quarta-feira, dezembro 26, 2007

Fígado de Natal

Pelo trigésimo oitavo ano consecutivo, sobrevivi ao Natal. Este ano o dourado foi menos intenso. Talvez por isso alguém lamentasse a falta da encharcada, da lampreia e dos papos de anjo. É que apenas umas trouxas, uma tigelada, umas farófias e um pão de rala é pouco ovo para o que o fígado se habituou a processar. Desta vez, nem foi necessário o uso de óculos de sol.

(Pausa. Vou só ali buscar um filhós)

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Uma Mahou e uma sandes de corte inglês




Segundo um estudo publicado, esta semana, pelo INE, consta que os espanhóis bebem menos vinho e mais leite do que nós. No mercado laboral têm um número de licenciados (34%) superior à média europeia (26%) e superior média portuguesa da soma destes, com a dos indivíduos de formação ao nível do ensino secundário. Estarão nuestros hermanos a ficar nórdicos?

Hoje tive que me deslocar à hiper mercearia aqui do bairro para comprar o ultimo presente que faltava. Lá pelas 15.30h, já com o caos instalado, resolvi comer por ali.
A primeira imperial mista, Mahou, marchou em três tragos. A segunda empurrou lindamente a sandes de jamon ibérico e só não serviu de facilitadora à tortilha de batata porque recusei-me a comer pladur.

Gosto do ligeiro torpor que a cerveja me deixa quando bebida em versão fast-express. As crianças gritam e eu não as oiço. Os pais impacientes, parecem-me mimos numa performance de rua. E toda aquela cacofonia de talheres, pratos, vozes polifónicas e Henriques Iglésias em versão low-fi, soam-me a um concerto de Stockhausen na vizinha Gulbenkien. Pena que não seja suficiente para me alterar a visão. Resta-me de consolo testemunhar, quando olho para quele decor e para a farpela dos empregados, que em matéria de bimbalhada os espanhóis conseguem, pelo menos, igualar-nos.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Ramalhete composto com espinho de fora

Restaurante Flores

Já várias vezes passei pelo Bairro Alto Hotel e me perguntei porque razão se lembraram de colocar o restaurante no piso térreo, quase ao nível da rua, assim numa espécie de semi-cave. Não haveria um local mais condigno neste fantástico edifício do Século XIX inteiramente ocupado pelo Hotel?
A única vez que aqui tentei vir acabei por anular a reserva ao descobrir, à ultima da hora, que essa seria a ultima semana em que, o até então Chef, Henrique Sá Pessoa, estaria de serviço e que por isso não fazia muito sentido estar a escrever sobre algo que o leitor não iria provavelmente encontrar (nessa altura ainda tinha a ilusão de que alguém lia e dava importância ao que escrevia). Passado quase um ano e já sobre a batuta de um novo maestro, o Chef Luís Rodrigues, chegara a altura fazer a apreciação a este lugar.
Antes de mais nada importa repor a verdade sobre o que referi no início deste texto, sobre o local. De facto, para quem vê de fora, parece uma espécie de semi-cave. Felizmente que o mesmo não acontece quando estamos lá dentro. O pé direito alto e a disposição das mesas transmitem conforto a este espaço. Mas o importante mesmo é que por ali se pratica uma cozinha de autor de inspiração portuguesa, bem conseguida, ainda que aqui ou ali existam pormenores que podem ser melhorados. Pelo menos, foi esta a impressão com que fiquei após a degustação do menu do Chef (45€), numa destas ultimas sextas-feiras.
Começo por dizer que gosto de um sítio que me mima logo de início com vários tipos de bom pão e bom azeite para o molhar. Depois, ao trazerem como oferta do chef algo que podia ser uma óptima entrada (“ouriço” de morcela com creme de pimentos e grelos salteados) e não um mero entretém de boca, deixaram-me logo bem impressionado.
No primeiro prato, o nível manteve-se, com um creme de poejos bem apaladado pelo alho confitado, em contraste com uma fresquíssima “noz” de sapateira. O prato seguinte - risotto de queijo cabra, nozes e framboesa, com redução de mel e vinho tinto - foi o único que me deixou desconcertado. Considerei-o, se não um erro de casting, pelo menos um erro de timing, dado a doçura do seu conjunto, mais apropriado como pré-sobremesa (desconcertante mesmo foi explicação do prato, ao ser apresentado como um risotto de mel, framboesa e nozes, com redução de queijo cabra (!) - mesmo que se visse que aquela redução escura jamais poderia ser de queijo cabra, já para não falar da ínfima probabilidade de se poder fazer uma redução tendo este ingrediente como base). De seguida chegou-nos o prato de peixe, Garoupa em azeite virgem sobre ragout de legumes e redução da caldeirada. Excelente a ideia, saboroso conjunto, apenas traído por um peixe para lá do ponto de cocção ideal (demasiado tempo debaixo da salamandra?). Ainda neste sector do mar, tive oportunidade de experimentar, de prato alheio, um notável rodovalho (este sim, no ponto) com puré de couve-flor, antes de seguirmos para a carne, com um simples e aprazível lombinho de porco preto sobre puré de avelãs que, na verdade, se tratava de uma esmagada de batata com pinhões. Aqui apeteceu-me chamar a empregada e dizer-lhe que se não tem muita noção do que está a servir, pelo menos que decore convenientemente o nome e os componentes de cada prato. Sobretudo, se tiverem em conta que o menu do chefe não vem previamente definido na carta e que por isso quem fica à sua mercê não tem nenhum apoio escrito. Mas mais uma vez o Dr. Jekyll (comida) sobrepôs-se ao Mr. Hyde (serviço) e fomos premiados, como uma fresca sopa de melão e ragout de frutas, para limpar o palato e, de sobremesa, com uma original torta de romã com gelado de cereais e creme de laranja, numa perfeita combinação entre doçura e acidez.
A acompanhar a refeição, a opção recaiu no branco, Encruzado 2006, da Quinta dos Roques (20€), vinho que ombreou bem com todos os pratos, inclusive com o de carne.
Em jeito de conclusão, é justo enaltecer o trabalho ao Chef Luís Rodrigues, pela concepção e execução gastronómica. Mas, de futuro, espera-se que possa ser providenciado um serviço mais competente para que no final, ao pagar-se 57€/pessoa, por um jantar como o que foi descrito, possamos sair inteiramente satisfeitos.

