sexta-feira, fevereiro 23, 2007

O tomate precoce e o que faz falta é animar a malta...

Leio na Visão de hoje que vai decorrer este fim-de-semana, em Mora, a V Feira Nacional do Tomate. Segundo a mesma revista, este fruto vai ser utilizado em diversos pratos: nas sopas, no arroz, em saladas e nas omeletas. E eu que pensava a sua época era lá mais para o Verão. Ou será que o objectivo é o de promover as suas versões de estufa e enlatada?

E que tal, por estes dias, também uma Feira Nacional da Pêra Rocha Congelada?

Na verdade, isto dos alimentos de época já não é o que era. Será culpa da globalização ou estará por detrás de eventos como este as mesmas pessoas que, há uns bons anos atrás, resolveram importar o conceito das escolas de samba, dos morros do Rio, para o Carnaval de Inverno da Mealhada?

E Vivam os promotores do património gastronómico nacional!

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Ponto de Exclamação!

Restaurante VírGula

Há quem considere que uma refeição para uma critica gastronómica não deve ser feita nos dias de maior movimento de um restaurante (normalmente de 6ªF a Domingo). Confesso que não partilho desta ideia, pois a crítica que aqui faço pretende ser uma opinião fundamentada a partir da experiência de duas pessoas que vão jantar ou almoçar a um determinado local como clientes normais. Assim sendo, considero que é nestes dias de maior azáfama que é possível transmitir uma visão mais próxima daquela que qualquer comum dos mortais irá encontrar.
Esta introdução serve para responder a algumas questões que me têm sido colocadas, mas vem também a propósito do restaurante de que vos escrevo esta semana, o VírGula. Num destes Sábados, ao chegarmos a este local à hora marcada, 21h30 (o que em português significa, pelo menos, uns 10 minutos atrasados), foi-nos cordialmente pedido para aguardarmos uns instantes no bar, dado que, embora a mesa estivesse pronta, o serviço estaria demorado em virtude de terem chegado muitos clientes em simultâneo. Como o bar se situava num local agradável e desafogado, não vimos problemas de maior e até apreciámos a observação. Dez minutos depois já estávamos sentados e tivemos oportunidade de verificar o corrupio, numa sala que, embora não lotada, se encontrava cheia. Contudo, tratava-se de um corrupio meio silencioso, por contraste com o ambiente algo barulhento provocado por uma acústica difícil, o único defeito deste belo espaço, um antigo armazém, à beira rio, na zona do Cais do Sodré. Não sei se era pelo facto de alguns dos empregados trajarem de escuro, num local em que se privilegia uma iluminação intimista, mas o certo é que não se dava por eles, o que não é mau quando se consegue manter uma certa cadência no serviço, mas que pode ser menos agradável quando não nos vêm. No entanto, sejamos justos, este pormenor não passa disso mesmo e é largamente compensado pela experiência gastronómica que nos é proporcionada pelo talentoso chefe, Bertílio Gomes.
