sexta-feira, janeiro 04, 2008

Um clássico não se revoluciona, evolui.

Restaurante York House

É muito gratificante estarmos a passear no centro edificado de uma cidade antiga e ao cruzarmos paredes que aparentemente pouco dizem sermos surpreendidos pela beleza de um pátio. Foi esta a sensação que tive, já lá vão uns bons anos, na primeira vez que entrei na York House e jantei naquele belíssimo pátio circundado de palmeiras de grande porte. Desde aí que o aconselho, sempre que me perguntam por um local acolhedor para uma noite quente de Verão. E fi-lo, mesmo quando a cozinha andou à deriva depois de ter sido uma das referências de Lisboa.Há menos de um ano, os responsáveis da casa perceberam que o restaurante deste hotel de charme, instalado num antigo convento do século XVII, não poderia continuar a viver das glórias de outros tempos nem apenas de alguns pratos de caça que deram (e continuam a dar) fama à casa. Começaram por contratar Nuno Diniz (que colaborava com José Bento dos Santos na Quinta do Monte d’Oiro), primeiro como consultor e, posteriormente, como chef permanente. Inteligentemente, na criação da nova carta, houve espaço para uma cozinha de autor mas com o cuidado de não fazer tábua rasa ao passado. Pena que esta mudança não tenha sido aproveitada para transformar a sala de refeições num local mais acolhedor. Olhando para o interior de um quarto do hotel (foto disponível no site) percebe-se que não era necessário muito. Como me sugeria alguém, bastaria um prolongamento de cor, chão de madeira e uma iluminação redesenhada para que o espaço ganhasse outra alma e transmitisse outra luz às novas propostas gastronómicas. Até porque estas têm-me deixado boa impressão nas várias refeições que aqui tenho feito, nos últimos tempos, em jantares vínicos de grupo. Como estes jantares, bem regados, não são os momentos ideais para ter o melhor discernimento do que aqui se come, quis voltar, numa formação mais propicia para a sua apreciação.
Deste modo o relato que se segue vem no seguimento de um jantar a três realizado na passada sexta-feira.Após o habitual couvert (2€) de manteiga desempacotada, azeitonas com um saboroso travo a laranja e dois tipos de pão (normal e mistura, chegados à mesa ainda quentes), partimos para as entradas. Primeiro provei o tomate recheado com aboborinhas, espargos, presunto e queijo brie e vinagreta de noz (6,00€). Aquilo que à partida seria um desenxabido tomate escaldado, pelado, funcionou lindamente como um contraste suave ao recheio de apuro forte mas certeiro. Excelente, a entrada de vieiras e foie gras salteados com puré de ratte (9.50€), numa união aparentemente estranha mas que funciona muito bem. Nos pratos principais, na ausência daquele que me despertou maior curiosidade, a tempura de peixe com batatas confitadas e aioli de maçã (16€), optei pela garoupa em azeite negro, com acelgas e puré de aipo (20€). Embora a conjugação de sabores fosse interessante não fiquei completamente satisfeito, dado que o peixe se apresentou um pouco “borrachudo”. Bom, o lombo de bacalhau com espinafres e broa de milho, apresentado por camadas com creme de grão como fundo (15,00€) - uma variante actualizada de um prato clássico já algo visto mas que funciona quase sempre bem, como foi o caso. Nas carnes provou-se as costeletas de borrego em crosta de tomilho, alho e parmesão, “strudel” de chévre, e molho de tomate (17€). Sabores fortes bem conjugados e com direito de sobressaírem, à vez, sem atropelos. Deixando os pratos de caça para outra oportunidade passámos às sobremesas. Aqui gostei bastante do “strudel” de maçã com creme de baunilha (5€): massa folhada “limpa” de gordura e o conjunto bem equilibrado em termos de doçura. Já a tarte de chocolate com molho de laranja (6€), merecia melhor consistência - valeu a ligação clássica entre os dois ingredientes e a excelente qualidade do chocolate com que foi elaborada.No que diz respeito a vinhos a carta é razoável, não muito extensa, mas com boas hipóteses de escolha e a preços interessantes (a acompanhar bebeu-se um Gouvyas Vinhas Velhas branco 2003, já um pouco evoluído e marcado pela madeira em demasia). Quanto ao serviço, a amabilidade e a competência de outros tempos continuam presentes.É bom saber que um clássico como a York House se adaptou aos novos dias e possui novamente uma presença segura na cozinha.

(preço médio por uma refeição completa com entrada, prato e sobremesa: 35€/40€, pax, com vinho).

Contactos: Rua das Janelas Verdes, 32 Lisboa . Telefone: 21 396 24 35 (http://www.yorkhouselisboa.com/).

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 3 de Janeiro de 2008