Restaurante Sessenta Setenta
É impossível chegarmos ao Sessenta Setenta e não ficarmos deslumbrados com o local. Primeiro, o Douro como cenário. Depois, o espaço interior valorizado por um trabalho de arquitectura de um bom gosto irrepreensível (encenação de linhas depuradas num contraste entre materiais contemporâneos e o granito base do edifício original). A primeira vez que aqui estive foi no ano passado, num jantar em que foi apresentado um menu próprio para acompanhar champanhes da casa Deutz. Nessa altura a experiência não foi muito positiva, pelo que resolvi voltar este ano, na esperança de encontrar um conteúdo à altura do embrulho. Só que, uma vez mais, voltei a não sair satisfeito. Terei tido azar pela segunda vez?
Comecei por declinar a sugestão do menu de degustação – é que da primeira vez este era composto por quatro ou cinco pratos, com uma alheira inteira com grelos salteados a servir de remate final (de boa qualidade, mas completamente desajustada em termos quantidade e de timing). Na carta, os pratos são nomeados da forma mais simples, na maior parte das vezes, sem qualquer tipo de descrição – pelo que é necessário recorrer a uma cassete humana que vai debitando pela enésima vez o que podia estar minimamente descrito no menu (só por conhecimento prévio ou por uma manifesta falta paciência é que alguém pede uma salada ou uma massa Sessenta, por exemplo, sem querer saber do que se trata. Será marca da casa ou uma certa preguiça que paira no ar? Provavelmente serão as duas coisas. Se bem que a experiência seguinte, com a carta de vinhos, leva-me a crer que se trata efectivamente deste segundo caso. Achei estranho que na mesma não existisse nenhum tinto do Douro posterior a 2002 (quando o normal seria a predominância das colheitas de 2003 e 2004), mas ao pedir um Vale de D. Maria desse ano (34€) a foi-me referido que, de facto, a lista não estava actualizada e que alguns vinhos eram, na verdade, de colheitas mais recentes. Estes casos que referi poderiam ter sido apenas pormenores sem grande relevância se o que veio para a mesa tivesse feito esquecê-los. Mas tal não aconteceu. E a coisa até começou bem com o Patattu (6.20€), um original e saboroso gratinado de batata, castanhas, azeitonas, favas e queijo de cabra. Como prato principal, veio um carré de borrego (16€), de boa qualidade, mas afogado num pesado molho (que me pareceu) à base de natas, sendo acompanhado de feijoca (combinação esta que também não achei muito sugestiva). Tive ainda oportunidade de experimentar a sapateira com creme de pêra abacate (8€), de entrada, e o folhado de foie gras (16.50€). Por bom que estivesse este ultimo - e estava – a opção de o apresentar como prato principal (em vez de uma versão mais reduzida, como entrada), servido apenas uma docíssima compota como acompanhamento, é discutível, na medida em que facilmente nos cria uma sensação de enjoo antes de chegarmos ao fim, sem contudo cumprir a sua função mais básica: saciar-nos a fome.
As sobremesas foram trazidas a dois tempos - sem razão aparente (aliás, em geral, o serviço revelou-se pouco profissional embora esforçado e simpático): primeiro a marquise de chocolate (4€) – boa, sobretudo, porque o chocolate era de qualidade – e o souflé de Grand Marnier (6€), que deste liquido alcoólico, pouco ou nada lhe senti o sabor.
Até percebo que se pretenda praticar uma cozinha simples e descontraída. No entanto, entendo que numa cozinha actual deva existir um ponto de equilíbrio entre elementos que sirvam de complemento e/ou de contraste, situação que não vislumbrei muito por aqui. Talvez seja essa a razão pela qual saí pouco tentado a voltar.
(Preço médio de refeição completa, com vinho: 40€/45€/pessoa).
Rua de Sobre o Douro, nº1 A, Porto.Telf: 22 340 60 93
publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 21 de Março de 2007
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