sábado, abril 04, 2009

Bubbles, ou o antidepressivo

“Champanhe destrona água como melhor bebida do mundo”, poderia ser o título destas linhas caso o texto fosse uma notícia, este fosse um jornal sensacionalista, ou se um concurso absurdo destes existisse. Estamos em Reims, na região de Champanhe, onde o liquido que a tornou famosa parece jorrar das torneiras. À partida o convite parecia ser para um jantar super especial de champanhe e estrelas Michelin. Mas no fim desconfio que fazíamos todos parte de um “plateau” de Kusturica ou de Jean-Pierre Jeunet - escondidos algures, nos bastidores, a filmar a cena. Não houve Audrey Tautou a fazer de Amélie Poulain, nem nenhuma fanfarra de ciganos, mas toda a encenação, em versão luxuosa, era passível de nos remeter para o mundo cinematográfico.

O isco vinha disfarçado sob o nome Yannick Alléno, o Chef do Le Meurice (Paris) que em 2007 recebeu a terceira estrela Michelin, e foi-nos lançado pelo Grupo Vranken Pommery. Que aborrecimento, duas coisas que um gourmet odeia: uma refeição elaborada por um chef três estrelas Michelin e logo acompanhada a “bubbles”, o melhor antidepressivo natural que se conhece.

Mas havia uma razão especial para todo aquele aparato cénico, numa sala onde o rosa e as rosas foram presença dominante. Tratava-se do mais recente lançamento da casa, o Cuvée Rosé Apanage (em breve disponível em Portugal).

Champanhe é sinónimo de festa, de encenação, de show off. De microfone na mão, a Sra. Vranken, a anfitriã, espalha cumprimentos e vivacidade pela sala. A bebida é apresentada num palco (com um abrir de pano e tudo) e desfila pela sala com estatuto de estrela, por mãos de luvas brancas calçadas. Verte-se no copo, observa-se a cor e o filamento de bolhas a soltarem-se. Sentem-se os aromas (morangos, framboesas e notas de maçã verde), preenche-se a boca e depois bebe-se. Uma vez, duas vezes, até à última gota. O empregado de mãos brancas está atento e volta a encher o copo num gesto cuidadoso, repetido noite fora. Primeiro o Rosé Apanage e, depois, coisas mais sérias: as colheitas de 98, 90 e 81 do topo de gama, Cuveé Louise. Este ultimo, apresentado e experimentado “às cegas”, gera uma certa emoção ao ser desvendada a idade. Houve quem apreciasse as notas torradas e vaticinasse acidez suficiente para uns bons anos mais de duração. E houve também quem se sentisse especial por estar na presença de um vinho do seu ano de nascimento (como se fosse possível alguém ter nascido em 1981!).

Paradoxalmente nada de particularmente excitante se passou do lado da comida, se tivermos em conta a expectativas criadas pelos pergaminhos e estrelas de Yannick Alléno. Mas a harmonização com champanhe e o efeito espirituoso que o mesmo deixou nos presentes, fez soar os maiores elogios. O primeiro prato, geleia de búzios com “línguas” de ouriços-do-mar, creme de arroz e algas crocantes, foi como levar com uma onda de mar em várias texturas. No segundo prato tivemos direito a umas generosas pinças de caranguejo real com abacate grelhado e nabo agridoce. Até aqui tudo bom. Pena que o ultimo prato fosse uma desinteressante galinha de Bresse com um molho gelatinoso e pedacinhos de trufa negra demasiado neutra para ser levada a sério. Já a sobremesa, uma espécie de coulant de chocolate com café forte, cumpriu plenamente o papel de adjuvante, puxando pelas notas de pão torrado do Cuveé Louise 81.

Por essa hora o reflexo rosa prolongava-se também pela face de grande parte dos presentes. Talvez por isso, mais tarde, no centro da cidade, um pequeno grupo aproveitasse o estado de alma para dar à voz no karaoke de um restaurante chinês. Mas cantar Sinatra em espanhol (sabe-se lá porquê) não viria a provocar danos de maior. No dia seguinte, pela manhã, esse mesmo grupo (de portugueses, coincidência…) já estava em forma para a continuação de mais “bubbles”: visita às caves e prova, seguido de almoço, desta vez regado a Demoiselle (uma das outras marcas do Grupo Vranken).

Depois de dois dias alimentado a champanhe, muda-se de ideias: afinal esta é mesmo capaz de ser a melhor bebida do mundo. Pena que por cá não jorre nas torneiras (e para ser correcto, lá também não).


A essência Pommery e o braço português do Grupo Vranken

Tal como no Douro, em que D. Antónia Ferreira foi figura preponderante, também nesta região francesa existiram pelo menos duas figuras femininas que se distinguiram: a Madame Cliquot (que veio dar o nome à casa, Veuve Clicquot) e a Madame Louise Pommery, que tomou as rédeas do negócio casa Pommery após a morte do seu marido, em 1860. Com personalidade forte e visão para o negócio deixou marcas no sector, algumas pioneiras: Foi a primeira casa utilizar caves no subsolo, 18km de túneis construídos pelos romanos onde hoje estagiam 20 milhões de garrafas, 30 metros abaixo do solo, a uma temperatura de 10ºC; foi também sob a sua alçada que se fizeram, pela primeira vez, champanhes rosé e Brut Nature, (este, o tipo mais considerado consumido no mundo).

Hoje a Maison Pommery é o principal alicerce do Grupo Vranken Pommery, que a adquiriu ao império de luxo, LVMH, em 2002. Do seu portfolio, grande parte do volume é feito através dos champanhes sem data marcada. Estes ano após ano são afinados para manter o mesmo perfil. Destacam-se o Brut Royal (33€ aprox.), Brut Rosé (43€ aprox.) e o Summertime “blanc des blancs”, 100% Chardonnay (41€ aprox). Depois entramos no campeonato dos apreciadores, com os Millésime, de colheitas datadas e feitos apenas em anos de boa qualidade (1998: 45€ aprox). No topo, ainda que não estejam à venda em ourivesarias, os Cuveé Louise, também datados e elaborados apenas em anos excepcionais, com uvas das vinhas mais antigas e com 6 a 8 anos de repouso em cave (1998:120€ aprox; Rosé 1999:240€ aprox). Num registo completamente diferente e com o objectivo de atrair outro tipo de consumidores, a casa criou ainda a Pop, que como o nome deixa adivinhar, remete para um ambiente mais descontraído e cosmopolita, tendo-se popularizado nos principais eventos de moda em versão 375 ml, para ser consumido por palhinha.

Mas o Grupo Vranken tem interesses noutras paragens. Caso do Douro. Ao longo da visita em Reims ouviu-se várias vezes Paul Vranken falar da sua paixão por esta região e em especial pelo Vinho do Porto. De inicio suou a “blah blah blah” comercial para a imprensa portuguesa. No entanto, quando o vi reiterar essa paixão perante uma audiência de várias proveniências, percebi que havia algo de genuíno nas suas palavras. São mais de 20 anos de ligação à região, onde têm hoje nove quintas, cujo as uvas dão origem aos seus Vinhos do Porto, S. Pedro das Águias e Rozés e, mais recentemente, a vinhos de mesa, como o Quinta do Grifo Grande Reserva.

Texto publicado originalmente no suplemento Outlook (Semanário Económico) em 28 de Março 2009

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