Contactos: Rua das Flores 116 (Bairro Alto Hotel), Lisboa Telefone: 213408252 http://www.bairroaltohotel.com

publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 19 de Dezembro de 2007

sábado, dezembro 15, 2007

Absurd Sexy

- Podia-me trazer a carta de vinhos?
- Não temos carta de vinhos. Os vinhos que temos são os que estão aqui na parede (num suporte, daqueles, em que uma dúzia de garrafas ficam presas pelo gargalo)
- Como é que eu sei os preços?
- Ai espere que eu vou perguntar à minha colega
(chega a colega já devidamente informada)
- Os preços são, do mais barato para o mais caro (apontando para o suporte e acenando de baixo para cima)
- sim, mas o que é que é mais barato ou mais caro. Desculpe mas isto não é normal, tem que ter uma lista com preços!
- Áh, é que eles (os vinhos) estão sempre a mudar
- E? Sempre que mudar pode imprimir uma folhinha com os preços, não?
- Mas isso seria pouco ecológico (e a quantidade de luzes acesas que tem, também - apeteceu-me dizer).
- Ok diga-me o preço dos vinhos
- Ah, tem aqui o Monsaraz que custa 12€ e é muito bom
- (olhando para o tal suporte e vendo que só tinha tintos) e brancos não têm?
- Sim, temos 3 brancos e um rosé, o Sexy.
- E que brancos é que tem?
- Só um momento, tenho que ir ver. (Dois minutos depois) Tenho o Cartuxa, o Alvarinho (sic) e (um terceiro que não fixei o nome).
(Com alguma incredulidade o diálogo continua)
- qual o preço do Sexy tinto.
- 12 euros
- E o Rose (da mesma marca)?
- Também 12 Euros. Ai não, 13 euros.
- Mas não é normal um rosé ser mais caro do que o tinto da mesma marca
- Pois…mas é.
(continuando atordoado e talvez influenciado pelo cor de rosa forte da parede, tomo uma decisão parva porque não era nada esse o tipo de vinho que queria…)
- Ok, dê-me o Sexy tinto
- Esse não é lá muito bom, é melhor o Monsaraz.
- Então dê-me o rosé!
- Aaah…. está bem

E foi, foi mesmo o melhor daquela refeição de pratos medianos a preço de Indiano chique (31€, pessoa). Como já devem ter percebido, este diálogo não é de nenhuma peça de teatro do absurdo, mas sim, parte integrante de um jantar, de ontem, num restaurante intitulado de cozinha criativa indiana, em Lisboa, o Tamarind (foi a segunda vez que lá fui e, se depender de mim, terá sido a ultima).

P.S. é por situações destas que não assinei a petição online contra as “perseguições” da ASAE. É de facto pena que alguns justos paguem por alguns pecadilhos ridículos, mas enquanto houver casos destes, venham mais ASAEs.