradas predominam as propostas do mar, enquanto que nos principais, existem cinco pratos de peixe e outros cinco de carne.
Começámos por uma sapateira desfiada sobre puré de abacate e toranjas (15.50€). Saborosa e fresquíssima, a sapateira, com a “gordura” do abacate a ligar bem e a toranja a funcionar como contraponto acídulo. Ainda no campo das entradas provei o feu de bric recheado de foie gras e maçã em molho de trufa (18€): mais uma vez uma boa conjugação de sabores e de contrastes, aqui, também, em termos de texturas (estaladiço da massa bric e o foie que se desfaz na boca). Nos pratos principais optei por umas excelentes costeletas de borrego (28.50€) que chegaram num ponto perfeito (rosadas). Acompanhava, legumes baby cozidos a vapor e um gratinado de batata. A redução dos sucos da carne, com um apontamento de tomilho, conferiu ao conjunto uma mais valia considerável. Neste prato tudo me pareceu clássico, mas em termos de sabores, foi do melhor que comi nos últimos tempos. Já menos interessante, pareceu-me o filete de peixe-galo com massa fina, legumes e molho de champanhe (29€).
De sobremesa aceitei a sugestão da casa e optei por uma do dia - pela qual acabei por não morrer de amores: cerejas cozinhadas numa calda própria, acompanhadas de gelado de baunilha (13€). Muito melhor, a que fui debicando no prato da frente: uma espécie de crumble de pêra em massa folhada e gelado de noz (12€).
Em termos de vinhos, de uma carta medianamente composta, escolhemos um Valle Pradinhos branco(22€) para os peixes e, para as carnes, um Dão, tinto, da Quinta dos Carvalhais - o Colheita Seleccionada ( 9.50€/copo). Ambos se mostraram escolhas acertadas, embora o tinto tenha vindo uns graus acima da temperatura correcta (já agora: exigem-se melhores copos para o vinho branco).
Em jeito de resumo diria que Wilhelm Wurger (o experiente Chef e proprietário, residente há mais de 20 anos no Algarve, tendo sido responsável pelas cozinhas do La Reserve - o primeiro restaurante do Algarve a conseguir uma estrela Michelin - e do S. Gabriel, onde esteve 7 anos) pratica uma cozinha de autor sem grandes rasgos, é certo, mas muito segura, privilegiando a utilização de matéria-prima de grande qualidade. Não é o melhor restaurante do país, mas é sem dúvida uma boa aposta. Uma aposta com o seu custo, mas merecedora de visita.

(preço médio por refeição completa com entrada, prato e sobremesa: 80€ (pax, com vinho)

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 2 de Julho 2008

Contactos: Rua do Brasil, 2, Vilamoura Tel 289 380 849 (http://www.willies-restaurante.com/)

segunda-feira, junho 30, 2008

Menu de Aniversário do Oje (2008)

A propósito de mais um aniversário do Oje e no seguimento do que fiz no ano passado, deixo aqui um menu de degustação de 12 pratos com o qual gostaria de festejar esta data particular. Esta selecção foi feita a partir das melhores propostas de todos os pratos degustados nos 24 restaurantes visitados nos últimos 12 meses de criticas gastronómicas do Oje. O menu que vos deixo é também uma forma singela de fazer o balanço de um ano no qual se destacou um restaurante: o Tavares sob o comando de José Avillez.
Bom apetite!


Entradas

Ostras Belons – Brasserie Flô, Lisboa

filetes de biqueirão anchovados, com alcaparras e tomate cereja - Eira do mel, Vila do Bispo

vieiras em canneloni com ovas de truta e em tártaro com sumo de limão – Tavares, Lisboa

lagostins ligeiramente salteados com gelatina do seu caldo e “protengue” de flor de laranjeira – Tavares, Lisboa

carpaccio de bacalhau com uma espetada de línguas e mandioca – Terreiro do Paço, Lisboa

cogumelos selvagens salteados, com caramelo de trufa, e fatias finíssimas de broa - Clube de Jornalistas, Lisboa



Pratos Principais

salmonete assado, no ponto, com molho dos fígados e uma pequena batata recheada com tapenade de azeitona galega - Tavares, Lisboa


Peixe-galo com ragout de legumes em molho de amêijoas e lentilhas vermelhas – Amadeus, Almancil

lombo de novilho Angus laminado com legumes no wok, chutney de manga e redução de soja e sésamo – Panorama, Lisboa

“leitão da cabeça aos pés com molho de coentrada, morango tépido com gelatina de vinho da Bairrada” – Tavares, Lisboa

sábado, junho 21, 2008

Um pouco de tudo (com um ou outro ajuste a fazer)

Restaurante Omnia

É natural que um gourmet dê mais valor à paixão que um restaurador nutre pelo o que nos serve, do que propriamente pelo modelo de negócio que está por detrás (a menos que seja fiador ou financiador do mesmo). No entanto, quantos de nós já vimos falharem determinados projectos por se basearem apenas na paixão e não numa base realista do negócio. Hoje em dia é cada vez mais difícil singrar nesta área pelo que é importante a definição de um conceito, de preferência, diferenciador. E se ter um Chefe de renome pode fazer por si só a diferença, é preciso ter consciência de que a maior parte dos restaurantes não têm capacidade financeira para tal, daí a importância na definição de um posicionamento próprio (que não tem que ser, necessariamente, inovador), como acontece no Omnia, o restaurante que visitei na semana passada.
Aqui a promessa subjacente refere-nos a possibilidade de experimentar um pouco de tudo o que consta no menu - a um preço bastante razoável (27.50€, 10 mini pratos). Este menu tem a particularidade da ordem dos pratos ser definida pelo que estiver a ser servido no momento (com excepção, na actual carta, para a sopa, que é servida a abrir, e para o queijo Brie em massa filo, com doce de abóbora, a fechar). Mais do que uma desconstrução irreverente, percebe-se que o método tem a ver com questões logísticas. Acontece que para quem está habituado a uma sequência lógica, a passagem dos pratos de carne para os de peixe não é muito pacífica, por exemplo. Outro dos riscos deste conceito prende-se com a formatação do serviço. É importante que logo no início o cliente seja avisado para esta questão de apanhar o comboio já em andamento – o que no nosso caso não aconteceu –, mais do que não seja para que possibilite uma escolha mais adequada dos vinhos. O facto de se tratarem de pequenas doses e das mesmas no chegarem individualmente cria, também, alguma azáfama, pelo que talvez fosse mais prudente alguns pratos virem aos pares.
Em relação às propostas que constaram do nosso jantar não houve lugar a grandes ousadias, notando-se, sobretudo, uma aposta em fazer bem sem complicar. Em geral, tudo esteve correcto do ponto de vista da qualidade do produto, da concepção e da conjugação de sabores. Das dez propostas, as que mais agradaram foram o risoto de lima e coentros com camarão; o escalope de foie gras com chanterelles e redução de Porto (este tipo de cogumelo é perfeito, nesta ligação); o ravioli de alcachofras, gorgonzola e manteiga de salva; e o bacalhau gratinado com aioli e coulis de pimento.
Acompanhámos o menu com um Rosemount Diamond Label Chardonnay (23€) - um
branco australiano bastante frutado – que escoltou bem as vertente marítima do jantar; um Esporão Syrah (7€, copo), para as propostas de carne; e um Madeira Barbeito 3 anos(5€, a copo), para a agradável sobremesa de crepe de maçã em massa filo e gelado de canela (6€). Os vinhos são servidos em copos adequados e vêm apresentados na carta, por estilos. No entanto, oferta é curta, sobretudo nos brancos - o que é pena porque este é o tipo de vinho mais versátil no acompanhamento de um menu com estas características. A rever deverá ser a questão da temperatura de serviço, completamente desajustada no tinto e no Madeira que bebemos a copo (o que é desagradável porque se é possível, num frappé, baixar a temperatura de uma garrafa, o mesmo é impraticável no vinho a copo).
Em termos de serviço, quem nos atendeu mostrou-se esforçado mas ainda a necessitar de maior habituação ao conceito.
No cômputo geral a experiência foi positiva e penso mesmo que com uns ajustes que permitam a sua consolidação, este conceito poderá ser ganhador. É claro que preferia ser surpreendido pela ousadia, mas é melhor assim do que levar com uma pseudo irreverência de conjugações estapafúrdias e mal elaboradas.
(preço médio de refeição: 40€/pessoa, com vinho).

