segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Alta cozinha "Low Cost" em Lisboa




Eles estão aí de novo. Ljubomir Stanisic e Henrique Sá Pessoa entram na nova onda da alta cozinha low cost. Lubjomir, depois de fechar o 100 Maneiras em Cascais, transporta-o agora (desde há menos de 2 meses) para o Bairro Alto. Quanto a Sá Pessoa, abriu na 4ªF o seu "Alma", em Santos (na Calçada Marquês de Abrantes). Ambos estão apostados em tornar a sua cozinha acessivel a bolsas menos repletas. 

Foto 1: "grande lata" de Ljubomir ; Fotos 2 e 3: Alma

P.S. sim, a intenção é mesmo esta: fazer um post atabalhoado e sem dar grande informação. Vão lá e digam qualquer coisa. Eu gostei do que vi e do que comi. Ainda falta alguma afinação e, no caso do Alma, maior ousadia. A critica fica para mais tarde

domingo, fevereiro 22, 2009

Oje não há mais conquilhas e amanhã não sabemos *

Com a ultima critica/crónica sobre o Restaurante Ribamar, em Sesimbra, chegou ao fim a colaboração quinzenal que vinha tendo, desde Julho de 2006, com o Oje. A toda a equipa do jornal com quem trabalhei mais de perto e em especial, ao Tiago Cortez e ao Álvaro Mendonça, os (ir)responsáveis pelo convite, os meus agradecimentos.

A partir de agora**, continuarei a escrever sobre o mesmo tema, sem periodicidade definida,
nas páginas do suplemento do Semanário Económico, Outlook, (aos Sábados).

* título adulterado do albúm da Banda do Casaco, "hoje há conquilhas, amanhã não sabemos"

** na verdade começou em Dezembro ultimo

Todos diferentes, algo de iguais

Restaurante Sommer

Quando alguém vende pregos em pão de centeio ao lado de alguém que o faz em pão de mistura e aparece um terceiro que o quer fazer em pão de espelta, pode parecer algo de mau para as partes. Mas se esse factor trouxer uma competição saudável, incrementar hábitos de frequência de uma determinada zona e com isso, mais negócio para todos, provavelmente teremos um cluster sob o lema, “ganho eu, ganhas tu, ganha o país”. Bom, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, mas este exemplo pode muito bem aplicar-se a três restaurantes situados nas imediações do mercado da Ribeira, em Lisboa: La Moneda, Yasmin e Sommer. Todos têm uma identidade própria (quer em termos de decoração, quer em termos do que servem). No entanto é mais aquilo que os une do que o que os afasta. Qualquer um deles dirige-se a um público jovem, urbano, com algum poder de compra e que procura um local com um ambiente a condizer, mas despretensioso.

O Sommer foi o ultimo inquilino estabelecer-se no local e, antecipando desde já a conclusão sobre o que se irá relatar de seguida, merece a visita. A começar pelos cocktails (5€), o ideal para o tempero de um inicio de noite, ou para alento de um final de dia complicado – no meu caso, um Blue Lady Sapphire (Gin Bombay Sapphire, Triple Sec, Limão, Açúcar e Blue Curaçao) cumpriu ambos os desígnios.

Já na mesa e da escolha a partir de uma carta simples (cinco entradas, duas massas, dois risottos, três pratos de peixe e outros tantos de carne) começámos por uma agradável salada de pato confitado com figos marinados em Vinho do Porto e mescla de alfaces (4,90€) – sem grande ciência, mas de elementos bem integrados e sem excessos de doçura. Seguiram-se peixinhos da horta em tempura (4.50€) com a “adulteração”, à japonesa, deste entretém popular luso, a trazer-lhe uma maior leveza e textura estaladiça. Dos pratos principais destacou-se o risotto à Bulhão Pato (14.50€)– amêijoas (e também camarões) envolvidas no arroz arbóreo com o molho típico deste popular prato a fazer a vez do habitual caldo utilizado na sua confecção. Já menos bem conseguido foi o lombo de atum envolvido em sementes de papoila (13.90€): mal passado, como se quer, mas algo sensaborão, sem que os legumes, bem salteados (em versão oriental), tivessem servido de compensação. Das cinco sobremesas disponíveis provaram-se o coulant de chocolate (4.90€) - básico, mas de boa qualidade - e, ainda, uma peculiar tarte de maçã, entre o bolo e a tigelada, acompanhada de gelado de caramelo (3.80€).

