quinta-feira, julho 31, 2008

Colorido intermitente

Restaurante Henrique Leis

Henrique Leis é um brasileiro que trabalhou com alguns dos melhores Chefs franceses (Paul Bocuse, Pierre Troisgros, Guy Savoy, Pierre Gagnaire) antes de escolher o Algarve, em 1993, para abrir o seu primeiro restaurante. Em 2000 o livrinho vermelho da Michelin atribui-lhe a estrela, que ainda hoje mantém. Como todos os outros restaurantes de topo desta área, também ele vive da comunidade abonada, na sua maioria estrangeira, que por ali tem residência ou passa férias no local. Estamos na zona de influência da Quinta do Lago, Vale de Lobo e Vilamoura, onde o PIB mais se aproxima duma Suiça do que de um Portugal em recessão.
Vindo de Almancil, o Henrique Leis fica num ponto mais elevado, o que proporciona uma vista desafogada a quem fica na varanda deste espaço com aspecto de chalé.
Por aqui pratica-se uma cozinha de autor, de influência marcadamente francesa. Diria que a origem brasileira do Chef é detectável apenas no colorido dos ingredientes utilizados, como acontece logo de entrada com o amuse bouche: um shot tricolor de melão, meloa e gelatina de melancia, acompanhado por um profiterole (que na verdade era mais um macarron) de beterraba com recheio de foie.
A cor foi uma constante ao longo do menu de degustação de 6 pratos (75€) que solicitámos.
Como primeiro prato chegou-nos um supremo de vieira com caviar royal sobre um entrançado de courgete na base. A ligação entre as vieiras e o caviar pareceu-me equilibrada embora se notasse demasiado sabor a manteiga na base. O mesmo viria a acontecer no gratinado de batata que acompanhou um dos pratos seguintes: lagosta da costa Algarvia em buillon de lagostins, também este prejudicado pelo excesso de cozedura do crustáceo. Entre estes dois pratos foi servido um ravioli de trufa, com um consommé de lagosta vertido por cima - no momento -, numa conjugação perfeita de sabores entre terra e mar. Seguiu-se um tornedó de novilho angus com redução de Porto Vintage, acompanhado com vários purés (funcho, aipo bola e beterraba). Para alem do tom colorido, os purés permitiam ir fazendo ligações de sabores diferentes com a carne. Só foi pena, mais uma vez, que o produto principal viesse passado de mais. Ao quinto prato, ravioli de gorgonzola c puré de batata-doce, a fasquia voltou a estar a um nível elevado com a surpreendente ligação entre este queijo azul italiano, de sabor intenso, e o adocicado da batata-doce. Quanto à sobremesa, destacou-se a originalidade de um tomate recheado (como se de uma compota sólida se tratasse) embora o recheio de frutos secos fosse excessivamente doce. Valeu o contraste de um apontamento de mousse de chocolate e gelado de baunilha, pouco doces.
A refeição foi acompanhada (e bem) por um Alvarinho, Muros de Melgaço (35€), com um incursão no tinto (um Dão, Álvaro de Castro - 7€, copo), de taninos mais adequados ao tornedó de vitela. O serviço de vinhos foi de bom nível, quer ao nível do aconselhamento, quer nas temperaturas.
Já do serviço de mesa, esperava mais, para um restaurante deste nível. Não chega ser simpático, é importante que não haja falhas no trato. Do mesmo modo que não basta distribuir pelos clientes uma folha com o menu de degustação. Quem aqui vem para desfrutar acima de tudo da refeição gosta que lhe expliquem a composição dos pratos e que nãos se limitem apenas a deixa-los à nossa frente, com um sorriso na cara.
Quando estamos no local (ou quando procuramos informação) é visível que a cozinha de Henrique Leis é uma cozinha rica, alegre, de sabedoria e de arrojo. Talvez por isso tenha ficado algo desapontado com as falhas que ocorreram. Pode-se dizer que todos temos dias menos bons. Acontece que num restaurante deste nível, onde uma refeição como a descrita ficou na casa dos 110€, a tolerância às falhas é menor.