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 20 de Junho 2008


Contactos: Largo de Santos, 9C , Lisboa ; Tel: 21 390 35 83. (www.omnia.pt)

quarta-feira, junho 04, 2008

Alguém falou em objectividade?

Cervejaria Ramiro

Esta semana resolvi escrever sobre um sitio que gosto muito e que frequento com alguma regularidade. Ao começar desta forma estou desde já a declarar que é natural que a objectividade que tento colocar nestas críticas esteja algo comprometida. Mas não pensem que estou a fazer um favor, até porque não sou nem familiar, nem amigo de alguém do Ramiro, nem tão pouco conhecido por lá. Mas gosto de lá ir porque sou tratado de forma especial. Eu e todos os clientes que vejo por lá. Gostaria mesmo de desafiar alguém a fazer um estudo sobre o serviço deste lugar. Um estudo que nos explicasse como é possível ser tão eficiente e atento com o cliente mesmo estando a sala a abarrotar. Um estudo que explicasse a outros profissionais do ramo como é possível ser informal sem cair no exagero (i.e: estar à vontade, mas não à vontadinha). Se somos bem tratados e nos servem um produto de primeira com uma relação preço/qualidade exemplar, percebe-se que seja perdoável uma certa falta de objectividade. Mas é tudo perfeito no Ramiro? Felizmente, não: o pão acabado de torrar e coberto de manteiga é um exagero, mas sabe tão bem (logo de entrada, é assim uma espécie de pequeno almoço para acompanhar com um galão gelado de cevada); a lista de vinhos é redutora e os copos estão longe de serem os ideais, mas para compensar, o preço é justíssimo (por exemplo, o Alvarinho Solar de Serrade, que bebemos custa 10.80€); e as sobremesas são de excelente banalidade (desconfio que só existam para que crianças, grávidas e “agarrados” ao açúcar, como eu, não façam birra no final). Comece-se pelas amêijoas (“há estas que são das boas, há a preta e a japónica”) à Bulhão Pato (10.30€, dose). E são mesmo das boas: saborosas e suculentas no seu molho de azeite, alho e coentros, como mandam as regras (sem aldrabices de mostarda, nem outros espessantes, como se vê cada vez mais por aí). Passe-se aos percebes (10.30€, 200gr) - fresquíssimos, de sabor marítimo ligeiramente iodado - e venha a sapateira (18.54€, 900gr), com um pouco de mostarda e pickles no recheio, mas apenas numa pequena proporção que permita enriquecê-lo sem o adulterar . E não vale a pena trazer o fato de paintball. É que por mais destreza que tenha a manusear o martelo, no final, vai sempre trazer algumas “medalhas” (e provavelmente, distribuir outras pela vizinhança). Se está num daqueles momentos em que dias não são dias, peça uns lagostins cozidos ou uns lavagantes grelhados. Dois exemplares por pessoa, já satisfazem e não arruínam por aí além (14.88€, 2 lagostins/175gr. Se algum por acaso vier moído, o que por vezes acontece, dada a fragilidade do bicho, peça para o trocarem. Fazem-no na hora, com a maior naturalidade). Há quem se atire a umas gambas a la guillo, de tamanho médio e molho de deixar cair o pão, ou prefira a santola em vez da sapateira. Mas o que não pode faltar, para rematar, é o prego do lombo no pão (3.61€, 100gr): mal passado, coberto de alho e uma bisnagadela de condimento de mostarda Paladin. Um must! Diria mais: o melhor prego de Lisboa! Alguém falou em objectividade?
(preço médio variável consoante a gula: 20€/40€, pessoa).


Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 4 de Junho 2008


Contactos:

Av. Almirante Reis, nº1 , Lisboa ; Telefone: 21 885 10 24 (www.cervejariaramiro.pt/)

quarta-feira, maio 21, 2008

Hard Fried bbq

Hard Rock Café

Começo por confessar que até à semana passada nunca tinha entrado num Hard Rock Café, nem nunca tinha tido sequer a curiosidade. Desafiado por um amigo que me garantia a existência do melhor hambúrguer da cidade, acedi lá ir, prometendo deixar à porta qualquer tipo de preconceito.
Primeira constatação: a integração de toda a memorabilia rockeira no espaço que em tempos albergou o Cinema Condes está bem conseguida, chegando mesmo a impressionar quando se avista o descapotável pendurado entre a parede e o tecto, numa virtual estrada de néon. A sala reparte-se por dois andares: em baixo, o bar e a zona de mesas que se distribuem inclusive pelo próprio palco, nos dias em que não há música ao vivo. No andar de cima, mais mesas em redor do varandim e também no espaço contíguo a ele. À entrada, perante o “good evening” de quem nos recebe, percebo que acabo de entrar numa embaixada da globalização norte americana. Ao contrário do que esperava, apesar do sotaque estrangeiro de muitos clientes, uma boa parte é portuguesa. À nossa chegada, junto à mesa que nos tinha sido reservada, festejava-se efusivamente o aniversário de alguém. Temi o pior, lembrando-me de outro jantar, há uns meses atrás, num restaurante de tapas, em que fui actor secundário de uma despedida de solteira. Só que ao contrário do que aconteceu dessa vez, os ânimos rapidamente acalmaram. Também ao contrário dessa experiência, em que os empregados eram sobretudo animadores que pouco percebiam do que estavam a servir, aqui, respira-se profissionalismo. Como numa fábrica bem programada, o serviço é eficiente e a simpatia e descontracção fazem parte das regras da casa. E o que se pode comer por aqui?
Começámos por um “Jumbo Combo”(16.25€), uma selecção de várias entradas constituída por aros de cebola panados, tiras de peito de frango panados, asas de frango picantes, batata recheada com queijo, salada César, e uns crepes recheados de feijão vermelho, espinafres, milho e pimentos - tudo acompanhado por quatro molhos diferentes. Apesar de fazer parte da secção de entradas, o que nos chegou dava para alimentar uma família. Em geral, com excepção da salada (inundada em maionese), tudo nos soube bem. Na verdade, tudo nos soube aos molhos, em especial ao de barbecue (bbq), em que mergulhámos os vários alimentos. Porém, acalmada a fome, ao quinto ou sexto naco, acusámos também o excesso de fritos, embora o balde de cervejas Corona (4+1 grátis, 15€) tivesse ajudado a disfarçar, graças ao gomo de limão que acompanha estas cervejas mexicanas. De seguida, enquanto a empregada procurava lugar na mesa para depositar os pratos principais, nós procurávamos espaço no estômago para eles. As bbq ribs (entrecosto, 13.95€) estavam bem tenras mas só se descortinava o molho bbq que as revestia. Acompanhava umas batatas fritas francamente mazinhas (sim, porque mesmo dentro da secção da batata frita congelada, existem algumas bastante aceitáveis para o género), as mesmas que guarneciam o burger com queijo azul (13.25€). Este hamburger, feito de carne de vaca Angus, estava de facto saboroso, embora tivesse sido prejudicado pela quantidade excessiva de queijo azul, cujo sabor é naturalmente intenso. Já não havia lugar para sobremesa. No entanto, trabalho oblige, resolvemos solicitar um doce “regional” norte-americano que, para variar, veio em dose familiar: um brownie de chocolate, razoável, com uma bola enorme de gelado de baunilha, avelãs e uma montanha de chantilly com (não poderia faltar) uma cereja no topo (7.45€). Devíamos ter pedido o Stairway to Heaven dos Led Zeppelin a acompanhar, mas não constava que aceitassem discos pedidos. Como não tinham Alka Seltzer, terminámos com um descafeinado.
Apesar de tudo a experiência superou as minhas expectativas e, por isso, não deixo de recomendar este sítio, nem que seja uma vez na vida. Sugestão: peça o prato mais barato da lista porque, no fundo, o que quer que peça vai saber a molho bbq. E mesmo que não tenha essa praga, o aroma está impregnado no ar, pelo que é necessária uma certa dose de abstracção para poder apreciar, por exemplo, um bom hambúrguer. (Preço médio, 25/30€, com cerveja).


Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 21 de Maio de 2008


Contactos: Av. da Liberdade, 2, Lisboa ; Telefone: 213 245 280 ; http://www.hardrock.com

sexta-feira, maio 16, 2008

Crumble de maçã

Gosto bastante do crumble de maçã que costumo fazer. Não tem grande ciência e sai quase sempre bem. No entanto, hoje apeteceu-me variar. Vai daí, toca a procurar receitas. Parei aqui e fiquei curioso. Na verdade fiquei foi guloso. Tão guloso que decidi que a partir de agora só vou fazer crumble com maçãs verdes. Que se lixem as maçãs Royal Gala.

quinta-feira, maio 15, 2008

Tiborna simples

Este post é dedicado ao meu irmão que me acusa de ser muito elitista em termos de preferências gastronómicas (e noutras coisas também, mas isso já é outra história). Como represália deixo-lhe aqui a imagem de um prato bastante sofisticado. Um dos melhores que comi nos ultimos tempos (bom, estou a exagerar um bocadinho, mas ninguém leva a mal).

Trata-se de uma tiborna simples e pode ser apreciada, por exemplo, no local onde esta foto foi tirada: o restaurante Pão Saloio, em Toledo, Lourinhã. Também pode ser feita em casa, caso tenham à vossa disposição uma máquina de cozinhar a vácuo , alginatos para esferificações, um sifão, uma Clarimax e uma Pacojet. Se tiverem isto tudo, óptimo, pois estou certo que poderão fazer inúmeras iguarias que aprecio muito. No entanto, para esta receita basta meter essa maquinaria toda de parte e seguir a esta complicadíssima receita: parta nacos de pão de milho acabado de sair do forno (ou vá lá, acabados de aquecer no forno), junte umas lascas de alho e regue com bom azeite novo.

Existem várias derivações da receita, consoante a região ou a fonte. Para mim, basta assim.

terça-feira, maio 13, 2008

A perfect match


Por si só não são nada de extraordinário. No entanto, ontem, completamente ao acaso, provei-os em conjunto e deixem-me que vos diga, do alto da minha possidonite anglo saxónica: a perfect match!

(Lindt Excellence Orange Intense & Cossart Gordan, Malmsey Madeira Colheita, 1994)

quarta-feira, maio 07, 2008

Ignorância ou negligência?

Sempre que atacada publicamente pelos seus supostos excessos de fiscalização, os responsáveis da ASAE escudavam-se que apenas estariam a fazer cumprir a legislação da Comunidade Europeia. O que nunca ninguém tinha dito é que bastava uma simples comunicação por parte dos "sucessivos governos" para que pudesse haver excepções que permitissem a especificidade na confecção de determinados produtos tradicionais portugueses.

A denuncia é da especialista Ana Soeiro e notícia, do Público, pode ser lida aqui