No que aos vinhos diz respeito e apesar de no site nos tentarem fazer crer que possuem uma vasta lista, tal facto corresponde mais à prosa do que à realidade. Se a nível de tintos o panorama ainda é aceitável, ao nível dos brancos o cenário é pobre. Mesmo assim foi possível encontrar algo menos obvio, como o branco que acompanhou a refeição, o Guarda Rios 2006 (15€), de um novo produtor Ribatejano, Vale d’Algares.

Por ultimo gostaria de salientar que o serviço (uma falha usual neste tipo de casas) é aqui competente e atencioso.

Preço médio por refeição completa – entrada, prato e sobremesa - 35€ (2 pax)

(Contactos: Rua da moeda 1-K, Lisboa ; Tel: 213 905 558 ; www.sommer.pt)



texto publicado originalmente no suplemento Outlook (Semanário Económico) em 21 Fevereiro 2009

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Para enganar a tempestade

Restaurante Ribamar

Há coisas com que embirro solenemente. Por exemplo, embirro quando ainda estamos a meio de Agosto e as montras nos antecipam o inverno; embirro com dias de chuva a fio e o estado depressivo que isso nos deixa; e embirro com a actual necessidade doentia de actualização permanente sobre a crise - não que devamos esconder a sua gravidade, mas porque parece que existe uma curiosidade mórbida em monitorizar, minuto a minuto, tudo que há de mau, como se o mundo fosse acabar amanhã. Por isso, às vezes apetece-me dizer basta e enfrentar a embirração. Este Sábado meti-me no carro e rumei a Sesimbra para passar o fim-de-semana. Chovia a potes mas isso não me demoveu. Queria à viva força um aroma de Verão ainda que ténue. Para ficar bem com a consciência também pensei que, ao consumir localmente, estaria a dar a minha contribuição para a economia da região.
O destino tinha um nome: Ribamar. Há muito que ouvia falar desta casa, que os guias apontam frequentemente, não só como o melhor restaurante de Sesimbra, mas também como um dos melhores do país.
O marisco e o peixe são normalmente os chamarizes da zona e, aqui, no Ribamar, não fogem ao prato. Mas o que o distingue dos demais está precisamente na oferta, suplementar, de uma cozinha mais elaborada e diversificada. Hélder Chagas, o chefe e proprietário, aprofundou os seus conhecimentos no estrangeiro e, ao regressar a Sesimbra, para tomas as rédeas no negócio da família trouxe o valor acrescentado dessa sua aprendizagem. Por exemplo, a sua sopa rica de peixe (32€, 2 pax) foge ao habitual. No caldo delicioso há notas de açafrão que o enriquece e em nada ofusca a matéria prima que o compõe (vários peixes, camarão, amêijoas e pedacinhos de lagosta); as tostas de pão que acompanham são de uma fritura tão irrepreensível que não deixam vestígios de óleo no prato – do mesmo modo que no creme açafrão para as barrar não se dá pela presença da maionese. Há um duo de vieiras e lavagante (14.85€) na carta que aconselho vivamente: as vieiras são das pequenas e talvez daí o seu sabor acertivo, que em nada as deixa atrás do paladar inconfundível dos pedaços de lavagante – tudo enriquecido com uma redução dos seus sucos. Se possível, ou em alternativa, experimente-se as gambas vermelhas (29,25€, 2 pax -450gr): pequenas, descascadas e passadas pela chapa – um regalo; ou ainda, um salmonete grelhado acompanhado com um molho dos seus fígados. Para terminar não espere encontrar a delícia da avó ou qualquer variante dessa irritante praga. Vá por mim e acabe em beleza com uma trilogia de maçã sob as formas de parfait, de gelado e em fatias finas entremeadas com queijo mascarpone.
Nos vinhos a carta do Ribamar aproxima-se do nível da oferta gastronómica. Existe um espaço climatizado para os guardar em condições; os copos são adequados e os preços variam entre o sensato e o surpreendente, como, por exemplo, os 16€ dados por um Dorado Superior 2006 (pouco mais do que o preço de loja), um alvarinho topo de gama, cheio de personalidade.
Quanto ao serviço, o mesmo é prestado de forma bastante eficiente e cordial, mas gostaria que quem nos serve aprimorasse os seus conhecimentos sobre os produtos e a sua confecção (a cozinha de Hélder Chagas merece-o e há sempre uns chatos como eu que querem saber mais).
Este relato talvez pareça aos olhos de alguns como uma provocação. Mas deixem que vos diga que o preço médio por refeição não tem nada de escandaloso, tendo em conta o que se recebe em troca (35€/40€ com vinho). Se a isto acrescentarmos um espreitar do Verão, o alheamento momentâneo da crise e a contribuição para a economia local – ok, e também, provavelmente para as da Galiza e de Moçambique -, não há que sentir qualquer remorso por momentos de prazer como estes.

