Restaurante O Jacinto
Numa grande cidade, alguns bairros funcionam um pouco como numa vila do interior do país. Temos os nossos lugares de preferência: a mercearia, o café, o quiosque, o sapateiro e como não deveria deixar de ser, o restaurante. Quando este atinge um determinado patamar é natural conseguir ultrapassar as barreiras geográficas e tornar-se conhecido fora dessas fronteiras, mesmo que não seja necessariamente um caso sério. O Jacinto, situado numa vivenda, na zona mais antiga de Telheiras (nas traseiras do colégio Alemão), pode ser um exemplo do que acabo de referir. É um local com pratos regionais mas não pretende ser um restaurante regional. Por isso é natural encontrarmos na carta soluções de proveniência indiferenciada, do agrado geral - como é o caso de uns ovos com farinheira ou do folhadinho de queijo cabra com mel - bem como propostas correntes ao sabor dos tempos de hoje - como a picanha ou bife argentino. Mas o Jacinto não é propriamente um local popularucho, antes pelo contrário. Apresenta mesmo um certo requinte visível não apenas na decoração, mas também no cuidado posto à mesa, quer nas toalhas e guardanapos de pano, quer nos copos de vinhos – de fazer inveja a alguns dos seus congéneres ditos de primeira.
Tal como é comum noutros locais do género, também aqui nos colocam na mesa uma série de entradas frias não solicitadas, bem como nos propõem outras, quentes, no momento. Apesar deste expediente de me irritar um pouco, percebo que a coisa é do agrado de muitos e, por isso, resta-me pedir para retirar o que não quero. Em teoria, porque na prática reajo logo ao estímulo, qual cãozinho de Pavlov esgazeado de fome. Foi assim que comecei por me atirar a uns cogumelos com presunto (5€) que sem deixar memória acabaram por cumprir o instinto mais básico. Melhor, a salada de polvo (4.50€): bem temperada, com o polvo bem tenro e sem vestígios de goma gelatinosa como por vezes apanhamos por aí. Ainda antes dos pratos principais aceitou-se um folhadinho de queijo cabra com mel (5€), bom tanto no invólucro como no recheio, embora mel o atirasse mais para pré-sobremesa. Já com as papilas gustativas e o aparelho digestivo devidamente oleados, chegaram a Açorda de bacalhau com espargos (13.5€) e um cabrito com arroz de miúdos (14.60€). A açorda estava saborosa e bem ligada e a associação com os espargos verdes funcionou bem (pena o facto do bacalhau se apresentar ligeiramente seco). Já o cabrito esteve aceitável mas longe de causar grandes emoções (sendo que o arroz de miúdos como acompanhamento, torna redundante a presença da batata assada). Chegados à sobremesa deixámos de parte a doçaria conventual alentejana (encharcada, pão de rala…) para nos centrarmos na original carta de gelados (2.50€, cada bola) de onde foram escolhidos os sabores de tangerina, tomilho e vinagre balsâmico, de entre outros, como o de poejos, caipirinha ou cerveja preta. Excelentes, completamente fiéis aos sabores naturais de proveniência e de textura cremosa perfeita.
Como é hábito, deixo para ultimo a referência aos vinhos e ao seu serviço, embora pudesse ter começado por aqui, dado que considero ser este o grande trunfo da casa. A carta, da responsabilidade do critico de vinhos Aníbal Coutinho, é muito completa e actual, com tudo o que de mais interessante se faz e comercializa por cá e a preços muito aceitáveis. De aplaudir ainda o facto de se poder pedir, a copo, qualquer vinho da lista (pelo o preço de 1/5 do da garrafa). Foi o que fizemos, ao acompanharmos a refeição com um Baron de B 05, branco (3.5€/copo) e um Herdade das Servas, Touriga Nacional 04, (5€/copo), servidos à temperatura correcta (é sempre bom referir esta questão, porque infelizmente não é muito comum acontecer).
Com esta boa aposta no serviço de vinho e com um pouco mais de mão na cozinha, o Jacinto tem pernas para atravessar as fronteiras do bairro e tornar-se um bom restaurante lisboeta. E, segundo consta, ambição não falta aos seus proprietários dado que, ao lado, algures no primeiro semestre de 2008, vai nascer um novo espaço onde o conhecido chefe Luís Baena vai dar azo à sua criatividade.
(preço médio por uma refeição completa com entrada, prato e sobremesa: 30/35€, pax, com vinho).
Contactos: Avenida Ventura Terra, 2 (Telheiras)- Lisboa ; Telefone: 217591728
publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 21 de Novembro de 2007
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3 comentários:
caro critico desconhecido
ao ler a sua critica ao restaurante O Jacinto, do qual já sou cliente ha mais de 30 anos nao posso deixar de lhe dar a minha opiniao ( que vale o que vale ) referente ao que escreveu no jornal o sol e aqui no seu blog.
antes de mais deparo me que ambas as noticias nao sao iguais o que me parece estranho
sempre que me desloco ao jacinto tenho que fazer varios km e com imenso prazer pois sei que nao vou ao restaurante de bairro mas sim a um restaurante com 40 anos de existencia ( quando ainda nao havia bairro) que ainda hoje se mantem com elevado nivel de serviço e uma gastronomia de qualidade sem pretençoes a estrelas ou notariada de postiça ....
sempre comi bem sem nada a apontar....
quanto aos vinhos já ha muito que a garrafeira é fantastica ao qual vou referir que desde a entrada do dito enolgo que pouco vejo as referencias diminuiram bastante privando a escolha.
Caro Anónimo,
Agradeço o seu comentário. Não me parece que o que escrevi esteja em grande dissonância com o que aqui refere.Em relação à carta de vinhos (e não conhecendo como era antes desta ser da responsabilidade de Aníbal Coutinho) não posso deixar de achar curioso que perante a grande e variada oferta que nela consta, se sinta bastante privado em termos de escolha. Pelos vistos é bastante mais exigente neste campo do que em relação ao que come, já que nunca teve nada a apontar ao longo dos 30 anos que frequenta o restaurante.
P.S. quanto ao facto do texto do jornal não ser igual ao do blog, talvez aconteça porque o mesmo não foi publicado no jornal que refere (Sol), mas sim no Oje. E este, garanto que é pelo menos 99% igual.
Lo sabroso (en materia de gastronomia) comienza en Vilar Formoso.......
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