quinta-feira, dezembro 20, 2007

Ramalhete composto com espinho de fora

Restaurante Flores

Já várias vezes passei pelo Bairro Alto Hotel e me perguntei porque razão se lembraram de colocar o restaurante no piso térreo, quase ao nível da rua, assim numa espécie de semi-cave. Não haveria um local mais condigno neste fantástico edifício do Século XIX inteiramente ocupado pelo Hotel?
A única vez que aqui tentei vir acabei por anular a reserva ao descobrir, à ultima da hora, que essa seria a ultima semana em que, o até então Chef, Henrique Sá Pessoa, estaria de serviço e que por isso não fazia muito sentido estar a escrever sobre algo que o leitor não iria provavelmente encontrar (nessa altura ainda tinha a ilusão de que alguém lia e dava importância ao que escrevia). Passado quase um ano e já sobre a batuta de um novo maestro, o Chef Luís Rodrigues, chegara a altura fazer a apreciação a este lugar.
Antes de mais nada importa repor a verdade sobre o que referi no início deste texto, sobre o local. De facto, para quem vê de fora, parece uma espécie de semi-cave. Felizmente que o mesmo não acontece quando estamos lá dentro. O pé direito alto e a disposição das mesas transmitem conforto a este espaço. Mas o importante mesmo é que por ali se pratica uma cozinha de autor de inspiração portuguesa, bem conseguida, ainda que aqui ou ali existam pormenores que podem ser melhorados. Pelo menos, foi esta a impressão com que fiquei após a degustação do menu do Chef (45€), numa destas ultimas sextas-feiras.
Começo por dizer que gosto de um sítio que me mima logo de início com vários tipos de bom pão e bom azeite para o molhar. Depois, ao trazerem como oferta do chef algo que podia ser uma óptima entrada (“ouriço” de morcela com creme de pimentos e grelos salteados) e não um mero entretém de boca, deixaram-me logo bem impressionado.
No primeiro prato, o nível manteve-se, com um creme de poejos bem apaladado pelo alho confitado, em contraste com uma fresquíssima “noz” de sapateira. O prato seguinte - risotto de queijo cabra, nozes e framboesa, com redução de mel e vinho tinto - foi o único que me deixou desconcertado. Considerei-o, se não um erro de casting, pelo menos um erro de timing, dado a doçura do seu conjunto, mais apropriado como pré-sobremesa (desconcertante mesmo foi explicação do prato, ao ser apresentado como um risotto de mel, framboesa e nozes, com redução de queijo cabra (!) - mesmo que se visse que aquela redução escura jamais poderia ser de queijo cabra, já para não falar da ínfima probabilidade de se poder fazer uma redução tendo este ingrediente como base). De seguida chegou-nos o prato de peixe, Garoupa em azeite virgem sobre ragout de legumes e redução da caldeirada. Excelente a ideia, saboroso conjunto, apenas traído por um peixe para lá do ponto de cocção ideal (demasiado tempo debaixo da salamandra?). Ainda neste sector do mar, tive oportunidade de experimentar, de prato alheio, um notável rodovalho (este sim, no ponto) com puré de couve-flor, antes de seguirmos para a carne, com um simples e aprazível lombinho de porco preto sobre puré de avelãs que, na verdade, se tratava de uma esmagada de batata com pinhões. Aqui apeteceu-me chamar a empregada e dizer-lhe que se não tem muita noção do que está a servir, pelo menos que decore convenientemente o nome e os componentes de cada prato. Sobretudo, se tiverem em conta que o menu do chefe não vem previamente definido na carta e que por isso quem fica à sua mercê não tem nenhum apoio escrito. Mas mais uma vez o Dr. Jekyll (comida) sobrepôs-se ao Mr. Hyde (serviço) e fomos premiados, como uma fresca sopa de melão e ragout de frutas, para limpar o palato e, de sobremesa, com uma original torta de romã com gelado de cereais e creme de laranja, numa perfeita combinação entre doçura e acidez.
A acompanhar a refeição, a opção recaiu no branco, Encruzado 2006, da Quinta dos Roques (20€), vinho que ombreou bem com todos os pratos, inclusive com o de carne.
Em jeito de conclusão, é justo enaltecer o trabalho ao Chef Luís Rodrigues, pela concepção e execução gastronómica. Mas, de futuro, espera-se que possa ser providenciado um serviço mais competente para que no final, ao pagar-se 57€/pessoa, por um jantar como o que foi descrito, possamos sair inteiramente satisfeitos.

Contactos: Rua das Flores 116 (Bairro Alto Hotel), Lisboa Telefone: 213408252 http://www.bairroaltohotel.com

publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 19 de Dezembro de 2007

1 comentário:

Anónimo disse...

vamos lá hoje... depois deixo o meu comentário ;)

bjs
Greggio