quarta-feira, julho 25, 2007

Sinfonia em Sintonia

Restaurante Amadeus

Se não fosse o caos urbanístico típico do Algarve e o facto de parte das pessoas falar a nossa língua, diria que Almancil seria um outro lugar qualquer da Eurolândia. Se de um modo geral poderei estar a exagerar, em termos gastronómicos nem por isso. É normal que, ao entrar num restaurante, o proprietário, os clientes e até mesmo os empregados sejam na sua maioria estrangeiros. Em alguns casos, com esta “colonização” chegam-nos boas influências e sofisticação de outras paragens. Noutros, apenas mais do mesmo para o turismo de massas. Como estamos nas imediações de Vale de Lobo e da Quinta do Lago reina por aqui a presença dos primeiros. Na última critica referi que nesta zona se situa a maior concentração de estrelas Michelin atribuídas a Portugal. Em poucos quilómetros podemos encontrar o S. Gabriel, o Henrique Leis, o Willie’s e um dos últimos a entrar neste clube, o Amadeus, sobre o qual escrevo hoje.
Quem passar em frente à vivenda onde está situado perguntará por que razão tem o muro a silhueta de Mozart. O mistério é, facilmente, resolvido quando se descobre que o Chef e dono, Siegfried Danler-Heinemann , é austríaco tal como o mestre que deixou Salieri à beira de um ataque de nervos. Este Amadeus é um local onde se pratica uma sofisticada cozinha de autor e, embora não sendo um restaurante austríaco, constam, tanto na ementa como na carta de vinhos, especialidades do país. Mas num local como este é “obrigatório” optar pelo menu de degustação, de preferência, pelo o Menu Amadeus (6 pratos, 98€). Se não quiser ir tão longe, tem outras duas opções: o Menu de Peixe (5 pratos, 69€) e o Menu Pequeno (4 pratos, 59€).
A sinfonia começou sob influência do norte da Europa, com um Esturjão levemente fumado, servido com espargos verdes, pepino cremoso e creme de rábano, numa prova harmoniosa de contrastes. Seguiu-se uma massa de ovo com puré de batata e chalotas, com ovas de sardinha (apontadas pelo Chef como sendo o caviar português). Nos principais chegou-nos primeiro o Peixe-galo com ragout de legumes em molho de amêijoas e lentilhas vermelhas. O perfume dos bivalves funcionou na perfeição, dando um toque de suavidade aromática a um lombo de peixe fresquíssimo e tratado convenientemente. Até este momento o menu foi acompanhado por um vinho branco austríaco, (o país é referência mundial neste tipo de vinhos e teve na colheita de 2006, segundo me informou o escanção da casa, uma das melhores das ultimas décadas) o Schloss Gobelsburg - Gruner Veltliner Steinsetz 2006 (31€) - fixem este nome e procurem-no por cá, numa garrafeira, porque não se vão arrepender. O prato seguinte, fígado de ganso salteado com ameixas e vinagre, foi o único que me trouxe algum desconsolo. Habituado ao foie de pato, o supostamente superior e oneroso foie de ganso, surgiu com uma consistência mais firme e com um sabor mais suave (e final curto) do que a versão de pato. Para acompanhar foi aconselhado um moscatel do Douro, o Quinta do Portal 96 (7.5€). Confesso que torci o nariz a esta proposta de combinação, por achar que este vinho não teria acidez suficiente para casar com a gordura do foie. Mas o escanção lembrou-me de que encontraria essa acidez nas ameixas salteadas em vinagre. E acertou plenamente, mostrando que a sua função num restaurante deste nível é fundamental.
Seguiu-se outra iguaria, um delicioso Pombo de etouffe (obrigatoriamente, mal passado) com couve rábano e espinafres com pinhões (uma boa ligação a suavizar o sabor afirmativo da ave), acompanhado de um D.Berta 04, tinto (7.5€, a copo).
Para acabar em beleza foi servido de sobremesa um cone crocante com creme de topfen (tipo de requeijão austríaco), com morangos e ruibarbo marinado e sorbet de aspérula (uma erva aromática com um sabor original que funciona muito bem em gelado).
Por esta sinfonia rica pagou-se 125€ por pessoa o que acaba por ser aceitável dadas as iguarias e a mestria da batuta deste Von Karajan que, apoiado por um bom serviço de sala, nos oferece a sua criatividade de forma segura e sem espalhafato.

