sexta-feira, agosto 25, 2006

Uma refeição memorável no lado de lá do Guadiana

Altair

Existe por vezes a ideia, entre gourmets, que para se atingir o Olimpo gastronómico é necessário percorrer o país vizinho até chegarmos à Catalunha ou ao País Basco. De facto, é nestas duas regiões que se concentram todos os 5 restaurantes de Espanha galardoados com as famosas três estrelas Michelin (El Bulli, Can Fabes, Sant Pau, Arzak, Martín Barasategui). No entanto, sem chegar a esse nível de excelência, mas com um padrão de qualidade bastante elevado, temos aqui bem mais perto, na Extremadura, algumas propostas bastante interessantes em termos de cozinha contemporânea: o Aldebarán em Badajoz (uma estrela), o Átrio em Cáceres (duas estrelas) e o Altaír, em Mérida (uma estrela). Foi precisamente este último, na margem esquerda do Guadiana e com vista para a ponte de Calatrava, que nos proporcionou um excelente jantar com alguns momentos de genialidade. Diga-se de passagem que estes momentos não aconteceram devido à complexidade de ingredientes de um qualquer prato ou de um qualquer truque de magia. Antes pelo o contrário, foi a simplicidade de um “bacalao y patata trufada” e de uns “lagostinos fritos com pera y espinaca” que nos deixaram desarmados. Aliás, simplicidade é o termo adequado para nos referirmos aos pratos do menu degustação que foi a opção escolhida (57€):

La Lengua – de cerdo ibérico con ensalada verde ; El Huevo – escalfado co espárragos y leche fermentada de cabra ; Los Lagostinos – fritos con pera y espinacas ; El Bacalao - y patata trufada ; La Codorniz – en consumado ; El Queso de la Serena – helado con mango y maracuyá ; La uva – moscatel helada con zanahoria.

Para abrir o apetite, um gaspacho com melão, ovo de codorniz e nacos de “cerdo ibérico” que serviu para apurar os sentidos ao que se seguiu. E a dar inicio à sinfonia veio a língua de porco ibérico. Provavelmente estará a fazer uma cara de desdém. No entanto, se lhe disser que se trata de uma carne macia, saborosa e que se desfaz na boca com facilidade, talvez deixe de visualizar um prato de língua de vaca estufada. Se ainda lhe disser que a mesma é recheada com foie gras, acredito que já esteja a ver no mapa onde fica Mérida. De seguida, o ovo com espargos poderia ter sido “apenas” uma clássica associação entre estes dois ingredientes não fosse o leite fermentado de cabra, onde ovo é escalfado, transmitir-lhe um sabor marcado mas sem desequilibrar o conjunto. Ao entrarmos mar adentro, chegou-nos “Los lagostinos”, um saborosíssimo camarão envolvido numa espécie de crepe de polme frito, contrastado na perfeição com o cítrico de um creme de limão açucarado e de uma espuma de lima. A suavizar as emoções, uns espinafres salteados com pêra. Ainda nos estávamos a recompor quando nos foi colocado o bacalhau com batata trufada: um pequeno lombo cozido a vapor, em vácuo, e posteriormente terminado na grelha, molho espesso com pedaços de trufa preta e… uma batata (já tinha falado em simplicidade?). Como descrever gustativamente este prato? Perturbante é o termo que me ocorre, pois nunca pensei que fosse em Espanha que viria comer o melhor bacalhau da minha vida. Afinal, bolas, não é Portugal o país das mil e uma maneiras diferentes de fazer bacalhau? Posto isto, estava rendido, a seguir até podia ter vindo um Big Mac. Felizmente o que veio foi uma codorniz que até teria passado despercebida não fosse o saboroso consommé de foie gras que a rodeava - daqueles que nos deixa na boca um ligeiro, mas prolongado, sabor a avelã. Preparávamo-nos para os doces quando nos trocaram as voltas com um gelado de queijo de la Serena (produto D.O.P. da Extremadura - equivalente a um Serra da Estrela - feito a partir de leite de ovelha merina). Como não conhecia este queijo e esperava por algo doce, a sensação salgada em consistência de gelado foi inesperada, ainda que suavizada pelo creme de manga e maracujá. Apesar da estranheza acabei por gostar, mas acredito que não seja uma sobremesa de agrado geral. Mais pacífico, mas menos interessante, foi o gelado de uva moscatel com uma espessa e intensa mousse de chocolate a sobrepor-se em demasia. Valeu o corte refrescante do sumo de cenoura que envolvia os elementos.
A acompanhar a refeição bebemos um Palácio de Bornos Verdejo, branco, 2005 (15€). Trata-se de um vinho de Rueda - região famosa pelos seus vinhos brancos -, bastante aromático (fruta exótica, nuances de pêra), com boa acidez e um final longo e persistente. Este vinho fazia parte de uma carta relativamente curta, se tivermos em conta o nível do restaurante, mas com várias hipóteses de opção e a preços muito sugestivos. De um modo geral, na restauração espanhola, o vinho é significativamente mais barato do que por cá. Vá-se lá saber porquê… Quanto ao serviço, ele foi correcto mas algo distante. Negativo mesmo, só os copos, cuja a função se presta mais a ajudar ao décor do que a tirar partido do potencial dos vinhos.
La dolorosa: 135€, duas pessoas. O menu de degustação é a opção mais aconselhada uma vez que uma refeição completa (entrada, prato, sobremesa e vinho) nunca ficará por menos de 60€. Uma nota final: se não quiser correr o risco de jantar numa sala vazia, não marque para antes das 22.00h.

Contacto: Avda. José Fernández López, s/n. Mérida - Espanha
Tel. 924 30 45 12


publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 24 Agosto de 2006

3 comentários:

Anónimo disse...

Gostei de ler e, se não soubesse, já estava a ver no mapa onde ficava Mérida.

joaorosé disse...

Hey Xef,

kool, agora los vinos solo el precio es justo :-(
2 bad

Unknown disse...

Diverti-me inmenso com seus comentarios sobre este rest. mexicano.... e servicio portugues ... mas só a uma coisa que o sr. devía investigar mais o porque da sal na margarita e não azucar flor o em pó; já que é tequila e não Pisco sour do Chile ou Perú. Eu sou Chileno vine a Portugal e nunca pedí filetes de sardinhas para evitar ter um plato cheio de desperdicios dignos de un troglodita o Bacalhao a Bras sim batatas... aprendo a gostar dos sabores que me são extranhos mas não intento modificarlos... Tambem teve que
me habituar a um serviço que siendo dos melhores o mais símpáticos de Europa fica longe da símpatía e espontaneidade dos latinioaméricanos... Incluso defiendo os portugueses de comentarios ácidos de amigos Franceses explicando sua cultura que vou aprendiendo.... Para ter dereito a criticar hay que ser humilde, para ser humilde primero hay que ser muito bom em algo....
Vou a arriscar e ver como é ese tal mexicano ( já que encontre seu blog na procura de um R. Mexicano) se calhar qdo. uma pessoa se especializa em criticas culinarias entra numa dimenção que impede de ver com claridad e as energías as veces podem fazer que tudo corra mal só pa quién va con posse de crítica...
En todo caso guste de sua capacidade de contar as coisas e de se reir frente a situaciones que as veces irritan a maioria das pessoas. Só leí aquel referente a este comentario.. sobre o resto não me pronuncio.... Gonzalo Carrasco Acuña, fotógrafo