sábado, setembro 30, 2006

Festival Comidas do Mundo (3)

«Temos o direito de não comer, não temos o direito de comer mal »(Leonardo da Vinci - citado no programa do festival)

Os actores principais: Marino Tavares, Paulo Martins, Margarida Ferreira de Almeida, Alexandre Solleiro, Vítor Sobral, Alex Atala, Luigi Caputo e Luís Baena (Cadê a Teresa?)

Festival Comidas do Mundo (2)

Alex Atala & Backing Vocals Afortunados sejam os que esperam
"Here comes success, here comes success" Iggy Pop

sexta-feira, setembro 29, 2006

Comidas do Mundo


Com uma aula do Chef brasileiro Alex Atala terminou, no Domingo passado, o Festival Comidas do Mundo_Lisboa 2006_Gourmet & Arte.(ver pormenores em http://www.comidasdomundo.com/).
Tive oportunidade de participar nos jantares de Paulo Martins e de Luís Baena, bem como nas suas aulas e, também, nas de Erich Boschman e de Alex Atala.
De Paulo Martins, ficámos a conhecer a cozinha do Pará – apontada como a mais genuína das várias correntes brasileiras – e enriquecemos o nosso léxico culinário com novos ingredientes, como, jambu, filhote, tucupi ou bacuri.
Luís Baena foi quem melhor traduziu o conceito do festival, socorrendo-se de outras artes como inspiração (música – numa interpretação de J.S. Bach por Robert Fripp; e pintura – recorrendo a um quadro de Vieira da Silva e a um pintor que, em simultâneo, ia fazendo a sua interpretação do que o Chefe ia cozinhando) e, sobretudo, como forma de nos mostrar que um determinado tipo de cozinha - neste caso, a sua - pode ser uma interpretação de um modelo clássico, reinventado através de técnicas modernas e recorrendo a elementos de outras proveniências. No jantar, servido no Terreiro do Paço, revelou ainda o seu humor ao apresentar-nos algumas das suas insólitas propostas como, por exemplo, a Bola de Berlim com recheio de santola, panada com carabineiros e o Mc Silva – hamburguer de bacalhau com compota de pimento assado e rabanete –, servido em embalagem de esferovite como nas cadeias de fast food.
Erich Boschman é um conhecido sommelier belga, mas poderia ser um enterteiner, de tão peculiar foi a sua apresentação. Irreverente e politicamente incorrecto (desancou nos americanos, nos espanhóis, nos franceses, nos belgas e não tanto nos portugueses, por questões de bom senso) contou-nos a sua versão da história do chocolate e mostrou-nos que este pode casar bem com vinhos de mesa e não apenas com Portos, como é clássico afirmar-se. Esta ligação é tanto mais conseguida quanto melhor se conhecer as características dos vinhos e dos chocolates que queremos emparelhar. Como suporte, distribuiu pela assistência vários tipos de chocolate e vários tipos de vinhos portugueses. A surpresa maior, para mim, foi a ligação entre um chocolate de leite e um Luís Pato Vinhas Velhas, branco, com ambos a envolverem-se, entre si, no palato, numa fusão de sabores muito interessante. Mais interessante do que algumas ligações entre tintos e chocolates pretos (ambos de diversas proveniências), onde essa fusão se faz mais por anulação - ou destes com vinhos do Porto Ruby, onde a presença deste vinho se sobrepõe à do chocolate.

Para o fim ficou a aula de Alex Atala, do famoso restaurante D.O.M, de S. Paulo (considerado este ano pela inglesa Restaurant Magazine como um dos melhores 50 melhores restaurantes do ano). Alex não é apenas um excelente Chefe, ele é um “star”, habituadíssimo a estas sessões mediáticas e devidamente acompanhado nos “backing vocals”. A sua fama deve-se ao facto de fazer uma cozinha requintada onde utiliza ingredientes autóctones - praticamente desconhecidos, tanto no mundo inteiro, como no seu país – aos quais aplica a sua técnica de base europeia. Durante as cerca de 2 horas que durou a sua aula, ficámos a conhecer a importância da matérias-primas e a sua harmonização; a valorização dos ingredientes indígenas; a fonte de inspiração na criação dos pratos que ia fazendo. Ensinou alguns truques técnicos e insistiu sobre a importância do mais pequeno pormenor, como por exemplo: o facto do caldo de tucupi que acompanha a composição de vários cogumelos com ervas da amazónia – um dos pratos preparados – ser servido em frente ao cliente, não para poder cobrar mais, mas sim, como forma de preservar os ingredientes mais sensíveis (ok, lá confessou… que também servia para poder cobrar mais). No final, pudemos provar o resultado dessa aula. Os mais gulosos que foram directos ao gelado de ________ (uma fruta da amazónia) com raiz forte, homenagem de Atala à imensa comunidade japonesa de S. Paulo, despediram-se com elemento “fogo” bem presente.