Contactos: Estrada Almancil-Quarteira, Almancil ; Telefone: 2 89-39 91 34 (www.amadeus.hm).

publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 25 de Julho de 2007

quinta-feira, julho 12, 2007

Aqui não há salada de delicias do mar

Restaurante Eira do Mel

Numa altura em que muitos portugueses já se encontram ou se preparam para rumar a sul, muitos pecadores da gula não querem deixar de lado a questão “onde comer?”. No Algarve, tal como noutros grandes destinos turísticos, convive-se lado a lado com o melhor e com o pior. Se de um lado temos a maior concentração de estrelas Michelin (quase todos na zona de Almancil) do outro temos a maior profusão de locais onde imperam as “originais” sandes de fiambre ou de queijo bola; as saladas de atum, frango ou delicias (dizem eles) do mar; os hambúrgueres descongelados à pressa; ou as sardinhas a despachar na nova expo de Portimão. Á custa de alguns assaltos à mão armada (no que diz respeito à relação preço/qualidade) ainda se consegue comer aqui ou ali, uma cataplana decente, bom peixe e bom marisco - a probabilidade é tanto maior quanto mais no aproximarmos de uma ou de outra ponta da região. Sem cair nestes extremos, continuam a existir, porém, alguns restaurantes em que vale a pena a deslocação. Locais que apostam em manter viva uma cultura gastronómica regional, desconhecida na maior parte do país, onde, para além das conhecidas cataplanas, prontificam pratos como carapaus alimados, estupeta de atum, canja de conquilhas, xerém com sardinhas, arroz de langueirão, entre outros. Os anos passam mas os nomes referenciado não mudam muito (quase sempre com o Vila Lisa, na Mexilhoeira Grande, à cabeça) . No ano passado, no entanto, surgiu nossa imprensa de referência, uma nova luz: o Eira do Mel, em Vila do Bispo. Consulta-se o site na Internet e pela descrição dos pratos e dos seus ingredientes, nota-se um cuidado na escolha e divulgação dos produtos da região.
A noite fria do Sábado em que fomos adequava-se às propostas de peso da carta com destaque para as cataplanas de polvo, de peixe, de coelho ou de galinha.
Ultrapassada a porta de entrada “cai-se” directamente na ampla sala de refeições, de decoração rústica como seria de esperar mas de iluminação algo tristonha. Sentamo-nos, escolhemos e, sem pressas, os pedidos vão chegando à mesa. Primeiro um… chamemos-lhe, couvert misto (7.75€) - no sentido em que metade foi pedido, a outra metade não-, composto por pão, manteiga, uma boa pasta de sardinha confeccionada na casa, cenouras avinagradas (óptimas) e dois ovos de codorniz (com casca, provavelmente para nos entretermos e evitar-se assim grandes tempos de espera entre os pedidos). De seguida, de entrada, uns filetes de biqueirão anchovados, com alcaparras e tomate cereja (4.50€). A boa qualidade e execução do primeiro; a sua ligação com umas alcaparras - igualmente de forte personalidade -, e o contraste adocicado, mas de boa acidez, do tomate cereja e de bom azeite, fizeram desta entrada uma iguaria de eleição. Com as papilas e o estômago preparado foi então a vez da Cataplana de polvo com batata-doce de Aljezur (30€, 2 pax). Os produtos com que foi confeccionada pareceram-me de boa qualidade e a ligação com a batata-doce, correcta - com esta suficientemente firme (e não demasiado doce) a absorver apenas ligeiramente os sucos de ligação. Apenas faltou alguma complexidade neste campo que transmitisse maior apuro à matéria-prima principal, o polvo.
Nas sobremesas, gostei bastante na torta de amêndoa e da originalidade de vir acompanhada de um excelente sorbet de laranja do Algarve (4.50€) – aliás, nota-se em quase todos os pratos o cuidado na apresentação e um toque de modernidade que não desvirtua em nada a base tradicional dos mesmos.
De destacar ainda a atenção dada aos vinhos e ao seu serviço, com copos e temperaturas adequados, pelo menos no branco que acompanhou a refeição, o aristocrático alentejano, Barão de B (20€).