A elegância do pós-deslumbramento

Restaurante Tavares

Para todos os que têm vindo a acompanhar a actividade gastronómica nacional, José Avillez é neste momento um dos Chefes de que mais se fala. Quem assistiu há cerca de um mês, perante um auditório cheio à sua sessão de show cooking no festival Peixe em Lisboa percebe em grande parte porquê: a forma cativante e entusiástica de comunicar, a facilidade com que transmite o seu saber e a apresentação sofisticada, criativa mas ao mesmo tempo simples, da sua cozinha - onde o produto é soberano, e todos os outros elementos (não mais do que dois ou três, salvo uma ou outra excepção) servem para o destacar e não para o esconder - fazem com que já tenha conseguido reunir à sua volta um conjunto vasto de admiradores, mesmo antes de chegar aos 30 anos. A curiosidade à sua volta aumentou ainda mais quando se soube que tinha aceite o convite para chefiar a cozinha do mítico Tavares, depois de seis meses na Catalunha, onde esteve a estagiar no famoso El Bulli de Ferran Adriá. Muitos disseram que o seu perfil era demasiado jovem para um lugar histórico e majestoso como este. Outros afirmaram, que estaria a dar um passo maior do que as pernas num local onde pelo menos dois chefes experientes e talentosos não foram bem sucedidos. Por tudo isto, e por nunca ter experimentado a cozinha de Avillez, era incontornável voltar ao Tavares, um ano e meio depois de aqui ter descrito a excelente refeição lá tida na era de Peudenier.
No Tavares pode-se escolher à carta, mas fazê-lo seria como alugar um Aston Martin com limitação de km ao perímetro do bairro. Talvez não seja necessário optar pelo Menu Surpresa (10 pratos, 95€), mas aconselho vivamente a opção que escolhemos: o Menu do Desassossego (7 pratos, 75 €) com o complemento de vinhos a copo (25€).
A sessão começou por vieiras em canneloni com ovas de truta e em tártaro com sumo de limão. Um produto, duas texturas diferentes, duas cozeduras diferentes, dois auxiliares diferentes e um resultado consensual: perfeito! De seguida: lagostins ligeiramente salteados com gelatina do seu caldo e “protengue” (sorbet?) de flor de laranjeira. A conjugação da subtileza e frescura do crustáceo em estado quase puro e a concentração do seu sabor em gelatina, com o sorbet a trazer-nos um apontamento de ligação surpreendente (estes dois pratos foram acompanhados pelo Albariño, Terras Gaudas 2006). A terceira proposta parecia querer fugir à regra minimal de elementos no prato. Considerei uma brincadeira de vários sabores e texturas em quantidade mínima (morangos, flores, toucinho gordo, crumble de broa de milho, azeitona desidratada em pó e ervilha torta) que serviram, sobretudo, para evidenciar a terrina foie gras como a rainha da corte (acompanhados em termos líquidos por um agradável Late Harvest do Esporão, 2006). Depois de brincarmos com esta espécie de smarties para crescidos, voltámos à filosofia minimal, com um salmonete assado, no ponto, com molho dos fígados e uma pequena batata recheada com tapenade de azeitona galega, numa ligação de sabores, desta vez, dados pelo contraste (e facilitados pela estrutura e boa acidez de um branco do Douro, o Muxagat 2006). No quinto prato fomos virtualmente transportados para uma sopa à alentejana by Avillez: ovo biológico cozido a 64º, uvas em tempura (repescando a tradição da utilização de uvas na sopa à alentejana em época das vindimas) e espuma de bacalhau e poejos. Seguiu-se o “leitão da cabeça aos pés com molho de coentrada, morango tépido com gelatina de vinho da Bairrada”: várias partes do leitão em contraste de sabores, texturas e cozeduras diferentes. O avinagrado dos pezinhos de coentrada vs. a gordura da entremeada; a pele crocante desta vs. a suculência da carne da perna; e ainda, uma parte da cabeça de consistência mais firme. O apontamento do morango com a geleia de vinho em vez do acompanhamento mais comum da laranja, foi uma ideia muito bem conseguida num prato com tanto de interessante como de arriscado (acompanhou um tinto do Dão, o Quinta das Estrémuas Reserva, 2003). Ao sétimo prato, um falso pastel de nata em forma de mil folhas desceu à terra, acompanhado de gelado de canela, para que pudéssemos finalizar e ascender ao céu em beleza. O efeito grandioso de um moscatel roxo de 2003, do produtor Horácio Simões, ajudou a essa ascensão.
O serviço não tendo sido tão perfeito como a refeição, esteve bem nos vários aspectos. Por ultimo gostaria de destacar uma prática pouco usual, mas agradável para quem sabe que vai receber uma “dolorosa” considerável: o couvert, a água e o café não são cobrados à parte.
Após esta experiência não tenho dúvidas em afirmar que José Avillez é a pessoa certa nesta nova fase do Tavares e que a sua cozinha elegante e criativa (mas sem truques de artificio) vai consagrá-lo, no mínimo, como uma referência no panorama nacional.

Contactos: Rua da Misericórdia 35/37 - Lisboa, Telefone: 213421112 http://www.tavaresrico.pt/

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 7 de Maio de 2008

Tavares by Avillez

Esta semana voltei ao Tavares. É o primeiro restaurante que repito no âmbito das críticas do Oje. Mais do que ter esgotado o leque de restaurantes disponíveis tinha bastante curiosidade em experimentar a cozinha de um dos Chefs mais badalados do momento: José Avillez. Terá valido a pena?

Esta Quarta Feira no Oje.
(na foto:Vieiras em canneloni com ovas de truta e em tártaro com sumo de limão. “Pele de iogurte de pepino”, borragem e raspas de lima)

segunda-feira, abril 28, 2008

E 10 minutos de mau sexo?


Nunca como nos últimos tempos se tem usado tanto a palavra Gourmet. A sua utilização em termos de marketing e a sua apropriação por parte de determinadas marcas, também não. Infelizmente, por vezes, apenas se tem uma noção vaga do que significa o termo. Por exemplo, neste caso do arroz Pato Real, querem-nos fazer passar a mensagem de que é possível fazer um risotto em 10 minutos. Até pode ser uma boa notícia para quem não tem paciência para cozinhar. Acontece que se ignora aqui o facto do verdadeiro Gourmet ter tanto prazer em executar como em apreciar. E o prazer é tanto maior quanto mais complexa for a tarefa e o tempo da sua realização: Um gravadlax de 3 dias, uma cozedura a baixas temperaturas de 4 horas, uma redução de 45 minutos, uma codorniz desossada e recheada a preceito, são normalmente troféus exibidos com orgulho e glória perante qualquer convidado (ou até mesmo apenas como satisfação própria).Isso quer dizer que um risotto industrial que se pode fazer em apenas dez minutos é uma coisa má? Não, de todo. Dez minutos de sexo também devem ser muito bons. Os coelhos nem precisam de tanto.

quarta-feira, abril 23, 2008

Boca doce com travo amargo

Restaurante Bocca


Na restauração, tal como nos vinhos, fico sempre surpreendido quando surgem no mercado novos intervenientes que, de forma audaz, entram logo nivelando o preço por cima. É preciso estar muito certo e confiante no trabalho apresentado para que essa audácia não se transforme num bluff aos olhos do consumidor.
Foi esta a dúvida que tive ao ver a carta do restaurante sobre o qual aqui escrevo hoje.
Tudo começou com um email de um amigo a perguntar-me se já conhecia este local. Cliquei no link do site que vinha em anexo e naveguei um pouco por ali. Achei carote, mas fiquei suficientemente bem impressionado com cartão de visita, de modo que o coloquei na shortlist de locais a visitar. Na semana passada cumpri o desígnio e vim a este local de ambiente urbano, sofisticado e descontraído, composto por três salas, sendo uma delas para fumadores. Ao contrário do que o nome possa sugerir, o Bocca não é restaurante italiano, mas sim um restaurante de cozinha de autor. Na carta assinada pelo Chef Alexandre Silva nota-se a intenção de utilizar determinados produtos top, nomeadamente portugueses. O preço, em média, elevado, criou-me alguma expectativa, ainda para mais por ser a primeira vez que estava a ouvir falar deste Chef (falha minha, provavelmente).
O desafio começou com um simpático entretém de boca, um shot de queijo brie com creme de espinafres, acompanhado de um cannoli com uma erva aromática no meio. Sabores harmoniosos que prepararam a boca para o prato de entrada: no meu caso, um creme de ervilhas com flan de parmesão e telha de pata negra e, para quem me acompanhava, Vichyssoise de salsa com bacalhau fresco escalfado (8€, cada). Bom, o creme de ervilhas: aveludado, bem apaladado, a conjugar-se bem com a telha crocante de pata negra e com um agradável flan à base de parmesão a dar uma grande mais valia ao conjunto. A Vichyssoise, embora menos interessante pareceu-me correcta, ligando bem com um suculento, bacalhau fresco escalfado a baixa temperatura.
Nos pratos principais o risotto negro com sahimi de choco (15€) ainda nos fez vacilar mas acabámos por nos render aos prazeres da carne, deixando também de lado as duas massas da lista, bem como qualquer uma das quatro propostas de peixe. Assim, optámos pela perna de cordeiro de leite com alecrim, estufado de castanhas e cogumelos cantarelos (30€), e peito de pintada (que por acaso até era perna) com risotto de boletos (20€). Não questiono a agradabilidade de ambos os pratos, nem a utilização, neles, de produtos nobres de qualidade; ou ainda a forma correcta como estavam confeccionados. No entanto, nenhuma das propostas estava de louvar aos céus de forma a justificar o seu preço (sobretudo a perna de cordeiro). Ainda assim, até aqui, a refeição esteve uns bons pontos acima da média. Mas viria a baixar, com as sobremesas. A sopa de frutos silvestres com gelado de requeijão e crumble de avelã (7€) ainda se safou, mesmo que o crumble, crocante por natureza, perdesse essa textura ao vir afogado na dita sopa. Já a outra sobremesa, de nome tão extenso como o do representante de uma casa real - geometria de ananás marinado em calda de açafrão, com geleia de coentros e hortelã, espuma de coco, sorbet de figo (9€) – parecia uma salganhada de sabores sem grande coerência. A calda de açafrão até conferia um sabor interessante ao ananás, que por sua vez até costuma ligar bem com coco, não fosse a dita calda... Já o sorbet de figo pareceu-me completamente deslocado e a geleia, nome dado a uma gelatina, só veio trazer uma maior confusão de sabores.
No campo dos vinhos, a escolha pareceu-me muito completa e com a agradável surpresa de quase todos poderem ser pedidos a copo, o que torna mais aceitável os preços (elevados, embora não escandalosamente) das garrafas. Bebemos, com as entradas, o branco D. Berta rabigato 2006 (6€, a copo) e com os pratos principais, o tinto Covela Seleccionada 04 (26€), servidos em bons copos e à temperatura correcta.
O serviço foi eficiente e correcto.
No cômputo geral a experiência seria positiva se não fosse o preço final, desajustado à oferta.
(Preço médio por refeição completa, 45€/50€,pessoa, com vinho).