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 04 de Fevereiro 2009

Avenida dos Náufragos 29 Edifício Roquete, Loja D - Sesimbra ; Tel: 212 22 34 853 ( http://www.ribamar.com.pt/)

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Fugir ao óbvio, manter a tradição

Restaurante M’Ar de Ar Muralhas

A mesa estava posta à espera que os convidados chegassem. Sobre a mesma, várias iguarias da região provocavam água na boca de quem esperava: queijo de Serpa de meia cura, bom azeite para molhar o pão, presunto pata negra e uns cogumelos boletos salteados. Até aqui tudo normal, podíamos estar num restaurante regional do Alentejo ou até mesmo de qualquer outra parte do país. Mas ao chegar o primeiro prato, canja de peru preto com massinhas e hortelã, já daria para perceber que embora não estivéssemos propriamente num restaurante de cozinha pós-moderna estaríamos, pelo menos, num lugar que não quer ficar pelo óbvio (mesmo quando, numa região como esta, o obvio é muito bom)
O Alentejo tem uma gastronomia fortíssima e a grande maioria de quem procura esta vasta região, em busca dos prazeres da mesa, fá-lo com a mente e o palato focados na cozinha regional de cariz tradicional. E será que entre várias formas de cozinhar caça, fazer migas ou de apresentar uma sopa de poejos, de beldroegas ou de tomate, não haverá lugar para um cozinha mais criativa e com uma apresentação mais cuidada, ainda que assente nos mesmos princípios?
No restaurante do Hotel Mar d’Ar Muralhas (antigo Hotel da Cartuxa), em Évora, onde decorreu este almoço, o Chef António Nobre e a sua equipa fazem por isso. Com a canja de peru preto, António Nobre mostra-nos que nem todo o peru é insípido, que preto não é só o porco de chispe escuro e que nem só de galinha vive a canja. No prato seguinte o mar é convocado à mesa sob a forma de tentáculo de polvo e o Alentejo está patente no salteado em azeite e alho e no tomate assado com orégãos e batatinha nova, que acompanham. À moda das bochechas de porco, o Chef responde com um naco do cachaço do mesmo animal, que ficou noite e dia a cozer lentamente, a baixas temperaturas, para que aquela carne suculenta se pudesse desfazer na boca por entre uma garfada de migas de espargos, irrepreensíveis. Estamos no Alentejo onde imperam os doces conventuais e por aqui respeita-se a tradição, ainda que numa apresentação diferente. Em doses mínimas alinham-se uma sericá com ameixa de Elvas, uma Encharcada do Convento de Sta Clara e uma Sopa Dourada (doce à base de amêndoa e ovos). Para cortar o excesso de ovos e de doçura, um sorbet de limão servido num copo de shot faz o contraponto.
De menos positivo neste almoço esteve apenas a escolha dos vinhos: o polvo merecia um vinho com maior acidez do que o Quinta do Carmo branco 2006, e o Esporão tinto 2003, embora apresentasse ainda alguma vitalidade, já se encontrava longe do seu auge. E será que tudo correu bem por se tratar de um almoço para a imprensa (e afins)? Talvez, mas não creio que alguém aprenda a cozinhar de repente só para impressionar meia dúzia de convidados de Lisboa.
É sempre um prazer poder sair planície fora e reconfortar o estômago e os sentidos num daqueles lugares tradicionais de sempre. Mas sabe também muito bem poder estar num ambiente mais requintado e sossegado onde os produtos e princípios da gastronomia tradicional são valorizados e apresentados de uma forma menos óbvia.