(preço médio por uma refeição completa, com entrada, prato e sobremesa: 30/35€ por pessoa, com vinho).

Estrada do Castelejo, Vila do Bispo. Tel. 282 639 016 (www.eiradomel.com)

publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 11 de Julho de 2007

sexta-feira, julho 06, 2007

Menu de Degustação - Ed. Aniversário do Oje

A propósito desta edição especial do 1º aniversário do Oje, pediram-me que elegesse os meus 12 restaurantes preferidos. Fugindo um pouco à questão resolvi antes seleccionar um menu de degustação de 12 pratos com o qual gostaria de festejar esta data particular – este menu foi eleito a partir de todos os pratos provados nos 23 restaurantes visitados neste primeiro ano de criticas gastronómicas do Oje.


Entradas

Ostra com clorofila de agrião, rúcula e maçã - Martin Berasategui (Lasarte - Espanha)

Vieira assada, tomate verde gelificado, sorvete de limão e manjericão, sumo salino de azeitonas, espuma de gengibre e cítricos azeitona esferificada - Martin Berasategui (Lasarte - Espanha)

Sopa de crustáceos em massa folhada – O Nobre (Montijo)

La Codorniz, en consumado de foie - Altair (Mérida -Espanha)

Sopa de Tomate com lombo e entrecosto de porco, chouriço, farinheira, ovo escalfado e bacalhau – O Chana, (Aldeia da Serra - Redondo)


Pratos de Peixe

Asa de raia com açorda, azeitonas e coentros – Degusto (Matosinhos)

El Bacalao - y patata trufada - Altair (Mérida -Espanha)


Pratos de Carne

Cabidela de pica no chão - Degusto (Matosinhos)

Lombo de novilho lacado em molho de soja, bock choy e batatas americanas, fritas – Tavares (Lisboa)

Confit de borrego merino em massa filo, espinafres e molho de menta – L’Appart (Lisboa)


Sobremesas

Farófia vulcânica brutando lava de leite creme, com mousse espumosa de arroz doce e sorvete de coco – Na Ordem…com Luís Suspiro (Lisboa)

Tartelette de cereja com creme de baunilha, sorbet de champagne e cerejas e coulant de chocolate Mon Chérie – Pragma (Lisboa)

publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 29 de Junho de 2007

segunda-feira, julho 02, 2007

Faites Vous Jeux…

Restaurante Pragma

Dos três espaços de restauração do Casino de Lisboa o Pragma é o atelier, o local onde o Chef Fausto Airoldi dá asas à sua criatividade num espaço requintado de decoração moderna. Aqui, ou não estivéssemos na galeria superior do casino, o nível das apostas (e por consequência das expectativas) é elevado, sobretudo depois de Airoldi ter afirmado, aquando da abertura, que iria ter meios, como nunca antes teve, para desenvolver todo o seu conhecimento e imaginação. Assim sendo, criou um conceito em que divide as suas propostas em Clássicos (criações desenvolvidas ao longo da sua carreira), Memórias (visão actualizada com base na cozinha e nos produtos portugueses) e Ensaios (experimentação e fusão entre produtos e cozinhas de outras proveniências).
Apesar de existir uma carta de estação, este conceito requer que se dê preferência ao menu de degustação, disponível nas versões de cinco (60€), sete (75€) ou nove pratos, (85€). Admitindo que no meio é que está a virtude a ideia inicial passava pelo pedido do menu de sete pratos. No entanto, olhando-nos, o empregado sugeriu, delicadamente mas com uma certa firmeza, que o melhor era ficarmo-nos pelo de cinco e, já agora, que o deixássemos tratar de nós. Fez uma aposta arriscada, sobretudo não sabendo que tinha pela frente alguém com a fama de mau feitio. Aceitei o desafio achando que, se ele não tinha nas mãos uma sequência do mesmo naipe, teria, pelo menos, um poker de ases. Felizmente para todos, o número correu bem e a sugestão foi interessante dado que, pelos dois, foi possível experimentar nove pratos diferentes. Adianto desde já que o que de seguida se vai relatar correspondeu às expectativas elevadas mesmo que, aqui ou ali, nem sempre fosse perceptível todos os ingredientes do enunciado de cada prato. Tudo começou com um oficioso “amuse bouche”, o já clássico bombom de foie gras envolto em chocolate (várias pessoas me referiram este mimo como um must, mas confesso que não considero a mistura particularmente feliz). De seguida veio o oficial, um desfiado de pintada com espuma de espargo branco e trufa preta (Ensaio), cuja ligação entre os três elementos funcionou muito bem. A partir daqui, com a excepção do prato de queijo, as propostas foram chegando aos pares (diferentes para cada um de nós os dois). Primeiro, um muito bom Tataki de bisonte com crosta de especiarias e creme bruleé de foie gras (Clássico) e uma Memória, a sardinha ao sal com torricado, pimentos padrón, e um gaspacho alentejano sólido (agrada-me quando, num local de luxo, me provocam com uma recriação de um prato supostamente pobre, feito com mestria e criatividade. Só não entendi o que faziam ali, numa memória portuguesa, os pimentos pádron). Saídos do mar, chegaram-nos um Clássico, o carabineiro grelhado sobre massa de arroz e outros acompanhantes de influência do Sudoeste asiático (coco, gengibre e citronela), e um Ensaio, o imperador assado sobre esmagada de batata ratte, ganache de enguia fumada, e angulas fritas (excelente o peixe: crocante do lado da pele e num ponto de cocção perfeito. Já quanto aos acompanhantes, alguma competição a mais por ali). O desfile prosseguiu com a entrada nos prazeres das carnes: um Ensaio, magret de pato corado com morcela, creme de salsifi e figos assados; e um Clássico, leitão com lagostins, emulsão de laranja, esparregado e alcachofra. O primeiro, considero o prato menos conseguido da noite (não só porque a ligação com a morcela nada favorecia o pato, bem como não vi qualquer vantagem deste vir por fatiar). Já quanto ao segundo, fiquei com curiosidade de ver a reacção dos clientes estrangeiros, que por ali afluem, perante um sabor tão intenso como o deste leitão assado a baixas temperaturas (embora a emulsão de laranja e as alcachofras atenuassem essa intensidade). Antes de virem as sobremesas chegou-nos o prato de queijo de cabra meia cura, com banana da Madeira, bolo de mel e chicória – uma Memória simples numa ligação perfeita. Por fim e a acabar em beleza, as sobremesas: um brilhante Ensaio com cerejas do Fundão (tartelette de cereja com creme de baunilha, sorbet de champagne e cerejas e coulant de chocolate Mon Chérie) e um não menos superlativo bolo de broa de milho com nectarinas salteadas em vinho do Porto, gelado de iogurte grego e pêssego.
A acompanhar bebeu-se, a copo, um branco, Luís Pato Vinha Formal 2004 (7€) e o tinto Vinha Paz reserva 2003 (10€). Por ultimo, de realçar que o serviço foi excelente, com o croupier que nos assistiu a dar muito bem conta das cartas, valorizando assim, todo este desfile gustativo. Tendo em conta tudo o que foi descrito, o que se pagou no final foi bastante aceitável (menu degustação, vinho a copo, água e cafés: 168€/2 pax).
Pois então, faites vous jeux…

Contactos: Casino de Lisboa - Alameda dos Oceanos Parque das Nações - Lisboa1990-216 LISBOA ; Telef: 218929040 (www.pragmalx.com)

publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 27 de Junho de 2007