Uma palavra de apreço para a organização, encabeçada por Vítor Sobral e Margarida Ferreira de Almeida. Seria muito fácil criticá-los por algumas falhas que existiram nesta edição zero, mas não posso deixar de os louvar por toda a dedicação mostrada na montagem deste evento, feito em tempo record. Como penso que estão conscientes do que é necessário para afinar a máquina, só lhes posso deixar um "força e venha daí a 1ª edição" – parece que vamos ter cá, Francis Ford Copolla, que para além de cineasta é conhecido por ser um grande gourmet e produtor de vinhos na Califórnia.


P.S: espero que mantenham a promessa de manterem o site activo, de preferência, com alguma actualização (não se esqueçam que prometeram, aos presentes, colocar, no site, as receitas das aulas. É que, entre outras coisas, gostava de poder completar o ____________ que deixei por preencher).

quinta-feira, setembro 21, 2006

Um Pouco Mais de Magia, SFF!

Restaurante 100 Maneiras

Ao longo dos últimos anos habituei-me a ler na crítica especializada e ouvir de amigos referências bastantes elogiosas ao restaurante 100 Maneiras e ao seu chefe Ljubomir Stanisic. De receitas em revistas a várias intervenções públicas, fui vendo Ljubomir consagrar-se como uma referência de primeira linha da nossa restauração de topo. O corolário deu-se com a publicação do seu livro, numa edição exemplar, como é raro ver no nosso país. Até hoje, por preguiça ou falta de oportunidade, a visita ao seu restaurante foi sendo sucessivamente adiada. Até que há umas semanas atrás, no fórum Os5as8.com, me deparei com novos relatos de entusiasmo. Tinha chegado a hora, não havia mais como adiar. Meti-me no carro e apontei em direcção a Cascais. Pelo caminho fui mentalmente adivinhando sabores, inventando estratagemas para um provável ligeiro excesso alcoólico e, até mesmo, redigindo esta crítica já pronto a chamar-lhe, o Deco desta nossa selecção nacional do garfo. O problema é que, por vezes, quando antecipamos demasiado as coisas criamos demasiadas expectativas. Isto quer dizer que a experiência foi má? Não, apenas não houve o “click” que esperava. Mas vamos à descrição. Como tem sido hábito neste tipo de restaurante, optou-se pelo menu de degustação (53€). Após o couvert, com manteiga e diversos tipos de pão, e o amuse bouche da praxe, as hostes abriram com uma espuma de batata, crumble de broa de milho e aroma de trufa branca. Muito bom o contraste de texturas entre o crumble e o aveludado do creme, bem como o aroma de trufa a transmitir alguma intensidade de sabor. De seguida, Camarão Salteado com Lasagna de Cogumelos e Cebola acidulada. É curioso porque recordo ter visto recentemente este prato num anúncio e não o ter achado muito atractivo (ou se calhar o anúncio é que era muito tosco). Na verdade, qualquer outra imagem do site do restaurante nos faz salivar mais do que esta proposta. De qualquer forma, quando os ingredientes são de boa qualidade e o chefe sabe o que está a fazer, a combinação resulta, mesmo que, neste caso, sem grande excitação. Este estado esteve mais próximo de ser alcançado com o Foie gras de pato salteado, coulis de manga com uvas e redução de vinho do Porto. Belíssimo o foie gras, apenas prejudicado pela exiguidade dos acompanhamentos (a gordura do foie necessita de mais luta). Passando aos principais, primeiro veio o Atum em crosta de sésamo, legumes glaceados e molho de chalotas caramelizadas. Por azar o meu veio demasiado passado. Mas mesmo recorrendo à versão correcta, pescada no prato da frente, o resultado não agradou. A opção de confecção asiática – mais à tailandesa do que à japonesa –, vinha tão carregada de sabor de sementes de sésamo, molho de ostra e molho de soja, que mais parecia um chop suey, com o sabor delicado do atum, semi cru, a ficar completamente comprometido (diria que num blind test passaria facilmente por carne – daí talvez a sugestão de que fosse acompanhado por um vinho tinto). O segundo prato, Lombo de borrego salteado, queijo da Serra, Morangos e Cebola Crocante, podia ter feito esquecer o momento anterior, dado a excelência da peça, bem como a ligação com os morangos e os aros de cebola frita - até mesmo o queijo da serra se mostrou em equilíbrio, não ofuscando o sabor da carne. O que aconteceu foi que, mais uma vez, o acompanhamento foi parco. O que questiono não é a quantidade dos elementos, suficiente no global da do menu de degustação, mas sim a sua proporção em cada um dos pratos. O toque de magia veio apenas no final, com o Falso Cheese Cake (assim mesmo denominado) servido numa taça, com a bolacha esfarelada em forma e textura de gelado, ao invés da habitual base sólida – já antes, para limpar o palato, a provocação tinha ficado no ar com o shot, “Ilusão de Tarte de Limão”.