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 30 de Julho 2008


Contactos: Localização - Vale Formoso, Almancil ; Telefone:289393438. (http://www.henriqueleis.com/)

quinta-feira, julho 17, 2008

A fama existe, o essencial não vi

Restaurante Ramires

Há quem ache que eu só vibro com ostras, foie gras, confits, vieiras e afins. Pois deixem que vos diga: por vezes nada me sabe melhor do que um bom frango assado. Mais: de preferência, comido à mão em dia de jogo da Selecção ou do Benfica e obrigatoriamente acompanhado por uma Sagres ou por uma Super Bock normal, bem fresca (várias, se o jogo for do Benfica – há que esquecer rapidamente o provável mau resultado final). Nos últimos anos, em Junho, tenho apontado a sul para uns dias de praia. Como não podia deixar de ser aproveito também para pôr a “escrita” em dia no que diz respeito a restaurantes. Normalmente visito um ou dois dos galardoados com estrelas Michelin (como é sabido o Algarve possui a maior concentração, em Portugal, de restaurantes deste tipo) e também um ou dois mais tradicionais (a gastronomia da região é rica e distinta e só é pena que passe ao lado da maior parte das pessoas que por aqui veraneiam).
O frango da Guia não sendo propriamente um produto tradicional é no entanto um prato bastante popular na localidade que lhe deu o nome e nas suas imediações. A sua fama ultrapassou mesmo as fronteiras regionais através de uma rede de restaurantes que utilizam o nome genérico como identidade. Há vários espaços por onde escolher, eu sempre o fiz aleatoriamente e sempre me dei bem com o método. Mas desta vez procurei ir ao original, àquele que deu origem a todos os outros: o Ramires.
O Ramires na verdade já não é um restaurante mas sim um complexo restaurativo com várias salas. Felizmente apanhei a mais pitoresca de todas, aquela que parece ser a original. É uma sala com vida e vivida. A presença do dono, José Carlos Ramires, (tido como o inventor da receita original - cujo o segredo, segundo consta, está no molho à base de óleo e piripiri), é evidente um pouco por todo lado: seja no busto ao fundo da sala, seja nas diversas fotografias e notícias de jornais onde é proeminente a sua dedicação às colectividades locais.
Pena que por vezes a fama faça com que se descure no essencial. Naquilo que lhes deu fama. Pode ter sido azar meu, mas as falhas que encontrei, no dia em que lá almocei, foram demasiado evidentes.
O primeiro indicio começou cedo, quando pedimos o menu. É certo que quem ali se desloca sabe ao que vai, mas também não é caso para um olhar de desdém só porque alguém pede o menu. A lentidão e falta de simpatia e de profissionalismo de quem nos atendeu não augurava nada de bom. Mas até estava disposto fazer vista grossa a esse “detalhe” quando chegasse o pequeno frango da praxe, estaladiço e marcado pelo calor das brasas. Acontece que o que nos chegou (13€, um frango para duas pessoas), não sendo mau, desiludiu precisamente pela a ausência das características que referi. Era pequeno sim, mas parecia ter passado pela grelha eléctrica e não pela de brasa. O molho embora revelasse o sabor característico estava demasiado oleoso. As batatas fritas que acompanhavam eram de tal forma más que tive dificuldade em descortinar se eram das congeladas, ou se tinham cozido por não serem de grande qualidade, ou por terem sido atiradas para a frigideira antes do óleo ter atingido a temperatura ideal de fritura. Neste desconsolo acabou por se safar a salada e tomate, bem maduro e firme, polvilhada com orégãos (2.80€) e, de sobremesa, um suculento D. Rodrigo (1.80€) - este sim, belíssimo.
Não vou desistir do frango da Guia mas, para a próxima, volto ao sistema de escolha aleatória - colocando esta carta fora do baralho.
Por esta refeição, com café e imperial, pagou-se 12.24€/ pessoa. Valha-nos isso.

