quinta-feira, abril 05, 2007

Nação Justa e Valente

Restaurante O Nobre

Nos dias de hoje é recorrente em qualquer texto que se escreva sobre o casal Justa e José Nobre falar-se pela epopeia que passaram nos últimos 10 anos. Poupo-vos de repetir a ladainha e resumo o assunto referindo-vos que existiram duas eras: a era DNA (durante o Nobre da Ajuda) e a era ANA (Após o Nobre da Ajuda). O primeiro caso está ligado à ascensão desta casa que viria a culminar numa das grandes referências gastronómicas da Lisboa dos anos 90. Movidos pelo prestígio e pelo sucesso criado neste espaço, em conjunto com outro sócio, embalaram numa expansão que viria a ser ruinosa (Nobre Buffet, Marina Tapas…). Após alguns anos de recobro, recentemente, atravessaram o Tejo e instalaram-se no Montijo, junto à praça de Touros. A envolvente não é a mais sugestiva mas o espaço está muito bem conseguido e uma vez lá dentro, esquecemo-nos facilmente do exterior descaracterizado. Não sendo um local para todas as bolsas, existem por aqui várias hipóteses (e conceitos) de escolha que podem proporcionar um bom repasto por 20€ ou uma excelsa refeição a partir de…vá lá, 40€. No almoço que lá fizemos, no dia 24 de Março, por entre uma ou duas dezenas de várias propostas de cozinha portuguesa à moda da Justa (o termo é meu) existia um buffet de 5 bacalhaus diferentes (16.80€). Mas o que me levou lá foi a memória do lombo de robalo à Justa, comido em outros tempos na tal era DNA (sim, também tenho direito a ser saudosista). Por isso, após uma breve vista de olhos pela carta, a atenção deteve-se nas especialidades da casa. Daí talvez que não tivesse ligado muito às entradinhas já expostas na mesa: carapaus de escabeche (3.80€), salada de mexilhões (3.9€), e, já enquanto petiscávamos, umas fatias de pão de mistura torrado com manteiga e alho (1.30€). Ainda bem que não me estiquei muito porque o que estava para vir, merecia toda a disponibilidade gástrica e sensorial. E o festim começou pela sopa de crustáceos em massa folhada (7.80€). Excepcional é o mínimo que consigo escrever (ia escrever Excepcionalíssissimérrimamente fantástica, mas percebi eram escassas as hipótese da Dulce, a revisora do Oje, deixar passar este pontapé na gramática). Não perguntei como se fazia, mas penso que não andarei longe se referir que se trata de uma espécie de vichyssoise (sopa a base de natas e alho francês) à qual são acrescentados os crustáceos ainda crus, sendo tapada com a massa folhada e levada ao forno na taça onde depois será servida à mesa. O que acontece é que a massa folhada ao insuflar cria um ambiente de estufa onde o marisco irá cozer. O prazer de romper aquele belo aparato e apanhar de chofre com o bouquet de aromas, só é superado, pelo prazer alcançado de quando se faz passar pelas pupilas gustativas todos aqueles elementos, reunidos numa colher. Igualmente boa, mas menos exuberante, estava a sopa de santola (5.80€) servida na própria casca, sobre um monte de sal. Com a fasquia tão elevada logo de entrada, temia-se que as propostas seguintes ficassem ofuscadas. Tal receio dissipou-se mal chegaram, o lombo de robalo à Justa (21.80€) e a perninha de cabrito (19.90€). No primeiro, o lombo cozido em papilhote com ervas aromática e pimenta vermelha, chegou primordialmente no ponto e o uso de temperos, embora assertivo, não encobriu o sabor do peixe. Já o esparregado como acompanhamento, parece-me dispensável, uma vez que quem deve brilhar por ali deve ser o peixe (a excelente batata primor e a cenoura, ambas cozidas, parecem-me suficientes a acompanhar). Quanto ao segundo prato para não me tornar repetitivo digo-vos apenas, com muita tranquilidade, que é de chorar e pedir por mais!
Para assentar a refeição e ajudar-nos a regressar à terra, vieram umas boas farófias (3.10€) e uma refrescante sopa de morangos com gelado de nata (4.90€).
No que diz respeito à carta de vinhos é de enaltecer os preços sensatos e a actualização da mesma - situação que não se verifica em muitas outras casas clássicas. A refeição foi acompanhada pelo Madrigal Branco 05 (28.5€, como vinho da semana), cuja a temperatura não deveria ser servida abaixo dos 10 graus, de forma a não se perder o carácter aromático da casta Viognier, e pelo novo Diálogo tinto 05, da Niepoort, (3.5€, o copo), a acompanhar o cabrito. De enaltecer ainda o serviço amável e correcto, sempre acompanhado de perto, mas com descrição, pelo anfitrião, José Nobre.

Se associarmos a utilização equilibrada de produtos de qualidade ao bom domínio da técnica e uma mão mestra no tempero, temos por certo uma cozinha de qualidade num restaurante deste género. Mas tal não basta para o tornar numa referência. Para isso é necessário mais. É necessário um certo “je ne sais quoi” ou intuição, se quiserem, só ao alcance de alguns. Como da Justa, por exemplo.


Contactos: Avenida de Olivença (Junto à Praça de Touros), Montijo ; Telf: 212317511

publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 5 de Abril de 2007

Sem comentários: