quarta-feira, abril 18, 2007

Martin Me Mata

Restaurante Martin Berasategui

Há muito que ouvia falar do País Basco espanhol como um micro clima gourmet.
Com o intuito de conhecer melhor a sua gastronomia, recentemente passei por lá umas mini férias, onde tive a oportunidade de comprovar a forte expressão desta cultura, visível quer seja na mais simples taberna de pintxos (o equivalente Basco de tapas), ou no mais sofisticado dos restaurantes. Mas o principal objectivo da viagem prendia-se especificamente com a ida ao Martin Berasategui, um dos três restaurantes da região (de um total de seis em toda a Espanha) galardoados com as famosas três estrelas Michelin e também o segundo melhor restaurante de Espanha, de acordo com o guia Lo Mejor de La Gastronomia (guia de fundamental para viajar no país vizinho). A expectativa era, por isso, grande e a ansiedade foi crescendo à medida que o táxi se ia aproximando do local, a 6km de San Sebastian .
Apesar do aspecto contemporâneo do exterior, o interior, num estilo clássico rural, revelou-se tal e qual o tinha visto - e não tinha gostado - em fotografia. De qualquer forma o ambiente é confortável e minimamente descontraído (por oposição as versões apalaçadas dos seus congéneres franceses).
Tal como acontece com a grande maioria dos clientes, escolhi o menu de degustação (147.66€), constituído por 13 pratos. Como devem compreender este espaço é demasiado curto para poder descrever tudo o que veio para mesa bem como todas as sensações provocadas, pelo vou ficar-me “apenas” pelas mais relevantes – o que não é fácil dado o nível altíssimo de praticamente tudo o que foi apresentado. E o festim até nem começou da melhor forma, dado que por mais cremosa que fosse a inicial “Croqueta cremosa de patata”, não deixava de ser isso mesmo…um croquete de batata! O segundo prato também me deixou alguma apreensão, pois não gostei da ligação de foie gras com enguia fumada - mesmo com a maçã verde a entremear -, pois o fumado deste segundo elemento sobrepunha-se completamente, anulando o sabor do primeiro (vim depois a saber que se trata de um dos mais clássicos pratos de Martin, constando na carta desde 1995). Felizmente que bastaram vir os dois pratos seguintes para poder dizer que só por eles já tinha valido a viagem. No primeiro, uma ostra de sabor marítimo infinito com clorofila de agrião, rúcula e maçã - bem como um creme de lemongrass e funcho - a dar uma outra dimensão a toda aquela profundidade. O segundo foi mesmo o ponto alto da noite: vieira assada, tomate verde gelificado, sorvete de limão e manjericão, sumo salino de azeitonas, espuma de gengibre e cítricos e uma azeitona esferificada. Todos estes elementos revelavam uma forte personalidade quando provados em separado, mas, na verdade, não passavam de (bons) actores secundários quando em conjunto com a fabulosa vieira assada (não é à toa que o prato se chama “Vieira …”). Orgástico é a palavra que me ocorre para descrever a sensação. E com múltiplos, dado que o desfile de alto nível continuou até final, ora com uma coalhada de ouriços-do-mar e rebentos de soja, ora com um ovo, ligeiramente escalfado, com carpaccio de cozido basco (finíssimas fatias de lombo de porco de um sabor indescritível - tipo presunto pata negra cozido, passe a heresia). Para não falar do caldo de lulas e raviolis com tinta de choco no interior (que explodiam ao comprimi-los na boca). Posto isto, os “normais” pratos de peixe (lombo de robalo assada) e de carne (costeleta de cordeiro com moleja) pareciam banais, o que é no mínimo, injusto! Para finalizar dois “postres”, que não foram brilhantes mas que também não destoaram: um “simples” gelado de maçã verde com pó de azeitona e escamas de laranja sanguínea e um bombom de iogurte liquido (que também explodia na boca, à semelhança do ravioli) com compota de manga e maracujá, e espuma de campari.
O serviço foi competente, liderado por um excelente escanção. Por sua recomendação, de uma carta de 45 páginas de vinhos das melhores proveniências mundiais (Portugal incluído) bebeu-se um Louis Carillon 04 (Puligny Montrachet) e um Dido 2005 (Monsant) a copo.
Por esta orgia pagou-se 202€/pax, o que é de facto uma boa quantia. Mas a verdade é que não há muitos dias assim.

Loidi Kalea, 4. Lasarte, Gipuzkoa – País Basco (Espanha) ;telefone: 943366471

publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 19 de Abril de 2007

segunda-feira, abril 16, 2007

O Boa Vida Morreu, Viva o Duarte!

Na sexta feira passada quando vi o DN renovado e nao encontrei o Boa Vida, confirmei aquilo que temia desde que soube que tinha entrado uma nova direccao para o jornal. Acaba-se assim, na imprensa portuguesa, a unica pagina diaria dedicada ao tema. O Rei morreu, viva o Rei!

Um grande bem haja, Duarte!

