quarta-feira, março 07, 2007

A Sustentável Leveza do Ser: Vinho e Coisas (muito) Boas

Restaurante Degusto

A primeira vez que fui ao Degusto foi num evento vínico. Na altura fiquei muito bem impressionado com o projecto em que está inserido; e com bastante inveja por não existir, em Lisboa, um espaço desta envergadura, que reúna uma grande loja de vinhos e um restaurante. Nascido como braço armado da Vinho&Coisas (loja e distribuidora de vinhos), o Degusto estava nessa altura bem munido na parte vínica (como seria de esperar), mas muito pólvora seca na componente gastronómica – um semi-desgusto, portanto. Provavelmente, apercebendo-se de que precisavam de alguém que pudesse valorizar de uma forma mais consequente a parte de restauração, foi contratado há cerca de 5 meses Vítor Claro, um dos Chefes mais promissores do nosso país. Com a experiência adquirida com vários Chefes de renome, a sua chegada ao Degusto verifica-se após ter deixado o seu manifesto vincado na sua pequena casa de culto em Lisboa, o Pica no Chão, antes de uma curta passagem pelo controverso Xtoril, (para não falarmos do período de aparente inactividade num mega projecto previsto para Carcavelos que nunca chegou a existir). Vítor Claro é mais um daqueles “teimosos” que insistem na valorização dos produtos portugueses e na reinterpretação do património gastronómico nacional, inserindo-os num contexto mais abrangente de uma cozinha de fusão, com cabeça, tronco e membros.
Dada a hora tardia a que chegámos ao restaurante após uma tortuosa viagem nocturna, numa destas sextas-feiras, o organismo pedia-me, subtilmente, para que não exagerasse. Ainda ignorei o conselho com a entrada de creme de lentilhas e peito de codorniz (5€) mas, no principal, resisti à cabidela de pica no chão, e optei por um diet lombo de garoupa escalfada (18€). Posso-me queixar da opção, mas não da sua confecção, que nos recorda que estamos em território de pescadores. A garoupa vinha acompanhada de boa batata cozida, outros elementos do mar (vieiras e mexilhões) e espargos cortados finamente, dando um contraste assertivo a toda aquela subtileza marítima. Como não fiquei muito satisfeito com a opção (por culpa minha, volto a frisar), atirei-me ao prato da frente que vinha a cobiçar, desde que veio para a mesa (quem me acompanha nestas andanças já sabe que tem de aturar estes meus impulsos). Tratava-se de uma asa de raia com açorda, azeitonas e coentros (16€). E se a aparência já fazia crescer água na boca, a prova superou todas expectativas: excelente a matéria-prima, melhor o tratamento dado. Ainda hoje me pergunto como é possível fazer uma açorda com aquela leveza. Sem exagero, este prato entra directamente para o Top 5 de todos os degustados no âmbito destas críticas do Oje. Como não havia capacidade para muito mais e a cabidela não me saía da cabeça, voltei no dia seguinte, ao almoço, apenas com este propósito. E ainda bem que o fiz porque tive a oportunidade de experimentar mais uma proposta muito bem conseguida e novamente de uma leveza notória: no prato, lombo de pato fumado fatiado e duas asas de galinha, desossadas e muito saborosas (provavelmente beneficiadas por uma cozedura lenta). A acompanhar, o arroz que dá nome ao prato - malandrinho como se quer -, com os elementos bem integrados e uma subtil acidez a equilibrar o conjunto (como é sabido, na sua confecção, o sangue do animal é o elemento preponderante), transmitindo, mais uma vez, leveza a um prato que na sua forma tradicional é bastante pujante. Na véspera, de sobremesa, ainda houve espaço para um original creme de chá verde com gelado de arroz basmati (5€). Apesar do chá verde pouco se fazer sentir, a ligação entre esta espécie de zabaione com o forte sabor do basmati funcionou, para não variar, muito bem.
Quanto aos vinhos, sem querer ir muito além, refiro apenas que se trata do restaurante português com a melhor e mais completa carta dos vinhos (nacionais e estrangeiros), com preços pouco superiores aos de venda em loja – coisa raríssima no nosso país – e servidos em copos adequados e a temperaturas correctas. Espero que o Degusto consiga manter este nível entre as componentes vínica e a gastronómica. Se a ele acrescentarmos o bom nível de serviço que também evidenciou, temos um caso sério. (Preço médio de refeição completa, com vinho: 40€/pessoa).

Rua Sousa Aroso, 540 – 544, Matosinhos.Telf: 22 9364363

publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 7 de Março de 2007

1 comentário:

FAS disse...

Não conhecia o seu blog, que fiquei a conhecer por via do link no jornal Oje de hoje. Parabéns pelas suas análises "limpas" e límpidas, sem ruído nem aparente presença de "palmadinhas nas costas" dos proprietários dos locais que tem visitado. Coisa rara na crítica gastronómica em Portugal. Se não fosse pedir muito, e se o tempo lhe permitir, dê um salto ao meu blog e diga-me se partilha da minha opinião/análise ao Bull & Bear e ao Kool ( http://xxxocolate.blogspot.com/2007/02/no-porto-salva-se-o-pop.html ). Obrigado.