Restaurante Painel de Alcântara
Os portugueses adoram coisas que incluam melhor, maior e tipo. O melhor bife de Lisboa, o maior centro comercial da Europa e cerveja tipo pilsner, ou queijo tipo serra são alguns dos exemplos. Vem isto a propósito de ter estado recentemente no restaurante que dizem ter o melhor cozido de Lisboa (em rigor um crítico evita escrever “o melhor” mas sim, “um dos melhores”. Desta forma não se compromete em demasia, não vá alguém ler o que opina e enviar-lhe uma tese de doutoramento que prove o contrário). Eu podia confirmar porque já o degustei por diversas vezes. Mas desta vez prefiro afirmar que o Painel de Alcântara é, dentro dos restaurantes populares da capital, um dos que tem os melhores pratos do dia e, em simultâneo, uma das ementas fixas mais desinteressantes.
Mas o Painel não é daqueles restaurantes que basta marcar e aparecer à hora marcada, sobretudo se estivermos a falar de um Sábado à noite. É aconselhável dominar alguns truques para que uma refeição seja muito boa em vez de ser só assim-assim. Esses truques passam por reservar determinado prato especial, ou perguntar pelos vinhos que não estão na lista. Na semana passada, das duas vezes que lá jantei, a primeira, numa 2ªFeira, foi de excelência. A segunda, no Sábado, embora agradável foi de alguma irritação. Na 2ªFeira fui brindado por uns pastéis de bacalhau de antologia (proporção equilibrada entre batata e bacalhau; fofos por dentro e estaladiços por fora, numa fritura impecável) acompanhados por um bom arroz de grelos, malandrinho. Experimentei ainda o outro prato do dia, que esteve ao mesmo nível: um arroz de cabidela com boa galinha e o arroz carolino envolvido pelo suco escuro avinagrado característico deste prato. Já no Sábado, quando voltei com o intuito de escrever esta critica, uma certa frustração apoderou-se de mim. Apesar da marcação para as 20.30h e de termos chegado a horas (ok, com os 15 minutos de atraso da pontualidade típica portuguesa), já não existiam dois dos quatro pratos do dia: o célebre cozido e o cabrito assado à padeiro (ambos 19€, meia dose bem familiar). Ou melhor, existiam para quem tivesse reservado, daí a minha frustração, que ia aumentando à medida que ia vendo passar à minha frente, travessas de cozido e de cabrito com um aspecto de fazer salivar até um doente em coma. Ora é claro que por mais saboroso que estivesse o que acabámos por pedir, a inveja pela mesa da vizinha acompanhou-me ao longo da refeição. E quais eram as alternativas? Do dia: filetes de pescada com arroz de marisco e arroz de tamboril com gambas (15€, meia dose). Curiosamente estes pratos faziam também parte da ementa fixa onde constavam ainda um caril de gambas, umas lulas à sevilhana e um arroz de garoupa, nos peixes; e 8 tipos de bifes e afins, nas carnes (como diria a personagem de animação, Homer Simpson: boring!). Depois de vários minutos de indecisão, porque continuava não conseguir viver com a ideia de ter uma travessa daquele cabrito de aspecto divinal a menos de meio metro e ter que optar por algo daquela lista desinteressante, lá fiz um esforço e pedi um arroz de tamboril que até veio bem apaladado, bem trabalhado e generoso no conteúdo (mas o cabrito da mesa vizinha…). Provei também o bife à café (12.50€, meia dose), na versão equívoca, e algo desagradável: com café, o que é uma adulteração da receita original, dado que o cognome “à Café” não vem da utilização desse ingrediente na sua confecção mas sim de ter sido uma especialidade de um popular café do início do século passado, o Marrare das Sete Portas. Dos acompanhamentos, o esparregado era digno desse nome ao contrário das batatas fritas que deixaram algo a desejar. A caminho das sobremesas e já mais anestesiado pelo Esporão branco reserva 07 (15.50€) fui ficando resignado, embora as travessas de cabrito continuassem a passar-me à frente dirigidas por empregados eficientes e bem dispostos, num caos controlado de mesas apertadas e comensais barulhentos. Para adoçar a boca a tarte de requeijão (3€) e a mousse de caramelo (3.5€) cumpriram a função com competência, embora esta última viesse demasiado líquida.