A sessão começou com um simples e original couvert composto por croquetes de beringela e bom azeite para molhar o pão (3€). Ainda antes de chegarem as entradas fomos presenteados pelo mimo do chefe, composto por um shot de creme de espargos, uma colher de ovas de peixe-galo e um saborosíssimo salmonete de escabeche. Aguçado o apetite, chegaram as entradas: caldo de rabo de boi com raiz de manjericão e quinoa, acompanhado de rolinhos de legumes (8€) e, para quem me acompanhava, terrina de foie gras com queijo de figo em carpaccio e azeite de chocolate (15€). No caso do caldo, esperava uma maior intensidade de sabor. Contudo, quando degustado em simultâneo com rolo de legumes notou-se uma maior profusão de sabores, ainda que de forma subtil. A terrina de foie foi uma entrada muito bem conseguida, destacando-se imediatamente a qualidade da matéria-prima, para depois os sentidos se concentrarem na excelente ligação com os elementos doces, o queijo de figo (doce típico do Algarve) e o azeite emulsionado com chocolate. Posto isto, a refeição já estava meio ganha, mas na verdade ainda havia muito para dar. E assim foi, ao passarmos aos principais. O Carré de lebre com foie gras e estufado de lombardo com castanhas (19€) suscitou-me a curiosidade, em primeiro lugar para ver como seria um vão de costeletas de um animal tão pequeno e, em segundo lugar, como funcionaria a ligação com o lombardo e o molho de foie gras. Neste ultimo caso a realidade superou de tal forma a expectativa, que me recuso a descrever o aspecto do Carré. Deixo-lhe apenas um uma sugestão: solicite ao empregado que lhe corte, trinche ou limpe a peça (não consegui descortinar qual o termo que melhor se aplica), mas não deixe de o pedir - porque é mesmo muito bom! E não tenha o receio de a carne poder ser um pouco seca, uma vez que o molho de foie gras, além do sabor divino, lhe concede a untuosidade necessária. Se ficar com remorsos calóricos, não se preocupe, o lombardo está lá para servir de voz da consciência light. Por pouco tempo, é verdade. É que, para rematar, existe uma carta de sobremesas bastante interessante. Por entre uma dezena de hipóteses a escolha aqui recaiu no Citrinus (brulê de laranja sobre sable de frutos vermelhos, mousse de clementina, gelatinado de romã e gelado de limão – 8€) e no parfait de maracujá (7.50€). Bom mas sem deslumbrar, o primeiro; muito bom, o segundo - com o parfait a saber mesmo a marcujá e não a natas, como por vezes acontece.
Em termos de vinhos o VirGula confirma a fama de ter uma das melhores listas da capital e, embora a selecção a copo fosse reduzida, apresentava uma solução sensata para acompanhar a refeição, pelo que nos decidimos por esta opção. Para a entrada de foie a aposta recaiu no Quinta da Alorna Colheita Tardia e para as restantes propostas, o FSF Tannat 2002 da José Maria da Fonseca (ambos, 7.5€).
No final, lá fora, uma ligeira névoa encobria parte do Cristo Rei. Cá dentro, devido talvez este pequeno eclipse, tenha sido difícil que nos trouxessem a conta. Mas vá lá, tendo em conta a experiência degustativa a noticia não foi má (preço médio por uma refeição completa, com entrada, prato e sobremesa: 50€/pessoa, com vinho).