Contactos: Rua Rodrigo da Fonseca 87D – Lisboa. Telefone: 213808383 (www.bocca.pt)

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 23 de Abril de 2008

quarta-feira, abril 09, 2008

Sobe, sobe, “Belon” sobe

Brasserie Flo

A cadeia de hotéis Tivoli iniciou uma pequena revolução nos seus espaços restaurativos. O restaurante do terraço do Tivoli Lisboa está neste momento em obras e irá abrir em breve sob a responsabilidade do chefe Luís Baena .No seguimento desta mesma estratégia, chega agora a Portugal, a Brasserie Flo - a funcionar no piso térreo onde anteriormente estava o restaurante Beatriz Costa - dos mesmos proprietários da La Coupole, em Paris, e cujo a cadeia tem vindo a implantar-se em várias cidades importantes do mundo .
Mesmo que a tradução de Brasserie nos remeta para a palavra cervejaria, ao entrarmos neste espaço, essa semelhança é tão próxima como a distância entre Lisboa e Paris.
A carta é bastante completa e nela consta desde um dos pratos mais típicos das brasserie de origem alsaciana de Paris, o Choucrute, como várias propostas de mariscos, peixes e carnes (magret de pato, entrecôte, chateaubriand). Mas a mais-valia que trazem para Lisboa são mesmo as ostras, não que não existam por aí, amiúde, mas sobretudo, pela sua diversificação de variedades. Assim sendo não podíamos deixar de começar por este molusco, vendido em doses de seis unidades.
Não sei se por cortesia, ou por incentivo (provavelmente, pelas duas razões), chegou-nos, logo de início, dois pares de ostras do Algarve. Fresquíssimas e de forte sabor marítimo. Fazem parte da carta (12.50€) tal como as de Setúbal (13.50€). Mas não desfazendo, até porque estas são relativamente fáceis de encontrar por cá, estávamos ali para apreciar as variantes gaulesas e, dos cinco tipos diferentes disponíveis (tendo em conta a origem local e o calibre, optámos pelas duas espécies mais cotadas: as Gillardeau (16.50€) e as Belons (26.50€), ficando para outras núpcias as mais comuns, Fine de Claires (entre 14.50€ e 18€). Ora, partindo das ostras do Algarve para as Gillardeau, a diferença não foi muita, embora estas ultimas tenham um sabor mais suave e um ligeiro toque a avelã. Já quanto às Belons… estas são mesmo um caso sério: cheias, de sabor fino e prolongado quase até ao infinito – talvez sejam a prova que Deus existe.
Apetecia continuar por ali e experimentar todas as outras, até porque, infelizmente, 16 conchas daquelas não constituem nenhuma orgia. Mas regressámos à Terra e quisemos experimentar, pelo menos, uma das propostas de peixe e outra de carne. Assim, seguiu-se uns filetes de salmonete (19.50€) e, depois, um Onglet de vaca (22.50€), ambos muito bons e cozinhados num ponto de cocção correcto (médio, o peixe; mal passado, o naco de carne). A acompanhar o peixe vinham diversos legumes simples (feijão verde e cenoura) aconchegados em folha de brik. Acompanhava a carne um gratin dauphinois (gratinado de batata) leve e enxuto, o que pareceu ser uma boa opção tendo em conta o molho à base de natas, demasiado intenso (tal como o do salmonete) para o (meu) paladar lusitano.
Pena que as sobremesas não tenham estado ao nível do que descrevi atrás. Os profiteroles com baunilha e chocolate quente Valrohna (10.50€) estiveram longe de merecer o preço: “massudos”, gelado banal e, até o chocolate, não parecia ter a qualidade que o Valrohna normalmente tem). As “illes flottantes” com creme inglês (7.50€), nome chique dado a algo semelhante às nossas farófias, estavam demasiado enjoativas, tal era a doçura dos vários componentes que a compunham (praliné, creme inglês e claras em castelo adocicadas).
A carta de vinhos está longe de ser extensa, nomeadamente ao nível de champanhes (o acompanhamento ideal para as ostras), cujo o preço proibitivo nos remeteu para outras latitudes. E aqui encontrámos algumas referências gaulesas, pouco vistas por cá. Assim, a acompanhar a primeira parte bebemos um interessante Pouilly Fumé, Domaine Bonnard 2005 (32€) e, com a carne, o Lagoalva tinto 2006 (5.50€/copo), prejudicado pela temperatura demasiado elevada a que foi servido. O serviço foi eficiente e simpático, o que é de salutar, numa casa aberta há pouco tempo.
Quero crer que a Beatriz Costa, que viveu durante anos neste hotel, não iria levar a mal terem substituído o restaurante, com o seu nome, por esta Brasserie Flo. Entreguem-lhe uma dúzia de “belons” onde quer que ela esteja agora, sff.

(Preços com vinho, a partir de 35€/40€,pessoa. A refeição aqui descrita ficou em 75€/pessoa)

Contactos:
Avenida da Liberdade,185 Lisboa (Hotel Tivoli). Telefone: 21 3198977
www.brasserieflolisboa.com

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 9 de Abril de 2008

segunda-feira, abril 07, 2008

Obsession

Talvez por ter pouca paciência para o Inverno e por isso querer apressar a chegada do Verão, nestes dias amenos (ok, o caso de hoje não é exemplo), sinto um desejo incontrolável por ostras. Há quinze dias atrás referi aqui a excelente ideia que teve o André Magalhães ao criar uma happy hour de ostras no seu restaurante do Clube de Jornalistas. Na semana passada, seguindo o rasto e o devaneio por este molusco, fui à procura de mais e encontrei as famosas “belons” numa nova Brasserie, na Avenida da Liberdade. Terei chegado à conclusão que afinal Deus existe?