De referir o serviço eficiente e o tratamento exemplar dado aos vinhos, sendo estes servidos a temperaturas correctas e em copos apropriados. A lista, embora não muito extensa, é abrangente, com presença das principais referências nacionais, algumas estrangeiras e uma breve descrição sobre cada um dos vinhos. De destacar ainda, os preços sensatos e as várias hipóteses de vinho a copo. Foi assim possível acompanhar a refeição com um branco, Dona Berta Rabigato 05, para a espuma de batata e para o camarão salteado; um colheita tardia, Granjó 2004 Late Harvest, para o Foie e mais tarde para a sobremesa; e ainda o tinto Quinta da Revolta 02 para o atum e para o borrego.
Por último, é de referir que estamos a falar de um espaço com uma localização privilegiada – com vista para a baía -, requintado e informal, o que conjuga todos os elementos necessários para uma excelente refeição. Caso haja um pouco mais de magia. No final, com a conta, entregaram um formulário para preencher, com a referência, “você é o nosso melhor crítico, ajude-nos a melhorar”. Na altura não o fiz, mas aqui estão agora os meus fifty cents. A conta, essa foi um pouco mais elevada, 148€ (2 pax).


Rua Fernandes Tomás 1 Hotel Villa Albatroz - Cascais2750-342 Cascais ; Telefone: 214835394

publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 21 de Setembro de 2006

sexta-feira, setembro 08, 2006

Le Bistrot

A Taverna do Francês

Independentemente da polémica actual em que se discute se a cozinha francesa continua ou não a ser a mais importante a nível mundial, é indiscutível a sua importância e a sua influência um pouco por todo o lado, nomeadamente como base de recriação da nova cozinha de vários países. No entanto, se por cá é relativamente fácil encontrarmos esta influência nos nossos chefes mais conceituados, bem como nos estrangeiros em actividade no nosso país, mais difícil será encontrar um digno representante da cozinha gaulesa mais clássica ou, sobretudo, da versão regional na sua forma mais simples, a cozinha de bistrot.
Como adepto de qualquer uma das suas variantes, e agora que o efeito da vitória dos bleus sobre Figo e companhia já se foi da memória, resolvi visitar um pequeno bistrot, ali para os lados de Cascais.

Saindo no final da A5 e após a passar por vários monumentos ao autarca (leia-se rotundas), chega-se a um local de moradias e pequenos edifícios de traça simples. A Taverna do Francês fica no rés-do-chão de um destes edifícios. A sala é pequena (16 mesas) e de decoração simples - com motivos qb a revelar as origens do seu proprietário. Como é apanágio num bistrot, não existe um menu fixo, as propostas estão escritas em quadros de ardósia dando a ideia de serem alteradas regularmente. Nota-se que estamos num local de habitués, desde do insólito da “tia” cujo a dieta não lhe permite comer nada do que é proposto (assim como quem vai ao Santini querendo que o gelado de nata seja feito de iogurte light), a casais, cujas memórias de experiências prévias se adivinham nos rostos. Curioso o facto de grande parte dos clientes portugueses aproveitarem o momento para falar francês, mesmo que Pierre Marie, o anfitrião, entenda e fale bem a nossa língua.

