quarta-feira, abril 23, 2008

Boca doce com travo amargo

Restaurante Bocca


Na restauração, tal como nos vinhos, fico sempre surpreendido quando surgem no mercado novos intervenientes que, de forma audaz, entram logo nivelando o preço por cima. É preciso estar muito certo e confiante no trabalho apresentado para que essa audácia não se transforme num bluff aos olhos do consumidor.
Foi esta a dúvida que tive ao ver a carta do restaurante sobre o qual aqui escrevo hoje.
Tudo começou com um email de um amigo a perguntar-me se já conhecia este local. Cliquei no link do site que vinha em anexo e naveguei um pouco por ali. Achei carote, mas fiquei suficientemente bem impressionado com cartão de visita, de modo que o coloquei na shortlist de locais a visitar. Na semana passada cumpri o desígnio e vim a este local de ambiente urbano, sofisticado e descontraído, composto por três salas, sendo uma delas para fumadores. Ao contrário do que o nome possa sugerir, o Bocca não é restaurante italiano, mas sim um restaurante de cozinha de autor. Na carta assinada pelo Chef Alexandre Silva nota-se a intenção de utilizar determinados produtos top, nomeadamente portugueses. O preço, em média, elevado, criou-me alguma expectativa, ainda para mais por ser a primeira vez que estava a ouvir falar deste Chef (falha minha, provavelmente).
O desafio começou com um simpático entretém de boca, um shot de queijo brie com creme de espinafres, acompanhado de um cannoli com uma erva aromática no meio. Sabores harmoniosos que prepararam a boca para o prato de entrada: no meu caso, um creme de ervilhas com flan de parmesão e telha de pata negra e, para quem me acompanhava, Vichyssoise de salsa com bacalhau fresco escalfado (8€, cada). Bom, o creme de ervilhas: aveludado, bem apaladado, a conjugar-se bem com a telha crocante de pata negra e com um agradável flan à base de parmesão a dar uma grande mais valia ao conjunto. A Vichyssoise, embora menos interessante pareceu-me correcta, ligando bem com um suculento, bacalhau fresco escalfado a baixa temperatura.
Nos pratos principais o risotto negro com sahimi de choco (15€) ainda nos fez vacilar mas acabámos por nos render aos prazeres da carne, deixando também de lado as duas massas da lista, bem como qualquer uma das quatro propostas de peixe. Assim, optámos pela perna de cordeiro de leite com alecrim, estufado de castanhas e cogumelos cantarelos (30€), e peito de pintada (que por acaso até era perna) com risotto de boletos (20€). Não questiono a agradabilidade de ambos os pratos, nem a utilização, neles, de produtos nobres de qualidade; ou ainda a forma correcta como estavam confeccionados. No entanto, nenhuma das propostas estava de louvar aos céus de forma a justificar o seu preço (sobretudo a perna de cordeiro). Ainda assim, até aqui, a refeição esteve uns bons pontos acima da média. Mas viria a baixar, com as sobremesas. A sopa de frutos silvestres com gelado de requeijão e crumble de avelã (7€) ainda se safou, mesmo que o crumble, crocante por natureza, perdesse essa textura ao vir afogado na dita sopa. Já a outra sobremesa, de nome tão extenso como o do representante de uma casa real - geometria de ananás marinado em calda de açafrão, com geleia de coentros e hortelã, espuma de coco, sorbet de figo (9€) – parecia uma salganhada de sabores sem grande coerência. A calda de açafrão até conferia um sabor interessante ao ananás, que por sua vez até costuma ligar bem com coco, não fosse a dita calda... Já o sorbet de figo pareceu-me completamente deslocado e a geleia, nome dado a uma gelatina, só veio trazer uma maior confusão de sabores.
No campo dos vinhos, a escolha pareceu-me muito completa e com a agradável surpresa de quase todos poderem ser pedidos a copo, o que torna mais aceitável os preços (elevados, embora não escandalosamente) das garrafas. Bebemos, com as entradas, o branco D. Berta rabigato 2006 (6€, a copo) e com os pratos principais, o tinto Covela Seleccionada 04 (26€), servidos em bons copos e à temperatura correcta.
O serviço foi eficiente e correcto.
No cômputo geral a experiência seria positiva se não fosse o preço final, desajustado à oferta.
(Preço médio por refeição completa, 45€/50€,pessoa, com vinho).

Contactos: Rua Rodrigo da Fonseca 87D – Lisboa. Telefone: 213808383 (www.bocca.pt)

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 23 de Abril de 2008

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