Quarta-feira, na crítica do Oje

quinta-feira, abril 03, 2008

Sem espinhas



É já depois de amanhã que tem inicio o primeiro Lisbon Fish&Flavours - Peixe em Lisboa 2008. A organização é da Associação de Turismo de Lisboa, em colaboração com a Essência do Vinho e a coordenação é do Duarte Calvão. A visita é obrigatória.

Food for Thought

Chegou-me por email* e faz parte do livro "Hungry Planet - What the World Eats"



Germany: The Melander family of Bargteheide
Food expenditure for one week: 375.39 Euros or $500.07



United States: The Revis family of North Carolina
Food expenditure for one week $341.98



Italy: The Manzo family of Sicily
Food expenditure for one week: 214.36 Euros or $260.11



Mexico: The Casales family of Cuernavaca
Food expenditure for one week: 1,862.78 Mexican Pesos or $189.09



Ecuador: The Ayme family of Tingo
Food expenditure for one week: $31.55


Bhutan: The Namgay family of Shingkhey Village
Food expenditure for one week: 224.93 ngultrum or $5.03
para mais, ver aqui.

* thks, Mr. Alvoeiro

quarta-feira, março 26, 2008

Espalhem a Notícia

Restaurante Clube de Jornalistas

Na semana passada decidi voltar a um local onde já não ia há uns bons anos: o restaurante do Clube de Jornalistas. Recordo-me de ter sido dos primeiros sítios acessíveis, em Lisboa, onde se comia magret de pato e, também, onde havia uns dentes de alho em pickles que deixavam intrigado quem ali entrava pela primeira vez e os via serem deglutidos como se fossem azeitonas. A gerência catalã entretanto mudou (há três anos) e deixei de ouvir falar do local. Até que há uns tempos alguém me falou que havia por ali uma happy hour de ostras do Sado e champanhe por um preço muito atractivo (10€, seis ostras e duas flutes, entre as 19.30h e as 20.30h). Preso por este anzol, achei que era boa altura para regressar.
O espaço mantém-se o mesmo, embora a decoração tenha sido ligeiramente modificada de forma a tornar as várias salas da casa mais claras. Mantém-se o magnífico pátio interior (o mais belo de Lisboa, juntamente com o da York House), o que me parece óptimo para um refastelamento de fim de tarde de Verão, em boa companhia de conchas e bubbles francesas. Enquanto o termómetro teimar em não subir, desfrute-se das salas interiores porque vale a pena, pelo que constatámos numa destas ultimas sextas-feiras.
Como entrada começámos por pedir uns cogumelos selvagens salteados, com caramelo de trufa, acompanhados de umas fatias finíssimas de broa (8€). Inicio auspicioso: produto de boa qualidade, cozinhado no ponto, numa excelente conjugação de aromas e sabores com a presença discreta da trufa a valorizar o conjunto, sem nunca ofuscar o principal. Ainda no campo das entradas veio um leite-creme queimado de salmão fumado (7€) e peito de pato fumado na casa, foie gras salteado com pêras e moscatel (12€). O primeiro é daqueles números arriscados que se não resulta pode dar em algo muito desagradável, mas se funciona bem, a audácia sai valorizada. E foi o segundo caso. Por estranho que possa parecer, o sabor do salmão, num creme de consistência correcta, funcionou muito bem com o açúcar caramelizado. Aposta ganha. Já o peito de pato fatiado e fumado na casa, destacou-se por essa característica fumada bem vincada, embora o conjunto com o foie gras fresco (de boa qualidade) a pêra e a redução de moscatel não me parecesse uma conjugação completamente bem conseguida (o fumado do pato retirou alguma nobreza ao sabor do foie). Com as expectativas numa fasquia elevada passámos aos pratos principais, onde comi um borrego marinado em mostarda antiga com couscous e menta (14€), de que só posso dizer bem: carne saborosa e tenra, tempero acertado, conjugação clássica com cuscuz e menta, correcta e, uma boa abóbora menina assada no forno a compor o ramalhete. Provei ainda o generoso risotto de vieiras (18€), al dente, como é da minha preferência; e um salmão em crosta de sésamo (14€), com arroz selvagem e legumes salteados que, embora tivesse vindo passado demais, prontamente foi substituído por outro no ponto correcto de cocção. Para terminar foi pena que as sobremesas que escolhemos não estivessem ao nível do que até então nos foi servido. O ananás em ravioli com recheio de Manga e sorvete de tangerina (5.50€) não era tão interessante quanto o enunciado fazia crer (tratava-se de fatias finas de ananás dobradas com o recheio de manga no interior) e o bolo gazeta (6€), uma “ganache” de chocolate, também não me excitou por aí além, em parte devido à sua consistência algo pesada.
Em termos de vinhos o seu bom preço permite valorizar a refeição, embora a carta pudesse ser mais ampla em termos de brancos (consta que isso acontecerá com o aproximar do Verão). Bebemos um Lavradores de Feitoria, Sauvignon Blanc 06 (17€) e, com as sobremesas, foi-nos oferecido, a copo, um generoso da Quinta de S. Francisco (Óbidos), um moscatel do Douro e um Madeira H&H.
O serviço foi eficiente, o que faz com que, em termos globais, não tenha pejo em deixar a mensagem: espalhem a notícia.

Preço médio para refeição completa de entrada, prato e sobremesa, 35€/pax, com vinho (ao contrário do que o nome possa sugerir, o restaurante encontra-se aberto ao público).

P.S. Com isto tudo falhei as ostras acompanhadas de champanhe, o que me vai fazer lá voltar. Que maçada…


Contactos:
Rua das Trinas 129 r/c – Lisboa ; Telef: 213977138



Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 26 de Março de 2008

USB Wine (run Forest, run!)

Aviso: o abuso de álcool electrónico pode fazer mal à saúde...



P.S. obrigado A.Lacerda!

segunda-feira, março 24, 2008

Há ostras na Rua das Trinas

Apanhado no anzol da notícia de um Happy hour de ostras e champanhe, por 10€, regressei à Rua das Trinas. Como não cheguei a tempo, falhei essa parte (é ridículo, eu sei). Mas jantei por lá e não me dei nada mal. Nada mesmo.

Saiba mais, no Oje da próxima Quarta-feira.

domingo, março 23, 2008

E agora, António?

Ontem fui visitar o António Carvalho, personagem que apenas conhecia de algumas palavras trocadas no reboliço do El corte Inglês, onde costumava deslocar-se sempre que lhe pediam que viesse promover os seus vinhos. Por vezes, gostava de ficar a observar, à distância, a reacção dos pseudo entendedores (daqueles que dizem que vinho é tinto e de preferência bem morninho) perante o olhar vivo e desconcertante do António, quando este os convidava a provar os seus brancos da Estremadura, região que não tem o pedigree do Douro ou do Alentejo, e em que as garrafas não ostentam, no rótulo, o nome Quinta de qualquer coisa com um brazão.

Acontece que o António Carvalho é autor e produz dois vinhos de culto portugueses, O Casal Figueira Tradition e o Casal Figueira Vindima Tardia. Na verdade não produz, produzia.
Infelizmente, agora em que as suas vinhas estavam a atingir a maturidade, vão ser substituídas por plantações de morangos industriais, para regozijo dos impacientes da fruta de época.
Ontem, quando o visitei, não lhe perguntei o porquê de sucumbir a esse poder agro-industrial, logo ele que nunca se cansou de explicar as virtudes da produção do seu vinho segundo processos biodinâmicos.
Ainda tentei puxar para a nostalgia mas percebi que estava em vias de cair no ridículo. Afinal, o clima era de festa e todos os que quiseram aparecer mostravam-se felizes por ali estarem em convívio, provando, bebendo e comendo, sem pressas, como se amanhã fosse apenas mais um dia normal.