Rua Cintura do Porto 16 Armazém B - Lisboa1200-109 LISBOA; Telefone: 213432002

publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 21 de Fevereiro de 2007

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Sua Excelência, o Ritz…

Restaurante Varanda

“Nunca somos verdadeiramente donos de um Patek Philippe, apenas cuidamos dele para a geração seguinte” refere a publicidade desta conhecida marca de relógios Suiça. Este lema poder-se-ia aplicar perfeitamente ao Hotel Ritz. A sua grandiosa beleza modernista continua a impor-se com a mesma distinção de quando foi inaugurado, em finais dos anos 50. Os restauros que sofreu para se adaptar aos novos tempos foram realizados de forma responsável e a sua riqueza interior, de onde se destacam a imponente tapeçaria e azulejaria de Almada Negreiros, mantém-se imaculadamente cuidada. Mas o que me trouxe ao Ritz não foi propriamente uma visita de estudo à obra de Pardal Monteiro, mas sim para degustar as propostas dos chefes Stéphane Hestin e Sebástian Grospellier no restaurante Varanda.
Se em casos anteriores referi a importância de um restaurante de hotel dever ter um espaço físico independente, de forma a atenuar a característica impessoal que muitas vezes lhes é atribuída, em casos como este entendo que não o deva ser. A passagem por todo aquele esplendor interior faz parte da encenação preparativa para o momento especial que se afigura.
Antes de sermos dirigidos a uma mesa a meio da sala, reparo, à entrada, no aviso onde é recomendado o uso de casaco (sempre é mais elegante do que ser obrigatório, como acontece noutros locais do género, sobretudo lá fora. Mais curiosa é a referência à proibição do uso de fato de treino a não ser ao pequeno-almoço. Só não me recordo se estava também escrito em americano). À nossa volta encontravam-se alguns casais, maioritariamente estrangeiros, mas também alguns portugueses. Nos seus olhares, na forma como ouviam a explicação de um prato ou a abertura que mostravam ao aconselhamento de um determinado vinho, percebia-se que não estavam ali indiferentemente, mas sim por razões gastronómicas. Num local como este, impunha-se a escolha do menu de degustação (83.50€, 4 pratos, 4 vinhos a copo. Existe a opção sem vinhos por 57.25€). Como é habitual, a sessão iniciou-se com um entretém de boca. Na verdade, dois: um mini crepe de batata recheado com foie e pato e uma manteiga marinada com salmão fumado. Nada mau para começar. De seguida… uma pequena partida: em vez de uma sopa de beringela fria que tínhamos pedido em substituição da salada de lavagante, foi-nos apresentado uma outra sopa. Que bom sentido de humor, o do chefe: pedi para substituírem um prato por outro, com relutância e após lhe perguntarem disseram-me que sim, mas só para me aborrecerem trouxeram-me outro, pensei eu, meio embaraçado - como quem acaba de pedir ao Sr. Armani que substitua os botões cinzentos do casaco por uns pretos. Mas afinal a “chatice” era apenas mais uma oferta do chefe, uma sopa de castanha (aveludada, como se impõe) com duas vieiras, carnudas e tenras como não me recordo de ter comido por cá. De seguida, então, o primeiro prato: uma sopa fria de beringela cujo a frescura e uma certa adstringência funcionou a preceito com o duo de camarões marinados com sumo de limão e salteado em caril vermelho (acompanhado de um Ruinart Rose Brut). A proposta seguinte foi a mais complexa dessa noite: peixe galo em minestrone de pesto, acompanhado de uma pequena bruschetta com compota de tomate e parmesão (vinho: Quinta do Cidrô, Sauvignon Blanc 05). De início achei o peixe ligeiramente insosso e tive receio que o mesmo não iria aguentar a pujança dos seus companheiros de prato, apesar da robustez que lhe é característica. Esquecia-me eu que o pesto quando aquecido fica com um sabor suavizado e que o recheio da bruscheta, bastante apurado, se mostrou fundamental para acompanhar o peixe. Seguidamente, entre as hipóteses de Robalo Assado com couve lombarda e a Vitela em crosta de batata, optámos por esta segunda hipótese, recheada com tomate e tomilho e acompanhada por espargos verdes e gnocchi de batata (vinho: Vertente 02). O prato estava muito bem apresentado, os elementos bem entrosados, mas não achei o naco do lombo extraordinário. Após um refrescante granizado de tangerina, para limpar o palato, chegámos à sobremesa. À partida o enunciado, “Sericáia com Ameixas Rainha Cláudia” parecia demasiado simples para uma proposta de cozinha de autor. Mas na verdade, tratava-se de uma versão desconstruída, com a sericáia apresentada em camadas finas e acompanhada com gelado de ameixa (vinho: Granjó Late Harvest 04). No fundo, estavam lá todos os elementos desta sobremesa alentejana (convém referir que os puristas consideram o acompanhamento da ameixa confeitada uma adulteração à receita clássica), mas com a sericaia menos doce do que o habitual, compensando assim a intensidade do gelado de ameixas. Por ultimo, quero referir um aspecto que valorizou ainda mais a refeição: o serviço. Excelente é o mínimo que se pode dizer, com destaque para o escanção, Bruno Antunes, que demonstrou um posicionamento em campo e uma leitura de jogo perfeitas.
Como não há bela sem senão, há três pormenores (dois colaterais e um nem por isso) que gostaria que fossem diferentes: que o sal refinado nas mesas fosse trocado por flor de sal; que a Four Seasons, na informação que apresenta no seu site, tivesse mais respeito pela história do Ritz e pelo seu restaurante – o menu é apresentado como sendo proeminentemente composto por pratos de marisco com destaque para as caldeiradas e cataplanas, entre outras variedades autênticos pratos portugueses. Nada mais redutor e enganador com aquilo que se verifica na realidade – e, finalmente, que o preço dos vinhos fosse… ok, de hotel de cinco estrelas, mas não de joalharia.
Por outro lado, é de salutar que o couvert de vários pães e estaladiços, bem como o café e as mignardises (que o acompanhavam) fazem parte do preço do menu. A não perder.

Contactos: Rua Rodrigo da Fonseca, nº 88 – Lisboa ; telefone: 213811400

publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 7 de Fevereiro de 2007