quarta-feira, março 12, 2008

De corpo e alma

Restaurante Vin Rouge

Existem restaurantes que, devido à localização privilegiada, podem dar-se ao luxo de serem apenas sofríveis (para não dizer pior). É estranho, inexplicável, mas infelizmente, verdade.
Por outro lado, existem outros que, estando em sítios menos evidentes, necessitam de um esforço adicional para poderem vingar. Nestes, uma refeição aceitável não é suficiente para fidelizar e muito menos para o tão precioso “passa a palavra”. Esta questão é tanto mais verdade quando se quer apostar numa cozinha com alguma sofisticação e em que por isso se torna fundamental ultrapassar as fronteiras do restaurante de bairro.

Esta introdução vem a propósito do Vin Rouge, um pequeno restaurante no interior do Estoril, onde salta à vista a paixão de quem nos serve, e a segurança e respeito de quem cozinha para nós. Ela, Rita Caldas, na sala, traz-nos a simpatia e a eficiência de quem serviu no Valle Flor. Ele, João Antunes, o Chef, passou pelas cozinhas do Ritz, do Fortaleza do Guincho e do 100 Maneiras. Juntos abriram este restaurante há cerca de ano e meio, onde a pouco e pouco têm vindo a conquistar um público mais vasto.

A ementa é relativamente curta (cinco entradas, três pratos de peixe, três de carne e cinco risottos), o que é compreensível para a viabilidade de um local desta dimensão. Numa primeira visita vale a pena optar pelo menu de degustação, à consideração do chefe e composto por uma entrada, prato de peixe, prato de carne e sobremesa (39.50€). Nós fizemo-lo e demo-nos bem, tal como na escolha do vinho, a copo (com várias opções e a preço mais do que sensato), também deixado à responsabilidade de quem tratou de nós.

O jantar começou com um “entretém de boca” de creme de couve-flor aromatizado com azeite trufado, numa excelente ligação de sabores. A acompanhar, um branco da Quinta dos Roques (Dão), o Malvasia fina 2006 (3€), que aguentou muito bem o sabor intenso a trufa, revelando-se de forma mais assertiva, com a entrada de vieiras salteadas, cogumelos selvagens, pack choy e molho de alho francês (é óptimo quando todos os ingredientes contribuem harmoniosamente para que o elemento principal, neste caso a vieira, brilhe de forma superior). Quando nos preparávamos para o primeiro prato de peixe, deparámo-nos com a oferta surpresa de mais uma entrada, um excelente foie salteado com redução de Porto, acompanhado por ruibarbo confitado (pena que este se revelasse demasiado neutro, impedindo-o de auxiliar devidamente o foie). A nosso pedido, bebemos um copo de Chatêau Broustet 97 (9€), um Barsac Sauternes, de doçura e acidez apropriada.
Chegada a vez do prato de peixe, foi-nos apresentada uma raia salteada, que embora pudesse ser mais carnuda, estava muito bem tratada, tal como os gnocchis que a escoltavam (acompanhou, um chardonnay, o Ardèche05, da casa francesa Louis Latour – 3€). De seguida, um risotto com bochecha de porco estufada e couve lombarda, feito à portuguesa, (confeccionado com arroz arbóreo, mas sem grandes vestígios de queijo parmesão). Esta opção, conjuntamente com a couve lombarda, conferiu uma maior leveza e contraste adequado à bochecha de porco de sabor bem vincado. A proposta vínica, neste caso, incidiu no Pontual 05, Syrah, (3.50€) um tinto alentejano surpreendentemente fresco, de bom acidez e a evidenciar o toque achocolatado característico da casta. Conjugação perfeita.
A refeição terminou com uma trouxa quente (massa filo) de maçã e nozes, numa combinação clássica, com gelado de baunilha. Doce, sem exageros e devidamente facilitada por um Madeira Barbeito Boal reserva, Veramar (6€). Uma agradável surpresa mesmo para que não é grande apreciador de Madeiras jovens.

Em jeito de nota final deixo a recomendação deste lugar a todos aqueles que gostam de uma cozinha moderna, simples e honesta, tratada com profissionalismo e paixão. É que, embora este seja um negócio de restauração como tantos outros, tem todos os ingredientes que nos fazem querer voltar.
Por esta refeição pagou-se 137€/2 pessoas, sendo que o preço médio de uma refeição mais simples, andará na casa dos 35/40€, por pessoa, com vinho.


Contactos: Rua Carlos Anjos, Lote 2, 2765-473 Estoril ; Telefone: 214 684 439 (http://www.restaurantevinrouge.blogspot.com/)

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 12 de Março de 2008

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