E agora António?

“ – Agora… agora começa-se tudo de novo, noutro sitio.”

quarta-feira, março 12, 2008

De corpo e alma

Restaurante Vin Rouge

Existem restaurantes que, devido à localização privilegiada, podem dar-se ao luxo de serem apenas sofríveis (para não dizer pior). É estranho, inexplicável, mas infelizmente, verdade.
Por outro lado, existem outros que, estando em sítios menos evidentes, necessitam de um esforço adicional para poderem vingar. Nestes, uma refeição aceitável não é suficiente para fidelizar e muito menos para o tão precioso “passa a palavra”. Esta questão é tanto mais verdade quando se quer apostar numa cozinha com alguma sofisticação e em que por isso se torna fundamental ultrapassar as fronteiras do restaurante de bairro.

Esta introdução vem a propósito do Vin Rouge, um pequeno restaurante no interior do Estoril, onde salta à vista a paixão de quem nos serve, e a segurança e respeito de quem cozinha para nós. Ela, Rita Caldas, na sala, traz-nos a simpatia e a eficiência de quem serviu no Valle Flor. Ele, João Antunes, o Chef, passou pelas cozinhas do Ritz, do Fortaleza do Guincho e do 100 Maneiras. Juntos abriram este restaurante há cerca de ano e meio, onde a pouco e pouco têm vindo a conquistar um público mais vasto.

A ementa é relativamente curta (cinco entradas, três pratos de peixe, três de carne e cinco risottos), o que é compreensível para a viabilidade de um local desta dimensão. Numa primeira visita vale a pena optar pelo menu de degustação, à consideração do chefe e composto por uma entrada, prato de peixe, prato de carne e sobremesa (39.50€). Nós fizemo-lo e demo-nos bem, tal como na escolha do vinho, a copo (com várias opções e a preço mais do que sensato), também deixado à responsabilidade de quem tratou de nós.

O jantar começou com um “entretém de boca” de creme de couve-flor aromatizado com azeite trufado, numa excelente ligação de sabores. A acompanhar, um branco da Quinta dos Roques (Dão), o Malvasia fina 2006 (3€), que aguentou muito bem o sabor intenso a trufa, revelando-se de forma mais assertiva, com a entrada de vieiras salteadas, cogumelos selvagens, pack choy e molho de alho francês (é óptimo quando todos os ingredientes contribuem harmoniosamente para que o elemento principal, neste caso a vieira, brilhe de forma superior). Quando nos preparávamos para o primeiro prato de peixe, deparámo-nos com a oferta surpresa de mais uma entrada, um excelente foie salteado com redução de Porto, acompanhado por ruibarbo confitado (pena que este se revelasse demasiado neutro, impedindo-o de auxiliar devidamente o foie). A nosso pedido, bebemos um copo de Chatêau Broustet 97 (9€), um Barsac Sauternes, de doçura e acidez apropriada.
Chegada a vez do prato de peixe, foi-nos apresentada uma raia salteada, que embora pudesse ser mais carnuda, estava muito bem tratada, tal como os gnocchis que a escoltavam (acompanhou, um chardonnay, o Ardèche05, da casa francesa Louis Latour – 3€). De seguida, um risotto com bochecha de porco estufada e couve lombarda, feito à portuguesa, (confeccionado com arroz arbóreo, mas sem grandes vestígios de queijo parmesão). Esta opção, conjuntamente com a couve lombarda, conferiu uma maior leveza e contraste adequado à bochecha de porco de sabor bem vincado. A proposta vínica, neste caso, incidiu no Pontual 05, Syrah, (3.50€) um tinto alentejano surpreendentemente fresco, de bom acidez e a evidenciar o toque achocolatado característico da casta. Conjugação perfeita.
A refeição terminou com uma trouxa quente (massa filo) de maçã e nozes, numa combinação clássica, com gelado de baunilha. Doce, sem exageros e devidamente facilitada por um Madeira Barbeito Boal reserva, Veramar (6€). Uma agradável surpresa mesmo para que não é grande apreciador de Madeiras jovens.

Em jeito de nota final deixo a recomendação deste lugar a todos aqueles que gostam de uma cozinha moderna, simples e honesta, tratada com profissionalismo e paixão. É que, embora este seja um negócio de restauração como tantos outros, tem todos os ingredientes que nos fazem querer voltar.
Por esta refeição pagou-se 137€/2 pessoas, sendo que o preço médio de uma refeição mais simples, andará na casa dos 35/40€, por pessoa, com vinho.


Contactos: Rua Carlos Anjos, Lote 2, 2765-473 Estoril ; Telefone: 214 684 439 (http://www.restaurantevinrouge.blogspot.com/)

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 12 de Março de 2008

terça-feira, março 11, 2008

A balada do João e da Rita

Depois de um ano a ouvir falar bem sobre trabalho do João e da Rita, peguei nos tamanquinhos e pus-me a caminho do Estoril. Será este mísero escriba a voz dissonante de tantos aplausos?

Amanhã, na critica do Oje.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Em passo apressado

