sexta-feira, abril 24, 2009

Aqui há Peixe

A 2ª edição do Peixe em Lisboa entrou na recta final. Após os primeiros três dias do evento e ainda sem conhecer os dados oficiais, não terá qualquer risco afirmar que a mudança de local do Terreiro do Paço para o Pavilhão de Portugal, no Parque das Nações, é já uma aposta ganha. O publico tem acorrido em maior quantidade,  o espaço ganhou amplitude e, por consequência melhores condições, quer para quem visita, quer para quem trabalha. Mesmo que o programa deste Peixe em Lisboa não valesse a pena, a varanda do edifício desenhado por Siza Vieira valeria por si só essa honra. Só que o programa das festas supera mesmo o do ano passado. Em parte isso deve-se à abertura do evento a presenças exteriores (em 2008 privilegiou-se quase que em exclusivo, os restaurantes e os Chefs da região de Lisboa). Até agora já foi possível ver em actuação figuras como: Dieter Koschinna (Vila Joya), José Julio Vintém (Tomba Lombos), Pedro Nunes,  Benoît Sinthon, ou  Ricardo Costa (Casa da Calçada); e, de fora do país: Marcos Morán (Casa Gerardo, Gijon) ou David Pasternack. Mesmo da região de Lisboa houve a intenção de não se ficar apenas pelos suspeitos do costume. Assim trouxe-se ao palco alguns Chefs menos conhecidos, mas cujo o trabalho tem merecido atenção dos mais atentos, como são os casos de Henrique Mouro (Le Club, Vila Franca de Xira), Vincent Farges (Fortaleza do Guincho) ou João Antunes (Vin Rouge, agora nas antigas instalações do 100 Maneiras, em Cascais), só para citar alguns.

Deixo abaixo algumas fotos e comentários do que vi (e comi) nos primeiros dias... 


Henrique Mouro do Le Club (Vila Franca de Xira) abriu as hostes e mostrou-nos o excelente trabalho que tem vindo a desenvolver com os produtos dessa zona ribeirinha (ver abaixo): Sável, enguia, folhinhaa de oliveira - uns mini linguadinhos "barely legal". Metam-se no carro e vão lá porque este Le Club é sem dúvida um dos melhores restaurantes onde estive nos últimos tempos.

Enguia assada, "folhinhas de oliveira" e camarões do rio e Sável fumado, lagostins do rio e azeitonas num torricado, by Henrique MouroDieter Koschinna num (mau) português típico de um austríaco que vive e trabalha entre estrangeiros, trouxe-nos a cozinha complexa e elaborada do Vila Joya e mesmo sem o dizer, conseguiu passar a mensagem de que a manutenção contínua das duas estrelas Michelin no seu restaurante (o único em Portugal a ter esse galardão) não é fruto do acaso ou de inspiração momentânea. 




Joaquim Figueiredo, apontado como um dos pais da nova cozinha portuguesa veio a Portugal  matar saudades dado que vive em França já lá vão alguns. Mesmo que um pouco fora de ritmo, por actualmente não exercer a prática em termos profissionais, JF espalhou humor, saudade e conhecimentos dos que nunca esquecem (não faz sentido que uma pessoa com o seu valor e com o legado que deixou ande a vender fogões. Mesmo que sejam os Ferraris dos fogões - do mesmo modo que não se vê o Michael Schumacher a vender Ferraris...)






Marcos Morán, vem de Espanha onde este tipo de eventos acontecem com uma regularidade surpreendente. Talvez por isso não seja surpreendente o seu à vontade e sentido de oportunidade na forma como apresentou o seu trabalho, o produto do mar das Astúrias e a casa onde que pertence à sua familia há já cinco gerações  (A Casa Gerardo, em Gijon). 


Da cozinha do Tavares, no local, um ceviche de vieiras e camarão sob uma especie de quacamole. (a apresentação estava mais cuidada antes do telemóvel ter caido em cima)


Bertílio Gomes e ostras - uma dupla imbatível na Sapal Sado, a produtora de ostras da zona de Setúbal (a propósito, amanhã vou visitar os viveiros)




Muitos não sabem mas o Bertílio Gomes, juntamente com a sua mulher, Maria Santos, são autores de alguns dos melhores gelados que já tive oportunidade de comer por cá. Segundo me informaram, o seu objectivo passa sobretudo pela utilização de produtos biológicos e, sempre que possível, de terroir. Isso não vai impedir de fazerem experiências de outro tipo, como no gelado da foto, feito a partir de essência de eucalipto, tal como um outro, com base na Super Bock Abadia (há que lhes dar o mérito de conseguir fazer de uma cerveja sofrível, um óptimo gelado). O inconveniente é que quem quiser degustar estas preciosidades vai ter que o fazer neste evento, procurar em alguns dos nossos melhores restaurantes ou, em alternativa, deslocar-se a Alhandra onde este casal está sedeado, numa antiga gelataria de familia. Em breve prevê-se a abertura de um espaço em Troia.