(ler mais aqui)

domingo, abril 15, 2007

As Estrelas no Céu



Na crítica do Oje da próxima 4ªF (19 Abr), vai poder ler-se sobre uma ostra de sabor infinito a mar e de uma vieira rainha. Duas estrelas de um três estrelas...
Para já Ficam as fotos para aguçar o apetite.




quinta-feira, abril 05, 2007

Nação Justa e Valente

Restaurante O Nobre

Nos dias de hoje é recorrente em qualquer texto que se escreva sobre o casal Justa e José Nobre falar-se pela epopeia que passaram nos últimos 10 anos. Poupo-vos de repetir a ladainha e resumo o assunto referindo-vos que existiram duas eras: a era DNA (durante o Nobre da Ajuda) e a era ANA (Após o Nobre da Ajuda). O primeiro caso está ligado à ascensão desta casa que viria a culminar numa das grandes referências gastronómicas da Lisboa dos anos 90. Movidos pelo prestígio e pelo sucesso criado neste espaço, em conjunto com outro sócio, embalaram numa expansão que viria a ser ruinosa (Nobre Buffet, Marina Tapas…). Após alguns anos de recobro, recentemente, atravessaram o Tejo e instalaram-se no Montijo, junto à praça de Touros. A envolvente não é a mais sugestiva mas o espaço está muito bem conseguido e uma vez lá dentro, esquecemo-nos facilmente do exterior descaracterizado. Não sendo um local para todas as bolsas, existem por aqui várias hipóteses (e conceitos) de escolha que podem proporcionar um bom repasto por 20€ ou uma excelsa refeição a partir de…vá lá, 40€. No almoço que lá fizemos, no dia 24 de Março, por entre uma ou duas dezenas de várias propostas de cozinha portuguesa à moda da Justa (o termo é meu) existia um buffet de 5 bacalhaus diferentes (16.80€). Mas o que me levou lá foi a memória do lombo de robalo à Justa, comido em outros tempos na tal era DNA (sim, também tenho direito a ser saudosista). Por isso, após uma breve vista de olhos pela carta, a atenção deteve-se nas especialidades da casa. Daí talvez que não tivesse ligado muito às entradinhas já expostas na mesa: carapaus de escabeche (3.80€), salada de mexilhões (3.9€), e, já enquanto petiscávamos, umas fatias de pão de mistura torrado com manteiga e alho (1.30€). Ainda bem que não me estiquei muito porque o que estava para vir, merecia toda a disponibilidade gástrica e sensorial. E o festim começou pela sopa de crustáceos em massa folhada (7.80€). Excepcional é o mínimo que consigo escrever (ia escrever Excepcionalíssissimérrimamente fantástica, mas percebi eram escassas as hipótese da Dulce, a revisora do Oje, deixar passar este pontapé na gramática). Não perguntei como se fazia, mas penso que não andarei longe se referir que se trata de uma espécie de vichyssoise (sopa a base de natas e alho francês) à qual são acrescentados os crustáceos ainda crus, sendo tapada com a massa folhada e levada ao forno na taça onde depois será servida à mesa. O que acontece é que a massa folhada ao insuflar cria um ambiente de estufa onde o marisco irá cozer. O prazer de romper aquele belo aparato e apanhar de chofre com o bouquet de aromas, só é superado, pelo prazer alcançado de quando se faz passar pelas pupilas gustativas todos aqueles elementos, reunidos numa colher. Igualmente boa, mas menos exuberante, estava a sopa de santola (5.80€) servida na própria casca, sobre um monte de sal. Com a fasquia tão elevada logo de entrada, temia-se que as propostas seguintes ficassem ofuscadas. Tal receio dissipou-se mal chegaram, o lombo de robalo à Justa (21.80€) e a perninha de cabrito (19.90€). No primeiro, o lombo cozido em papilhote com ervas aromática e pimenta vermelha, chegou primordialmente no ponto e o uso de temperos, embora assertivo, não encobriu o sabor do peixe. Já o esparregado como acompanhamento, parece-me dispensável, uma vez que quem deve brilhar por ali deve ser o peixe (a excelente batata primor e a cenoura, ambas cozidas, parecem-me suficientes a acompanhar). Quanto ao segundo prato para não me tornar repetitivo digo-vos apenas, com muita tranquilidade, que é de chorar e pedir por mais!
Para assentar a refeição e ajudar-nos a regressar à terra, vieram umas boas farófias (3.10€) e uma refrescante sopa de morangos com gelado de nata (4.90€).
No que diz respeito à carta de vinhos é de enaltecer os preços sensatos e a actualização da mesma - situação que não se verifica em muitas outras casas clássicas. A refeição foi acompanhada pelo Madrigal Branco 05 (28.5€, como vinho da semana), cuja a temperatura não deveria ser servida abaixo dos 10 graus, de forma a não se perder o carácter aromático da casta Viognier, e pelo novo Diálogo tinto 05, da Niepoort, (3.5€, o copo), a acompanhar o cabrito. De enaltecer ainda o serviço amável e correcto, sempre acompanhado de perto, mas com descrição, pelo anfitrião, José Nobre.

Se associarmos a utilização equilibrada de produtos de qualidade ao bom domínio da técnica e uma mão mestra no tempero, temos por certo uma cozinha de qualidade num restaurante deste género. Mas tal não basta para o tornar numa referência. Para isso é necessário mais. É necessário um certo “je ne sais quoi” ou intuição, se quiserem, só ao alcance de alguns. Como da Justa, por exemplo.


Contactos: Avenida de Olivença (Junto à Praça de Touros), Montijo ; Telf: 212317511

publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 5 de Abril de 2007