quinta-feira, julho 27, 2006

“Faça favor, Sôtor”

Na Ordem Com Luís Suspiro

Situado no distinto edifício sede da Ordem dos Médicos, em Lisboa, “Na Ordem com Luís Suspiro” surgiu de um convite do Bastonário a este Chefe ribatejano, que granjeou fama com o seu restaurante, O Condestável, em Ereira, no concelho do Cartaxo.
Aberto desde Abril, o tipo de cozinha aqui praticado engloba-se dentro daquilo que é consensual chamar-se de cozinha criativa de raiz portuguesa, aqui apelidada de “rusticidade refinada”.

Ao chegarmos não há dúvidas sobre o local onde nos encontramos. Com um “Faça favor, Sôtor” somos dirigidos a uma mesa reservada de véspera.

Numa sala de decoração dos anos 30, com alguns apontamentos mais actuais, foi-nos apresentada a ementa bem como as duas cartas de vinhos, uma reduzida e simplificada, outra com 500 referências, predominantemente de tintos das várias regiões do país, do velho e do novo mundo (com o insólito de Itália vir referida neste ultimo grupo). Nos nacionais, entre os vários topos de gama que esperamos encontrar num restaurante deste nível, a surpresa pela presença de várias colheitas antigas de vinhos correntes, como um Esteva 89 ou um Charamba 96 (haverá por aqui alguma surpresa em vinhos que aparentemente não foram feitos para envelhecer?). Quanto aos preços, infelizmente a pratica “altista” comum no nosso país.

Em termos de propostas gastronómicas, apesar de ser possível a escolha à carta, foi-nos sugerido um dos três menus disponíveis, o Medici, constituído por quatro pratos - uma entrada, um prato de peixe, um prato de carne e uma sobremesa (45€). Existe ainda um menu mais completo (6 pratos) intitulado, “Portugal de Ontem de Hoje e de Sempre (60€) e uma versão mais reduzida, disponível apenas ao almoço, o Menu Executivo (30€, três pratos).

De forma a afinar o palato, a jantar iniciou-se com um agradável entretém de boca, uma almôndega de farinheira em compota de ananás. De seguida, chegou-nos a entrada, um “Gaspacho emulsionado, com tártaro de sapateira e gambas”. Muito bom: leve e refrescante numa conjugação perfeita entre o primeiro e os elementos do mar, com cada um a representar o seu papel, sem atropelos. O mesmo não aconteceu com o 1º prato principal, onde o molho de queijo da serra e os frutos secos, ofuscaram os lombos de bacalhau cozidos (a baixa temperatura), ao ponto de os tornar um pouco insípidos. A acompanhar, umas boas migas de batata em duas texturas. A este prato, seguiu-se o de carne, para azar meu que não sou grande apreciador, bochechas de porco preto, aqui apresentadas como “Burras de Estremoz”. Esta peça de gosto intenso e de textura algo gelatinosa, foi muito bem acompanhada por um original puré de pêra bêbada e um apaladado guisado de feijão branco, com este a ombrear muito bem com as burras, servindo o puré de contraponto gustativo.

Quanto às sobremesas, para mim, veio o “Bolinho cremoso de chocolate, com crocantes de alfarroba recheados de mousse de menta e chocolate, com sorvete de poejos”. Bom, sem deslumbrar, com o sorvete a equilibrar a presença excessiva de chocolate. Para quem me acompanhava veio “As farófias, O leite Creme, Os Coscorões e o Arroz Doce”, descritos como “uma farófia vulcânica brutando lava de leite creme, com mousse espumosa de arroz doce e sorvete de coco”. Apresentado de forma exuberante, tal como a descrição dá a entender, a lava é provocada por uma adição de gelo seco, numa encenação bem conseguida, em frente ao cliente. Felizmente não se tratou de um “show off” dado que a prova gustativa foi muito positiva, confirmando o efeito visual.

Apesar do vinho a copo fazer parte do menu, acolheu-se esta opção apenas em relação ao branco, tendo-se optado, no tinto, por um Vinha da Nora 2001, que se apresentou em boa forma, com os anos a limarem-lhe as arestas, deixando boas indicações de fruta, especiarias e cacau, num conjunto equilibrado e com um final médio longo. Acompanhou muito bem as burras de porco preto, chegando mesmo à sobremesa sem problemas de maior.

O serviço foi eficiente, simpático, e acima de tudo profissional, com destaque para discrição do chefe de sala, Miguel Suspiro, por oposição à omnipresença do pai - ele é Luís Suspiro “ao vivo” na sala, ele é Luís Suspiro em fotografia, nas etiquetas de todas as garrafas de licores que decoram o separador da sala, ele é Luís Suspiro assinado na maioria da loiça, incluindo no pires e na chávena de café. Ufa!

No final, a conta: 135€ , duas pessoas. Para quem quiser optar por escolher à lista, é possível fazer uma refeição completa por 40€/50€, pax (sem vinho ou com vinho da casa a copo) ou, no caso de almoço, optar pelo Menu Executivo (30€).

publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 27 Julho de 2006

8 comentários:

joaorosé disse...

Hey XezVous,

é a tua primeira peça?
good, good.

escreves a que dia(s)?
podes continuar a postar aqui? é k pelo k vi no oje.pt o douro não faz parte da "rota" :-(

slaudos
juanAdriaCalcanhar

Miguel Pires disse...

A colaboração com o jornal OJE será quinzenal(à 5ªF) e esta foi a 1a. Pois... espero conseguir subir ao/o Douro, mas para já não há nada previsto dado que a implementação do jornal, pelo menos por agora, vai ser essencialmente em Lx.

Anónimo disse...

Pronto, está o segredo desvendado...

Gostei de ler Miguel, parabéns. Espero que vá pondo aqui o que escrever, porque não tenho acesso ao OJE.

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

http://www.os5as8.com/forum/viewtopic.php?t=4009

Caro Miguel

Li ontem a tua critica no Jornal OJE que recebo aqui gratuitamente na YH e desde já te dou os meus sinceros parabens pela qualidade da mesma. Temos Homem...

Um abraço amigo

Zé Tomaz

Anónimo disse...

Parabéns pelo texto e pela parceria com o jornal OJE. Só falta saber se temos que ir acompanhados por um "Sôtor" ou é chegar e entrar.

Grande abraço

Leitão

Miguel Pires disse...

Não é preciso ser "sôtor". Basta saber manejar convenientemente alguns instrumentos cirúrgicos. Neste caso, os talheres básicos.

Anónimo disse...

Muitos parabéns, Miguel! Grande 1ª peça. Como te conheço de alguns eventos e de 'os5as8', acho que melhorarás ainda mais se te soltares um pouco no estilo da escrita. Como tu sabes! A não ser que os citérios editoriais não o permitam. Abraço.

Miguel Pires disse...

não houve qualquer restrição editorial, a não ser alguma de economia de espaço(por exemplo, a crónica sobre Vila Joya, nos 5as8.com, tem 6500 caracteres enquanto que este texto tem 4600 e era suposto ter entre 3000 e 4000. De qualquer forma, reconheço que senti algum peso da responsabilidade, mas penso que fui justo e correcto. É normal que com o tempo vá afinando o estilo.

Convém também não esquecer que uma critica não é uma crónica pessoal…