 Mas voltando ao Peixe em Lisboa. Amanhã será a vez de Ljubomir Stanisic nos mostrar alguns dos pratos que serve actualmente no mega sucesso que está a ser o 100 Maneiras do Bairro Alto; seguido da Paulista, Carla Pernambucano (Chef e proprietária do Carlota, em Higienopolis, S. Paulo - onde já tive oportunidade de estar) e por ultimo o já aqui referido Bertílio Gomes. 

No domingo o certame fechará em beleza com a apresentação de, Quique Dacosta, um dos mais interessantes e famosos Chefs do país vizinho. Mas antes, tal como na edição anterior os visitantes serão convidados a degustar uma gigante caldeirada que será feita por alguns dos Chefs que por ali poisaram durante a semana (no final prevê-se que Duarte Calvão, o mentor da ideia deste festival, faça o agradecimento final e caia para o lado de exaustão:)

Para consultar o programa de amanhã e de Domino, o último dia clique aqui

terça-feira, abril 21, 2009

Quando não é Pequena

Restaurante Alma

“Já temos título, por isso diz-lhe que não me lixe”, apeteceu-me mencionar a quem pedi para fazer a marcação do restaurante de forma a tentar que a visita fosse a mais anónima possível. A intenção de passar despercebido ficou em águas de bacalhau quando fui reconhecido logo à entrada. Mas como dizia um amigo que anda há mais anos nestas lides da crítica gastronómica, não é por se ser reconhecido num sítio que nos vão servir doses maiores ou aprender a cozinhar assim de repente.
O Alma insere-se num conceito de restaurante que tem surgido nos últimos tempos em países como Espanha, Inglaterra ou França e a que se tem dado nomes como, “alta cozinha lowcost” ou “bistronomic”. Partilha esta afinidade, por exemplo, com o novo 100 Maneiras (que após ter fechado em Cascais, abriu recentemente no Bairro Alto, em Lisboa). Ambos pertencem a figuras conhecidas que praticam uma cozinha de autor e que vinham de restaurantes onde um jantar com a opção de menu de degustação (+vinhos) andava na casa dos 90/100€. Nestes seus novos espaços uma refeição de características idênticas andará na casa dos 45€/55€ (e o custo médio/refeição, na ordem dos 30€/40€, dependendo do que se beber). A solução na aplicação deste conceito passa essencialmente por espaços pequenos - informais mas cuidados; staff reduzido ao estritamente necessário; cartas de vinhos curtas mas com boas opções, nomeadamente, o copo; e utilização de produtos de qualidade mas de custo menos elevado (cavala em vez de salmonete, por exemplo).
Na carta do Alma percebe-se a preocupação em querer chegar a um público mais alargado, sem deixar de ter em vista o apreciador exigente. A propostas mais triviais, como o estaladiço de queijo de cabra, ou o magret de pato, contrapõem-se um filete de cavala marinado, ou a um leitão confitado a baixa temperatura. As entradas andam na casa dos 10/12€ e os pratos nos 18/20€. Mas o conceito “low cost” (ou melhor, “not so high cost”) é evidente sobretudo nos menus de degustação. O Alma, de 3 pratos (fixos), vale 28€ e o menu do Chef (fixo, ou surpresa), de 4 pratos, 39€ - ambos incluem ainda um amuse bouche e, no segundo caso, um sorbet “limpa palato”, antes da sobremesa.
Passando da essência da alma para a dos sentidos, aceitámos embarcar no menu do Chef às cegas. Auspicioso, o começo (amuse bouche), com um mini escalope de foie fresco envolvido em gotas de chocolate escuro (a proporção certa deste componente, trouxe uma mais valia, sem excessos). Seguiram-se umas gambas salteadas em azeite de baunilha, com puré de maçã e alho francês e um elemento especiado, agridoce, chutney de ananás (na verdade, mais doce que amargo). O segundo prato foi uma asa de raia próxima da versão clássica gaulesa, com manteiga “noisette” e alcaparras, mas com um creme de couve flor em vez de batata, o que tornou o prato ainda mais interessante. Seguiu-se uma das propostas mais emblemáticas de Sá Pessoa e que já vem, pelo menos, dos tempos do Panorama do Sheraton: o leitão confitado a baixa temperatura, acompanhado de um fondant de batata-doce, couve pak choi e molho do assado de laranja. A integração dos elementos funciona lindamente quer por junção, quer por contraste e tanto de sabores como de texturas (a couve impede o leitão de se tornar enjoativo; a laranja é um sabor clássico de associação, e a batata doce contrasta com o estaladiço da pele do leitão além de suavizar o conjunto).

