Restaurante Vila Lisa
Quando um restaurante começa a fazer furor todos querem lá ir. Primeiro há o “passa a palavra”. Depois saem os primeiros artigos e as primeiras criticas nos jornais. Os donos rejubilam de contentamento por tamanha publicidade e o retorno é garantido (já os habitués torcem o nariz por potenciais perdas de privilégios). O processo não é muito diferente quando alguém descobre um qualquer Santo Graal gastronómico e o divulga da mesma forma. Acontece que após a exaltação inicial dá-se um hiato e só de tempos em tempos passamos a ouvir falar desse local. Ou nem isso. Voltamos lá passado um bom período e no caminho fazemos conjecturas sobre o que vamos encontrar. Quando está cheio e a integridade que lhe deu fama se mantém, sentimo-nos contentes. Quando o inverso ocorre é porque provavelmente teve o que merecia – embandeirou-se em arco com o sucesso e descurou-se na qualidade. O inglório acontece quando todos os predicados se mantêm mas simplesmente saiu do circuito, ou de moda, muitas vezes pelo mesmo “passa a palavra” que agora enaltece os feitos da tasquinha do Zé que por acaso até trabalhou por lá.
Em recente périplo pelo Algarve veio à baila o Vilalisa, a casa que os Josés, Vila e Lisa, criaram há cerca de 30 anos e que em pouco tempo passou de petisqueira para amigos, a referência gastronómica nacional. Há já algum tempo que não ouvíamos falar deste lugar e por isso havia uma boa razão para lá voltar.
Diga-se desde já que pouca coisa mudou. E ainda bem. As paredes continuam a servir de suporte às pinturas de José Vila e as mesas compridas para partilhar com quem mais estiver. Mantém-se o sistema do come-se o que vier para a mesa e o vinho a jarro (embora aqui, nos últimos anos, tenha havido uma cedência ao público enófilo e passando a existir uma carta de vinhos e copos a preceito para os servir). E o que nos chega continua a ser basicamente o mesmo, com uma ou outra variante, consoante os dias: três ou quatro petiscos de entrada, dois pratos de peixe, dois de carne e sobremesa. Inalterado também continua o dom de quem confecciona esta cozinha de raiz algarvia com uma outra influência vizinha. Chega a ser assombroso como é possível fazer de um prato de batatas cozidas com azeite e alho, uma iguaria bradar aos céus de tão assertivo ser o tempero (acreditem que a adjectivação não é exagerada nem provocada pelo excesso de vinho da casa, até porque este é apenas potável). Depois há aquele pão de Odiáxere a ajudar à festa, o que dificulta a contenção. Mas aconselha-se mesmo a refrear a gula porque por esta altura a procissão nem se quer entrou ainda no adro. No dia que o visitámos havia estupeta de atum - com um óptimo tomate que parecia já de época – e umas lulinhas com tinta. A sopa de cação veio como mandam as regras (generosos nacos de peixe, pão do pecado e o caldo espesso com farinha com um corte de vinagre) e o polvo assado com batatas, para além do bom, numa perfeita conjugação entre a carne tenra e uma ligeira caramelização das batatas nos sucos do assado. De seguida fez a vez um arroz de pato tipo receita de família e, depois, algo que tanto se ansiava: sopa de grão e rabo de boi. Embora este ultimo ingrediente se apresentasse um pouco resistente, toda a ligação, bem como o tempero e o aroma a hortelã, não deixaram defraudar as expectativas. De sobremesa tivemos o tradicional queijo de figo, filhoses e, como hipotéticos auxiliares da digestão, aguardente de medronho e um licoroso da Adega Cooperativa de Gouxa.
É bom saber que há lugares que pouco mudam e que acima de tudo mantêm a sua essência e integridade. Nós continuaremos a ir lá. E não cremos na possibilidade de um qualquer Zé reproduzir algo de semelhante.
Contactos: Rua Francisco Bívar - Mexilhoeira Grande (Portimão) Telefone: 282968478
Texto publicado originalmente no suplemento Outlook (Semanário Económico) em 16 Maio 2009
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