quarta-feira, setembro 12, 2007

Hard Food Café

Restaurante Espaço Açores

É possível escrever uma crítica sobre um restaurante de cozinha regional baseando-nos em conceitos gerais, ou seja, sem o conhecimento específico desse tipo de cozinha? Talvez não seja a situação ideal, mas creio que há determinados critérios que não são assim tão diferentes, sobretudo na cozinha ocidental. Isto vem a propósito da refeição que fiz na semana passada no Espaço Açores. A minha experiência prévia com a gastronomia das ilhas resumia-se a uma semana passada em S. Miguel, há mais de 10 anos, e de duas visitas ao Bambino D’ouro, o anterior restaurante do actual proprietário deste espaço. Do primeiro caso, a memória reteve uns filetes da Abrótea e um bom arroz de lapas. Já no segundo caso, recordo-me do “peso” de uma Alcatra à terceirence e de um polvo guisado.
O restaurante situa-se na parte superior do novo mercado da Ajuda e trata-se de um espaço moderno em que foram utilizados elementos e materiais que evocam as ilhas. Percebe-se que houve a intenção de dar ao lugar uma certa sofisticação, mas numa perspectiva acolhedora. Numa mesa espaçosa e bem atoalhada esperavam-nos, ao sentar, bom pão, um agradável couvert de quadradinhos de queijo de S.Jorge, azeitonas e manteiga (1.5€/pax) e queijo fresco com malagueta (1.55€) - com este segundo elemento a esmagar completamente o primeiro. Entre as variadíssimas opções, muitas delas a necessitarem de descodificação (informação prestada pelo responsável da casa – mais contido do que me recordo, quando estive no Bambino D’ouro, mas com uma certa sobranceria que chega a tornar-se um pouco irritante), escolhemos de entrada, umas lapas na grelha (15.90€) e, nos principais, torresmos com feijão assado (8.90€), linguiça com inhame (8.90€) e filetes de peixe-porco (10€). As lapas, embora demasiado rijas (talvez por excesso de grelha), estavam boas de sabor, com um toque de manteiga a casar bem com o característico paladar marítimo. Gostei também dos torresmos (equivalente ao entrecosto continental), enxutos e bem temperados, mas nem por isso da companhia do feijão assado – pesado e enjoativo à terceira garfada. No prato seguinte, registei a boa combinação entre uma linguiça de qualidade, o inhame e um tipo de pão, que suavizavam o sabor forte do enchido, servido numa quantidade surreal (era preferível ter este prato como petisco de entrada). Em relação aos filetes de peixe-porco, o envolvimento em pão ralado, tipo costeleta panada, até pode ser tradicional, mas valoriza muito menos o peixe do que a mais neutra polme à base de farinha. Também não ajudou o facto do arroz ter vindo cozido de mais. Para acabar, de sobremesa, a opção recaiu no doce de vinagre (3.35€) – agradável mas de consistência talhada a atirar para o granulado. Provei ainda uma espécie de tarte de queijo da ilha (3.35€) que comecei por estranhar (devido ao sabor demasiado presente do queijo) mas que acabou por agradar.
Nos vinhos, se exceptuarmos a presença de algumas marcas açorianas, a carta é bastante previsível incidido sobretudo nas referências mais convencionais. Os preços são os normais de restauração e os copos, correctos para os tintos, mas desadequadamente pequenos para os brancos. Bebeu-se um branco dos Açores, Terras da Lava 06 (12.5€), que acompanhou bem as lapas, e um tinto do Dão, Quinta dos Roques 05 (13€), para as carnes.
Por ultimo, fomos atendidos de forma simpática e profissional qb, com uma ou outra falha característica de noite de azáfama – sobretudo em termos de timings.
É de salutar o esforço que é feito aqui na divulgação da gastronomia e dos produtos açorianos - existe naturalmente um público para esta cozinha mais pesada, como foi possível comprovar pela casa cheia no dia em que lá estivemos - mas independentemente de se gostar ou não de determinados ligações ou acompanhamentos, existem pormenores de confecção que são universais e não locais. E neste aspecto, existiram algumas falhas que devem ser corrigidas.

(preço médio por uma refeição completa, com entrada, prato e sobremesa: 30€/pax, com vinho).

Contactos: Largo da Boa Hora Loja 19 Mercado da Ajuda - Lisboa ; Telefone: 213640881 (www. espacoacores.com/)

publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 12 de Setembro de 2007

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