texto publicado originalmente no suplemento Outlook (Semanário Económico) em 31 Janeiro 2009


Contacto: Hotel M’Ar de Ar Muralhas, Travessa da Palmeira 4/6 - Évora ; Telef: 266739300

Mão Justa

Spazio Buondi (O Nobre)

Eles abrem, fecham, mudam-se mas nós damos com eles. Nos anos 90 fizeram fama no alto da Ajuda expandindo-se depois em conceitos diferentes, na época da Expo, pelo Parque das Nações. A expansão foi ruinosa e para recuperar tiveram que navegar no Tejo (num barco restaurante) por conta de outrem. Uma vez recompostos atravessaram o rio e instalaram-se no Montijo onde ficaram cerca de dois anos até que há pouco tempo vieram de novo assentar tachos no lado de cá, junto ao Campo Pequeno, num lugar onde até recentemente funcionou um espaço dos cafés Buondi. Estranhamente, assim como quem quer passar despercebido, o nome e grande parte da decoração moderna e urbana do antigo Spazio Buondi, manteve-se. Seria um pretexto para eles, José e Justa Nobre, abrirem um restaurante especializado em Bife à Café? Não é que não dessem conta do recado mas seria como ter Siza Vieira apenas desenhar copos para Vinho do Porto. Rume-se então até ao Campo Pequeno…
Numa mesa previamente reservada somos recebidos com uma salada de ovas de pescada (que dispensámos), outra de feijão com grão, (cujo o excesso de vinagre ia assassinando o vinho - um belo branco Dona Berta Vinhas Velhas Rabigato 07), bom pão e bom azeite no prato para o mergulhar. Do menu, de clássicos e novidades da cozinha à moda da Justa (a base é bem portuguesa mas sem receios de atravessar fronteiras), pede-se, de entrada, peixinhos da horta – saborosos e leves, de polme bem trabalhada. À falta da fabulosa sopa folhada de crustáceos (que não havia nesse dia), acolhe-se a sugestão de um lombo de dourada com cinco legumes. Trata-se de uma derivação do famoso Robalo à Justa, assado em papillote: bom produto, excelente ponto de cocção, tanto do peixe como dos legumes. Mas a mão mestra da Justa – aquilo que a distingue, pela excelência, dos apenas bons cozinheiros - revela-se no folhado de caça brava (o epíteto “brava” parece redundante mas entende-se dada a quantidade de caça de aviário que há por aí). A massa é trabalhada impecavelmente (quase que arriscava dizer que se pode comer um quilo sem ficar com azia) e o recheio é aprazível não apenas porque é rico mas porque a tal mão é exacta no tempero. Com esta sustentável leveza do ser, fica espaço para a sobremesa. Neste campo as farófias continuam mais do que aconselháveis e o leite-creme, uma das minhas fraquezas, de nível superior (a castanhada com nozes terá que esperar por outra ocasião).
A política de vinhos, com uma carta com boas opções, a preços sensatos, servidos em copos adequados e a temperaturas correctas, ajudam a valorizar ainda mais a refeição - tal como o serviço profissional e afável. Ah! O descafeinado não é nada mau (e presumo que o café também não o seja), mas haverá mesmo necessidade de manter o nome Spazio Buondi?

(preço da refeição descrita: 80€, duas pessoas)

texto publicado originalmente no Outlook (Semanário Económico) em 27 Dezembro 2008


Contacto:Avenida Sacadura Cabral 53 B (ao Campo Pequeno), Lisboa ; Telefone: 217970760