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 16 de Julho 2008

LocalizaçãoRua 25 de Abril 14 – Guia- Albufeira ; telefone 289561232
www.frango-da-guia.com

quarta-feira, julho 02, 2008

Uma estrela segura

Restaurante Willies

Na mesa do lado um casal de irlandeses em férias falava calorosamente do bom tempo, de como é bom jogar golfe no Algarve e de como se comia bem por aqui. Trocavam opiniões com o empregado bonacheirão que lhes ia trazendo as iguarias e o evoluir do marcador do jogo Holanda x Rússia. Os comentários iam sendo partilhados com outra mesa de irlandeses e, por extensão, connosco, que estávamos entre ambos. No final, visivelmente ruborizados pelo sol do Algarve e pelo vinho do Alentejo, os dois casais trocavam opiniões sobre os restaurantes que tinham ido desde que estavam por ali. A coisa resultava em gargalhada porque nunca conseguiam lembrar-se do nome dos sítios. Mas ali, onde estávamos, tinha sido o melhor, além de que o nome era fácil de pronunciar: “Willies”. Da outra mesa uma loira platinada rematava: “absolutly the best in Portugal”.
O Willies, detentor de uma estrela Michelin, é um bom restaurante, tem um serviço muito competente e, pelos vistos, para os estrangeiros – a grande maioria dos clientes – tem um nome fácil de pronunciar. Consta que é também um dos lugares preferidos de Manuel Pinho – embora a popularidade descendente do nosso ministro da Economia talvez não seja a publicidade mais querida pelo restaurante.
Como é comum a sul, desde que o tempo o permita, as refeições fazem-se no exterior, neste caso, no terraço da casa que lhe dá lugar, numa zona residencial de luxo, em Vilamoura.
Neste restaurante pratica-se uma cozinha de autor mas não existe menu de degustação, o não é muito comum num restaurante “estrelado” deste género. Nas entradas predominam as propostas do mar, enquanto que nos principais, existem cinco pratos de peixe e outros cinco de carne.
Começámos por uma sapateira desfiada sobre puré de abacate e toranjas (15.50€). Saborosa e fresquíssima, a sapateira, com a “gordura” do abacate a ligar bem e a toranja a funcionar como contraponto acídulo. Ainda no campo das entradas provei o feu de bric recheado de foie gras e maçã em molho de trufa (18€): mais uma vez uma boa conjugação de sabores e de contrastes, aqui, também, em termos de texturas (estaladiço da massa bric e o foie que se desfaz na boca). Nos pratos principais optei por umas excelentes costeletas de borrego (28.50€) que chegaram num ponto perfeito (rosadas). Acompanhava, legumes baby cozidos a vapor e um gratinado de batata. A redução dos sucos da carne, com um apontamento de tomilho, conferiu ao conjunto uma mais valia considerável. Neste prato tudo me pareceu clássico, mas em termos de sabores, foi do melhor que comi nos últimos tempos. Já menos interessante, pareceu-me o filete de peixe-galo com massa fina, legumes e molho de champanhe (29€).
De sobremesa aceitei a sugestão da casa e optei por uma do dia - pela qual acabei por não morrer de amores: cerejas cozinhadas numa calda própria, acompanhadas de gelado de baunilha (13€). Muito melhor, a que fui debicando no prato da frente: uma espécie de crumble de pêra em massa folhada e gelado de noz (12€).
Em termos de vinhos, de uma carta medianamente composta, escolhemos um Valle Pradinhos branco(22€) para os peixes e, para as carnes, um Dão, tinto, da Quinta dos Carvalhais - o Colheita Seleccionada ( 9.50€/copo). Ambos se mostraram escolhas acertadas, embora o tinto tenha vindo uns graus acima da temperatura correcta (já agora: exigem-se melhores copos para o vinho branco).
Em jeito de resumo diria que Wilhelm Wurger (o experiente Chef e proprietário, residente há mais de 20 anos no Algarve, tendo sido responsável pelas cozinhas do La Reserve - o primeiro restaurante do Algarve a conseguir uma estrela Michelin - e do S. Gabriel, onde esteve 7 anos) pratica uma cozinha de autor sem grandes rasgos, é certo, mas muito segura, privilegiando a utilização de matéria-prima de grande qualidade. Não é o melhor restaurante do país, mas é sem dúvida uma boa aposta. Uma aposta com o seu custo, mas merecedora de visita.

(preço médio por refeição completa com entrada, prato e sobremesa: 80€ (pax, com vinho)

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 2 de Julho 2008

Contactos: Rua do Brasil, 2, Vilamoura Tel 289 380 849 (http://www.willies-restaurante.com/)