terça-feira, abril 21, 2009

Quando não é Pequena

Restaurante Alma

“Já temos título, por isso diz-lhe que não me lixe”, apeteceu-me mencionar a quem pedi para fazer a marcação do restaurante de forma a tentar que a visita fosse a mais anónima possível. A intenção de passar despercebido ficou em águas de bacalhau quando fui reconhecido logo à entrada. Mas como dizia um amigo que anda há mais anos nestas lides da crítica gastronómica, não é por se ser reconhecido num sítio que nos vão servir doses maiores ou aprender a cozinhar assim de repente.
O Alma insere-se num conceito de restaurante que tem surgido nos últimos tempos em países como Espanha, Inglaterra ou França e a que se tem dado nomes como, “alta cozinha lowcost” ou “bistronomic”. Partilha esta afinidade, por exemplo, com o novo 100 Maneiras (que após ter fechado em Cascais, abriu recentemente no Bairro Alto, em Lisboa). Ambos pertencem a figuras conhecidas que praticam uma cozinha de autor e que vinham de restaurantes onde um jantar com a opção de menu de degustação (+vinhos) andava na casa dos 90/100€. Nestes seus novos espaços uma refeição de características idênticas andará na casa dos 45€/55€ (e o custo médio/refeição, na ordem dos 30€/40€, dependendo do que se beber). A solução na aplicação deste conceito passa essencialmente por espaços pequenos - informais mas cuidados; staff reduzido ao estritamente necessário; cartas de vinhos curtas mas com boas opções, nomeadamente, o copo; e utilização de produtos de qualidade mas de custo menos elevado (cavala em vez de salmonete, por exemplo).
Na carta do Alma percebe-se a preocupação em querer chegar a um público mais alargado, sem deixar de ter em vista o apreciador exigente. A propostas mais triviais, como o estaladiço de queijo de cabra, ou o magret de pato, contrapõem-se um filete de cavala marinado, ou a um leitão confitado a baixa temperatura. As entradas andam na casa dos 10/12€ e os pratos nos 18/20€. Mas o conceito “low cost” (ou melhor, “not so high cost”) é evidente sobretudo nos menus de degustação. O Alma, de 3 pratos (fixos), vale 28€ e o menu do Chef (fixo, ou surpresa), de 4 pratos, 39€ - ambos incluem ainda um amuse bouche e, no segundo caso, um sorbet “limpa palato”, antes da sobremesa.
Passando da essência da alma para a dos sentidos, aceitámos embarcar no menu do Chef às cegas. Auspicioso, o começo (amuse bouche), com um mini escalope de foie fresco envolvido em gotas de chocolate escuro (a proporção certa deste componente, trouxe uma mais valia, sem excessos). Seguiram-se umas gambas salteadas em azeite de baunilha, com puré de maçã e alho francês e um elemento especiado, agridoce, chutney de ananás (na verdade, mais doce que amargo). O segundo prato foi uma asa de raia próxima da versão clássica gaulesa, com manteiga “noisette” e alcaparras, mas com um creme de couve flor em vez de batata, o que tornou o prato ainda mais interessante. Seguiu-se uma das propostas mais emblemáticas de Sá Pessoa e que já vem, pelo menos, dos tempos do Panorama do Sheraton: o leitão confitado a baixa temperatura, acompanhado de um fondant de batata-doce, couve pak choi e molho do assado de laranja. A integração dos elementos funciona lindamente quer por junção, quer por contraste e tanto de sabores como de texturas (a couve impede o leitão de se tornar enjoativo; a laranja é um sabor clássico de associação, e a batata doce contrasta com o estaladiço da pele do leitão além de suavizar o conjunto).

leitão confitado a baixa temperatura, fondant de batata-doce, couve pak choi e molho do assado de laranja

Posto isto, o título do texto já estaria justificado. No entanto e houve ainda tempo para limpar o palato com um sorbet de limão e arranjar espaço para a panacotta de coco e baunilha com ratatouille de frutos exóticos que cumpriu bem a função de sobremesa.
Por último de referir que o serviço é afável e competente e mesmo que o timing entre pratos não seja perfeito, não compromete. A aposta numa carta de vinhos simples mas com boas hipóteses de escolha, nomeadamente a copo (como referi acima), assenta muito bem no conceito do restaurante, embora os preços pudessem enquadrar-se melhor no conceito “low cost”.
Pela descrição feita não será difícil concluir que este Alma cumpre os requisitos a que se propõe. A cozinha de Sá Pessoa é tecnicamente segura e criativa qb para conseguir agradar, por um preço correcto, tanto a um público mais abrangente como a outro mais exigente - mesmo que deste lado lhe irão sempre exigir mais – o que não parece um problema já que Henrique tem alma e conhecimento para corresponder ao desafio.

Contactos: Calçada Marquês de Abrantes, 92, Santos – Lisboa, tel: 213 963 527/910 535 610

Texto publicado originalmente no suplemento Outlook (Semanário Económico) em 18 de Abril 2009

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