No dia que efectuámos a visita, as propostas dividiam-se entre seis entradas, seis pratos principais (dos quais apenas um de peixe) e oito sobremesas. Enquanto esperávamos pelas entradas pedimos, para “picar”, um prato de Saucisson, enchido fumado de carne (4.60€), e uma tapenade (2.60€), pasta feita de azeitonas, anchovas, alcaparras e azeite. Muito boa, esta ultima: cremosa e relativamente suave, tendo em conta os elementos que a compõem. Nas entradas, optou-se por um correcto folhado de foie fresco com molho de morilles (12€) e por Escargots (6.80€), aqui, na versão bourguignonne: servidos num recipiente próprio de vários orifícios, tendo em cada um o molusco imerso num saboroso molho de manteiga de ervas, alho e chalotas. Delicioso. Ainda tentei resistir em molhar o pão neste molho, mas Pierre, discretamente, fez questão de sugerir esse acto como obrigatório. A alarvidade com que o fiz é que já não foi da sua responsabilidade e lá pelas quatro da manhã o meu estômago fez questão de me recordar o porquê da gula ser um dos sete pecados capitais. Mas adiante, porque a seguir chegaram os principais, com a escolha a recair no Confit de Pato (12.80€) com batatas assadas e salteadas na sua gordura (muito saboroso, pena que a carne estivesse um pouco ressequida) e no Carré d’Agneau, gratinado de batata e pudim de curgete. Este foi o momento alto da noite, tendo o vão de quatro pequenas costeletas de borrego, devidamente temperadas com ervas aromáticas, sido servido num ponto de cocção perfeito, tal como as batatas do Gratin Dauphinois. Pode parecer estranha esta última referência, mas para quem já fez este acompanhamento, sabe que não é tão fácil quanto parece. Para uma outra oportunidade ficou a intenção de experimentar o Filet de Cabillaud (bacalhau fresco, 14.80€). Como sobremesa e na ausência da Tarte Tatin, que me disseram ser deliciosa, optei por uma tarte fina de queijo Fourme D’Ambert com pêra fatiada (6€). Para quem gosta de acabar a refeição com algo salgado, esta deve ser uma boa opção. Como sou mais de doces e a pêra era um pouco sensaborona, não fiquei satisfeito. Valeu-me ter metido a colher em seara alheia e ter experimentado o Negre en Chemise (4€), um simples creme de castanha com nata que não me parecendo nada de especial, me soube lindamente.

A acompanhar a refeição bebeu-se um tinto da Côtes du Rhônes, (Vacqueyras, 2003 - 16€) com taninos bem apurados a aguentarem bem o embate da refeição. Este vinho foi escolhido entre as cerca de 30 referências portuguesas e francesas (de 12€ a 112€) com várias hipóteses de vinho a copo, o que é sempre de salutar. De lamentar, a temperatura do serviço bem como os copos, inapropriados para a apreciação de qualquer vinho que se preze - mesmo que estejamos a falar de um bistrot. É verdade que existe a possibilidade de pedir um copo mais condigno, se bem que considero que esta deva ser uma obrigação e não uma hipótese que tem que ser requisitada. Tirando este pormenor, que poderá ser resolvido facilmente, a Taverna do Francês é um local que se recomenda a todos aqueles que queiram experimentar uma cozinha francesa mais simples, bem elaborada e por um custo não muito elevado (preço médio com vinho: 30€/35€). Por último, resta-me dizer que o anfitrião, Pierre Marie, é uma pessoa simpática e prestável, longe do temperamento difícil que por vezes encontramos nos seus congéneres, sobretudo na região de Paris.

“ La bonne cuisine de bistrot est proposée à l'ardoise, avec un choix restreint que le patron vous impose. Le bonheur, c'est un endroit où le patron dit: «Aujourd'hui, j'ai fait un navarin d'agneau», et si vous lui répondez: «Je suis au régime», il vous montre la porte…" - Jean-Luc Petitrenaud, in L’Express, 22/8/2005



A Taverna do Francês: Rua das Amoreiras 178 - Torre
Cascais Telef: 214864550



publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 7 de Setembro de 2006