Restaurante Terreiro do Paço

Cresci gastronomicamente a ouvir falar de Victor Sobral, conhecido como o Chef que renovou a cozinha portuguesa (juntamente com Joaquim Figueiredo) e actual responsável pelo restaurante sobre o qual escrevo esta semana. Acompanho-o desde os tempos dos Sofitel, já lá vão uns bons 15 anos, embora só algum tempo depois, no início da Cervejeira Lusitana, em Carnaxide, tenha tido o prazer de espetar o garfo num prato por si criado. Frequentei um dos seus cursos para curiosos e ia com regularidade ao seu restaurante do golfe da Belavista sobretudo, quando me apetecia o seu lombo de peixe-galo corado sobre migas. Com a sua passagem para o Terreiro do Paço - com a consequente subida da bandeirada - e o aparecimento de novos restaurantes de cozinha de autor, reduzi drasticamente a assiduidade à sua mesa, continuando, no entanto, a ter consideração pelo seu trabalho mesmo quando começou a ser criticado por se dedicar mais à vertente mediática e empresarial em detrimento da cozinha.
Da meia dúzia de vezes que passei pelo Terreiro do Paço, nunca de lá vim rendido e também não foi desta ultima que isso aconteceu. Um olhar mais atento percebe que aquele espaço, embora com a personalidade que a historia lhe deu, apresenta alguns problemas que se repercutem na refeição. A sala principal é tão distante da cozinha, e tem um formato tão anacrónico, que para serem eficientes no timing da entrega dos pratos, os empregados são obrigados a mover-se a um ritmo demasiado acelerado. Resultado: a comida chega por vezes fria (ou perto disso) e o stress é indisfarçável - felizmente bem contrastado pela postura calma do escanção de serviço.
Existem à disposição do cliente três menus de degustação: o menu Terreiro, de 4 pratos (37€), o menu Paço, de 5 pratos (46€) e Terreiro do Paço, 6 pratos (55€). Neste jantar a escolha recaiu nos dois primeiros, tendo sido permitida a troca de dois dos pratos. Optou-se ainda pelo suplemento de vinhos que acompanha o menu (21€ e 26€, respectivamente), com um vinho a copo diferente por prato, numa selecção feita pelo escanção de acordo com as propostas a degustar (e que em geral funcionou correctamente).
O jantar teve início com um entretenimento de boca sem grande memória, um shot de sopa de abóbora e bacalhau frio desfiado. O primeiro prato, taco de atum na chapa c geleia de romã e wasabi chegou mais frio do que tépido não deixando, no entanto, de revelar a excelente qualidade do produto e a boa associação com alguns sabores orientais (wasabi e molho de soja). A acompanhar, uma dispensável mousse de camarão e atum que soube a pouco mais do que uma vulgar pasta de atum mas que esqueci rapidamente com a chegada do prato seguinte, o excelente carpaccio de bacalhau com uma espetada de línguas e mandioca, frita, envolta em boa polme, em jeito de tempura.
De seguida, pedi para me trocarem o cherne no forno, pelo Peixe-galo corado que veio com creme de maçã e hortelã, espargos verdes e ervilha torta. Estava bom mas não me apagou da memória a versão com migas do golfe da Belavista que referi no início. Já o peito de pato caramelizado deixou algo a desejar, sobretudo nos acompanhamentos de inspiração tropical (banana assada e farofa de foie) que mesmo pontuado com um creme de gengibre, não foi suficiente para evitar que o conjunto se revelasse seco de mais.
Do prato da frente houve ainda a oportunidade de pescar, uma ostra com puré de beringela e vinagrete de berbigão (num conjunto agradável mas prejudicado pelo excesso de cozedura da ostra); um bom queijo de cabra, gratinado de maçã verde e pesto de pistáchios e, sobretudo, uma excelente sobremesa de três tipos de creme brullée diferentes: coco, pinhões e fava de tonka e laranja e hortelã – proposta mais interessante do que a que constava no meu menu: bolo de chocolate, creme de alperces e gelado de queijo.
Em termos gerais não posso deixar de considerar que a refeição ficou acima da média, mas, no entanto, aquém do que o Chef Victor Sobral é capaz de proporcionar e, sobretudo, muito aquém do preço que se pagou, 148€/2 pax (para além do referido acima consumiu-se ainda, 2 cafés, o couvert e uma garrafa de água).

Contactos: Terreiro do Paço Praça do Comércio LisboaE. Tel: 210 312 850 (http://www.terreiropaco.com/)

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 13 de Fevereiro de 2008

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Um clássico não se revoluciona, evolui.

Restaurante York House

É muito gratificante estarmos a passear no centro edificado de uma cidade antiga e ao cruzarmos paredes que aparentemente pouco dizem sermos surpreendidos pela beleza de um pátio. Foi esta a sensação que tive, já lá vão uns bons anos, na primeira vez que entrei na York House e jantei naquele belíssimo pátio circundado de palmeiras de grande porte. Desde aí que o aconselho, sempre que me perguntam por um local acolhedor para uma noite quente de Verão. E fi-lo, mesmo quando a cozinha andou à deriva depois de ter sido uma das referências de Lisboa.Há menos de um ano, os responsáveis da casa perceberam que o restaurante deste hotel de charme, instalado num antigo convento do século XVII, não poderia continuar a viver das glórias de outros tempos nem apenas de alguns pratos de caça que deram (e continuam a dar) fama à casa. Começaram por contratar Nuno Diniz (que colaborava com José Bento dos Santos na Quinta do Monte d’Oiro), primeiro como consultor e, posteriormente, como chef permanente. Inteligentemente, na criação da nova carta, houve espaço para uma cozinha de autor mas com o cuidado de não fazer tábua rasa ao passado. Pena que esta mudança não tenha sido aproveitada para transformar a sala de refeições num local mais acolhedor. Olhando para o interior de um quarto do hotel (foto disponível no site) percebe-se que não era necessário muito. Como me sugeria alguém, bastaria um prolongamento de cor, chão de madeira e uma iluminação redesenhada para que o espaço ganhasse outra alma e transmitisse outra luz às novas propostas gastronómicas. Até porque estas têm-me deixado boa impressão nas várias refeições que aqui tenho feito, nos últimos tempos, em jantares vínicos de grupo. Como estes jantares, bem regados, não são os momentos ideais para ter o melhor discernimento do que aqui se come, quis voltar, numa formação mais propicia para a sua apreciação.
Deste modo o relato que se segue vem no seguimento de um jantar a três realizado na passada sexta-feira.Após o habitual couvert (2€) de manteiga desempacotada, azeitonas com um saboroso travo a laranja e dois tipos de pão (normal e mistura, chegados à mesa ainda quentes), partimos para as entradas. Primeiro provei o tomate recheado com aboborinhas, espargos, presunto e queijo brie e vinagreta de noz (6,00€). Aquilo que à partida seria um desenxabido tomate escaldado, pelado, funcionou lindamente como um contraste suave ao recheio de apuro forte mas certeiro. Excelente, a entrada de vieiras e foie gras salteados com puré de ratte (9.50€), numa união aparentemente estranha mas que funciona muito bem. Nos pratos principais, na ausência daquele que me despertou maior curiosidade, a tempura de peixe com batatas confitadas e aioli de maçã (16€), optei pela garoupa em azeite negro, com acelgas e puré de aipo (20€). Embora a conjugação de sabores fosse interessante não fiquei completamente satisfeito, dado que o peixe se apresentou um pouco “borrachudo”. Bom, o lombo de bacalhau com espinafres e broa de milho, apresentado por camadas com creme de grão como fundo (15,00€) - uma variante actualizada de um prato clássico já algo visto mas que funciona quase sempre bem, como foi o caso. Nas carnes provou-se as costeletas de borrego em crosta de tomilho, alho e parmesão, “strudel” de chévre, e molho de tomate (17€). Sabores fortes bem conjugados e com direito de sobressaírem, à vez, sem atropelos. Deixando os pratos de caça para outra oportunidade passámos às sobremesas. Aqui gostei bastante do “strudel” de maçã com creme de baunilha (5€): massa folhada “limpa” de gordura e o conjunto bem equilibrado em termos de doçura. Já a tarte de chocolate com molho de laranja (6€), merecia melhor consistência - valeu a ligação clássica entre os dois ingredientes e a excelente qualidade do chocolate com que foi elaborada.No que diz respeito a vinhos a carta é razoável, não muito extensa, mas com boas hipóteses de escolha e a preços interessantes (a acompanhar bebeu-se um Gouvyas Vinhas Velhas branco 2003, já um pouco evoluído e marcado pela madeira em demasia). Quanto ao serviço, a amabilidade e a competência de outros tempos continuam presentes.É bom saber que um clássico como a York House se adaptou aos novos dias e possui novamente uma presença segura na cozinha.

(preço médio por uma refeição completa com entrada, prato e sobremesa: 35€/40€, pax, com vinho).

Contactos: Rua das Janelas Verdes, 32 Lisboa . Telefone: 21 396 24 35 (http://www.yorkhouselisboa.com/).

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 3 de Janeiro de 2008

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