sexta-feira, setembro 08, 2006

Le Bistrot

A Taverna do Francês

Independentemente da polémica actual em que se discute se a cozinha francesa continua ou não a ser a mais importante a nível mundial, é indiscutível a sua importância e a sua influência um pouco por todo o lado, nomeadamente como base de recriação da nova cozinha de vários países. No entanto, se por cá é relativamente fácil encontrarmos esta influência nos nossos chefes mais conceituados, bem como nos estrangeiros em actividade no nosso país, mais difícil será encontrar um digno representante da cozinha gaulesa mais clássica ou, sobretudo, da versão regional na sua forma mais simples, a cozinha de bistrot.
Como adepto de qualquer uma das suas variantes, e agora que o efeito da vitória dos bleus sobre Figo e companhia já se foi da memória, resolvi visitar um pequeno bistrot, ali para os lados de Cascais.

Saindo no final da A5 e após a passar por vários monumentos ao autarca (leia-se rotundas), chega-se a um local de moradias e pequenos edifícios de traça simples. A Taverna do Francês fica no rés-do-chão de um destes edifícios. A sala é pequena (16 mesas) e de decoração simples - com motivos qb a revelar as origens do seu proprietário. Como é apanágio num bistrot, não existe um menu fixo, as propostas estão escritas em quadros de ardósia dando a ideia de serem alteradas regularmente. Nota-se que estamos num local de habitués, desde do insólito da “tia” cujo a dieta não lhe permite comer nada do que é proposto (assim como quem vai ao Santini querendo que o gelado de nata seja feito de iogurte light), a casais, cujas memórias de experiências prévias se adivinham nos rostos. Curioso o facto de grande parte dos clientes portugueses aproveitarem o momento para falar francês, mesmo que Pierre Marie, o anfitrião, entenda e fale bem a nossa língua.

No dia que efectuámos a visita, as propostas dividiam-se entre seis entradas, seis pratos principais (dos quais apenas um de peixe) e oito sobremesas. Enquanto esperávamos pelas entradas pedimos, para “picar”, um prato de Saucisson, enchido fumado de carne (4.60€), e uma tapenade (2.60€), pasta feita de azeitonas, anchovas, alcaparras e azeite. Muito boa, esta ultima: cremosa e relativamente suave, tendo em conta os elementos que a compõem. Nas entradas, optou-se por um correcto folhado de foie fresco com molho de morilles (12€) e por Escargots (6.80€), aqui, na versão bourguignonne: servidos num recipiente próprio de vários orifícios, tendo em cada um o molusco imerso num saboroso molho de manteiga de ervas, alho e chalotas. Delicioso. Ainda tentei resistir em molhar o pão neste molho, mas Pierre, discretamente, fez questão de sugerir esse acto como obrigatório. A alarvidade com que o fiz é que já não foi da sua responsabilidade e lá pelas quatro da manhã o meu estômago fez questão de me recordar o porquê da gula ser um dos sete pecados capitais. Mas adiante, porque a seguir chegaram os principais, com a escolha a recair no Confit de Pato (12.80€) com batatas assadas e salteadas na sua gordura (muito saboroso, pena que a carne estivesse um pouco ressequida) e no Carré d’Agneau, gratinado de batata e pudim de curgete. Este foi o momento alto da noite, tendo o vão de quatro pequenas costeletas de borrego, devidamente temperadas com ervas aromáticas, sido servido num ponto de cocção perfeito, tal como as batatas do Gratin Dauphinois. Pode parecer estranha esta última referência, mas para quem já fez este acompanhamento, sabe que não é tão fácil quanto parece. Para uma outra oportunidade ficou a intenção de experimentar o Filet de Cabillaud (bacalhau fresco, 14.80€). Como sobremesa e na ausência da Tarte Tatin, que me disseram ser deliciosa, optei por uma tarte fina de queijo Fourme D’Ambert com pêra fatiada (6€). Para quem gosta de acabar a refeição com algo salgado, esta deve ser uma boa opção. Como sou mais de doces e a pêra era um pouco sensaborona, não fiquei satisfeito. Valeu-me ter metido a colher em seara alheia e ter experimentado o Negre en Chemise (4€), um simples creme de castanha com nata que não me parecendo nada de especial, me soube lindamente.

A acompanhar a refeição bebeu-se um tinto da Côtes du Rhônes, (Vacqueyras, 2003 - 16€) com taninos bem apurados a aguentarem bem o embate da refeição. Este vinho foi escolhido entre as cerca de 30 referências portuguesas e francesas (de 12€ a 112€) com várias hipóteses de vinho a copo, o que é sempre de salutar. De lamentar, a temperatura do serviço bem como os copos, inapropriados para a apreciação de qualquer vinho que se preze - mesmo que estejamos a falar de um bistrot. É verdade que existe a possibilidade de pedir um copo mais condigno, se bem que considero que esta deva ser uma obrigação e não uma hipótese que tem que ser requisitada. Tirando este pormenor, que poderá ser resolvido facilmente, a Taverna do Francês é um local que se recomenda a todos aqueles que queiram experimentar uma cozinha francesa mais simples, bem elaborada e por um custo não muito elevado (preço médio com vinho: 30€/35€). Por último, resta-me dizer que o anfitrião, Pierre Marie, é uma pessoa simpática e prestável, longe do temperamento difícil que por vezes encontramos nos seus congéneres, sobretudo na região de Paris.

“ La bonne cuisine de bistrot est proposée à l'ardoise, avec un choix restreint que le patron vous impose. Le bonheur, c'est un endroit où le patron dit: «Aujourd'hui, j'ai fait un navarin d'agneau», et si vous lui répondez: «Je suis au régime», il vous montre la porte…" - Jean-Luc Petitrenaud, in L’Express, 22/8/2005



A Taverna do Francês: Rua das Amoreiras 178 - Torre
Cascais Telef: 214864550



publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 7 de Setembro de 2006

3 comentários:

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

Grande Pierre Marie. Se o Miguel gostou é porque é bom mesmo. Só tens de corrigir essa dos copos...

O que o Miguel não contou é que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher e assim aqui vão também as minhas homenagens á Joana que acredito seja a tua musa inspiradora.

Um abraço aos 2

Zé Tomaz

Anónimo disse...

E os desabafos? E as coisas boas? E aquilo que te levou a criar um blog? E a vida para além da crítica?...

AG

Miguel Pires disse...

a velha desculpa esfarrapada -que por acaso até tem sido verdadeira:
"Time, Time, is (not) on my side. Yes it is(n't)".

que o Mick Jagger me perdoe ter-lhe aldrabado a letra