Uma nota final negativa para os vinhos cujo a carta é de uma negligência atroz: paupérrima em termos de brancos, vários esgotados e desactualizada em termos de novas opções - constando apenas as marcas mais óbvias e antigas. Até podia ser uma opção da casa, mas tal não se verificou quando, depois, o empregado nos referiu vários que não estavam na lista, sendo todos mais recentes. Reconheço que ainda devo estar com uns resquícios de irritação. Caramba, é que naquele dia apetecia-me mesmo o cabrito assado à padeiro…
(Preço médio por refeição completa com vinho 25€/30€)
Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 12 de Novembro 2008
Contactos: Rua do Arco 7/13 - Lisboa Telefone: 213965920
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Arquivo do blogue
-
►
2009
(22)
- ► junho 2009 (1)
- ► abril 2009 (3)
- ► março 2009 (6)
- ► fevereiro 2009 (6)
- ► janeiro 2009 (4)
-
▼
2008
(39)
- ► dezembro 2008 (2)
- ► outubro 2008 (5)
- ► setembro 2008 (2)
- ► julho 2008 (3)
- ► junho 2008 (3)
- ► abril 2008 (6)
- ► março 2008 (6)
- ► fevereiro 2008 (1)
- ► janeiro 2008 (2)
-
►
2007
(43)
- ► dezembro 2007 (4)
- ► novembro 2007 (2)
- ► outubro 2007 (3)
- ► setembro 2007 (4)
- ► agosto 2007 (1)
- ► julho 2007 (4)
- ► junho 2007 (5)
- ► abril 2007 (4)
- ► março 2007 (4)
- ► fevereiro 2007 (3)
- ► janeiro 2007 (5)
-
►
2006
(47)
- ► dezembro 2006 (5)
- ► novembro 2006 (12)
- ► outubro 2006 (6)
- ► setembro 2006 (5)
- ► agosto 2006 (4)
- ► julho 2006 (15)
3 comentários:
Miguel: nem imaginas a quantidade de vezes que eu discuti por causa do bife à café. Ninguém acredita na versão verdadeira. Quase toda a gente está convicta que é mesmo o bife com a porcaria desse molho com café. Até há restaurantes que apresentam o prato como grande especialidade da casa ... "o famoso bife à café" ... e há pessoas que lá se deslocam para o comer. A língua portuguesa pode ser enganadora mas a língua dos portugueses também se deixa enganar. Abraço, Nuno Santos
Nuno, o problema é que a coisa não é completamente pacífica. Por exemplo no livro do Alfredo Saramago, "Cozinha de Lisboa e Seu termo" (Assirio&Alvim) há um bife à café que leva natas e café. Já Maria de Lourdes Modesto no livro "Cozinha Tradicional Portuguesa" (Verbo) refere-se a ele como a versão popular do bife à Marrare (sem café adicionado).
Miguel, se eu daqui a uns anos escrever um livro sobre os bifes tradicionais de Lx certamente terei de incluir o desastre dos bifes à café com café. Já são tantos os restaurantes que os servem... O que interessa é o "bife à café" que se celebrizou. E sinceramente não acredito que tenha sido um bife com um molho que anula completamente o sabor da carne e respectivo acompanhamento. De qualquer forma, vou também investigar. A autoridade desse Saramago nunca me convenceu. Vou ver o que diz o Quitério no Livro de Bem Comer? Acho que tem um capítulo sobre bifes de LX. Abraço e boa viagem (a esse continente de café onde podes comer bons bifes sempre sem café), Nuno
Enviar um comentário