leitão confitado a baixa temperatura, fondant de batata-doce, couve pak choi e molho do assado de laranja

Posto isto, o título do texto já estaria justificado. No entanto e houve ainda tempo para limpar o palato com um sorbet de limão e arranjar espaço para a panacotta de coco e baunilha com ratatouille de frutos exóticos que cumpriu bem a função de sobremesa.
Por último de referir que o serviço é afável e competente e mesmo que o timing entre pratos não seja perfeito, não compromete. A aposta numa carta de vinhos simples mas com boas hipóteses de escolha, nomeadamente a copo (como referi acima), assenta muito bem no conceito do restaurante, embora os preços pudessem enquadrar-se melhor no conceito “low cost”.
Pela descrição feita não será difícil concluir que este Alma cumpre os requisitos a que se propõe. A cozinha de Sá Pessoa é tecnicamente segura e criativa qb para conseguir agradar, por um preço correcto, tanto a um público mais abrangente como a outro mais exigente - mesmo que deste lado lhe irão sempre exigir mais – o que não parece um problema já que Henrique tem alma e conhecimento para corresponder ao desafio.

Contactos: Calçada Marquês de Abrantes, 92, Santos – Lisboa, tel: 213 963 527/910 535 610

Texto publicado originalmente no suplemento Outlook (Semanário Económico) em 18 de Abril 2009

sábado, abril 04, 2009

Bubbles, ou o antidepressivo

“Champanhe destrona água como melhor bebida do mundo”, poderia ser o título destas linhas caso o texto fosse uma notícia, este fosse um jornal sensacionalista, ou se um concurso absurdo destes existisse. Estamos em Reims, na região de Champanhe, onde o liquido que a tornou famosa parece jorrar das torneiras. À partida o convite parecia ser para um jantar super especial de champanhe e estrelas Michelin. Mas no fim desconfio que fazíamos todos parte de um “plateau” de Kusturica ou de Jean-Pierre Jeunet - escondidos algures, nos bastidores, a filmar a cena. Não houve Audrey Tautou a fazer de Amélie Poulain, nem nenhuma fanfarra de ciganos, mas toda a encenação, em versão luxuosa, era passível de nos remeter para o mundo cinematográfico.

O isco vinha disfarçado sob o nome Yannick Alléno, o Chef do Le Meurice (Paris) que em 2007 recebeu a terceira estrela Michelin, e foi-nos lançado pelo Grupo Vranken Pommery. Que aborrecimento, duas coisas que um gourmet odeia: uma refeição elaborada por um chef três estrelas Michelin e logo acompanhada a “bubbles”, o melhor antidepressivo natural que se conhece.

Mas havia uma razão especial para todo aquele aparato cénico, numa sala onde o rosa e as rosas foram presença dominante. Tratava-se do mais recente lançamento da casa, o Cuvée Rosé Apanage (em breve disponível em Portugal).

Champanhe é sinónimo de festa, de encenação, de show off. De microfone na mão, a Sra. Vranken, a anfitriã, espalha cumprimentos e vivacidade pela sala. A bebida é apresentada num palco (com um abrir de pano e tudo) e desfila pela sala com estatuto de estrela, por mãos de luvas brancas calçadas. Verte-se no copo, observa-se a cor e o filamento de bolhas a soltarem-se. Sentem-se os aromas (morangos, framboesas e notas de maçã verde), preenche-se a boca e depois bebe-se. Uma vez, duas vezes, até à última gota. O empregado de mãos brancas está atento e volta a encher o copo num gesto cuidadoso, repetido noite fora. Primeiro o Rosé Apanage e, depois, coisas mais sérias: as colheitas de 98, 90 e 81 do topo de gama, Cuveé Louise. Este ultimo, apresentado e experimentado “às cegas”, gera uma certa emoção ao ser desvendada a idade. Houve quem apreciasse as notas torradas e vaticinasse acidez suficiente para uns bons anos mais de duração. E houve também quem se sentisse especial por estar na presença de um vinho do seu ano de nascimento (como se fosse possível alguém ter nascido em 1981!).

Paradoxalmente nada de particularmente excitante se passou do lado da comida, se tivermos em conta a expectativas criadas pelos pergaminhos e estrelas de Yannick Alléno. Mas a harmonização com champanhe e o efeito espirituoso que o mesmo deixou nos presentes, fez soar os maiores elogios. O primeiro prato, geleia de búzios com “línguas” de ouriços-do-mar, creme de arroz e algas crocantes, foi como levar com uma onda de mar em várias texturas. No segundo prato tivemos direito a umas generosas pinças de caranguejo real com abacate grelhado e nabo agridoce. Até aqui tudo bom. Pena que o ultimo prato fosse uma desinteressante galinha de Bresse com um molho gelatinoso e pedacinhos de trufa negra demasiado neutra para ser levada a sério. Já a sobremesa, uma espécie de coulant de chocolate com café forte, cumpriu plenamente o papel de adjuvante, puxando pelas notas de pão torrado do Cuveé Louise 81.

Por essa hora o reflexo rosa prolongava-se também pela face de grande parte dos presentes. Talvez por isso, mais tarde, no centro da cidade, um pequeno grupo aproveitasse o estado de alma para dar à voz no karaoke de um restaurante chinês. Mas cantar Sinatra em espanhol (sabe-se lá porquê) não viria a provocar danos de maior. No dia seguinte, pela manhã, esse mesmo grupo (de portugueses, coincidência…) já estava em forma para a continuação de mais “bubbles”: visita às caves e prova, seguido de almoço, desta vez regado a Demoiselle (uma das outras marcas do Grupo Vranken).

Depois de dois dias alimentado a champanhe, muda-se de ideias: afinal esta é mesmo capaz de ser a melhor bebida do mundo. Pena que por cá não jorre nas torneiras (e para ser correcto, lá também não).


A essência Pommery e o braço português do Grupo Vranken

Tal como no Douro, em que D. Antónia Ferreira foi figura preponderante, também nesta região francesa existiram pelo menos duas figuras femininas que se distinguiram: a Madame Cliquot (que veio dar o nome à casa, Veuve Clicquot) e a Madame Louise Pommery, que tomou as rédeas do negócio casa Pommery após a morte do seu marido, em 1860. Com personalidade forte e visão para o negócio deixou marcas no sector, algumas pioneiras: Foi a primeira casa utilizar caves no subsolo, 18km de túneis construídos pelos romanos onde hoje estagiam 20 milhões de garrafas, 30 metros abaixo do solo, a uma temperatura de 10ºC; foi também sob a sua alçada que se fizeram, pela primeira vez, champanhes rosé e Brut Nature, (este, o tipo mais considerado consumido no mundo).

Hoje a Maison Pommery é o principal alicerce do Grupo Vranken Pommery, que a adquiriu ao império de luxo, LVMH, em 2002. Do seu portfolio, grande parte do volume é feito através dos champanhes sem data marcada. Estes ano após ano são afinados para manter o mesmo perfil. Destacam-se o Brut Royal (33€ aprox.), Brut Rosé (43€ aprox.) e o Summertime “blanc des blancs”, 100% Chardonnay (41€ aprox). Depois entramos no campeonato dos apreciadores, com os Millésime, de colheitas datadas e feitos apenas em anos de boa qualidade (1998: 45€ aprox). No topo, ainda que não estejam à venda em ourivesarias, os Cuveé Louise, também datados e elaborados apenas em anos excepcionais, com uvas das vinhas mais antigas e com 6 a 8 anos de repouso em cave (1998:120€ aprox; Rosé 1999:240€ aprox). Num registo completamente diferente e com o objectivo de atrair outro tipo de consumidores, a casa criou ainda a Pop, que como o nome deixa adivinhar, remete para um ambiente mais descontraído e cosmopolita, tendo-se popularizado nos principais eventos de moda em versão 375 ml, para ser consumido por palhinha.

Mas o Grupo Vranken tem interesses noutras paragens. Caso do Douro. Ao longo da visita em Reims ouviu-se várias vezes Paul Vranken falar da sua paixão por esta região e em especial pelo Vinho do Porto. De inicio suou a “blah blah blah” comercial para a imprensa portuguesa. No entanto, quando o vi reiterar essa paixão perante uma audiência de várias proveniências, percebi que havia algo de genuíno nas suas palavras. São mais de 20 anos de ligação à região, onde têm hoje nove quintas, cujo as uvas dão origem aos seus Vinhos do Porto, S. Pedro das Águias e Rozés e, mais recentemente, a vinhos de mesa, como o Quinta do Grifo Grande Reserva.

Texto publicado originalmente no suplemento Outlook (Semanário Económico) em 28 de Março 2009