sábado, dezembro 02, 2006

Slow food na Aldeia da Serra

Restaurante O Chana

Quem me conhece sabe que não sou grande adepto do volante. Por isso levam-me a sério quando digo que existe um pequeno restaurante na Aldeia da Serra D’Ossa, já a chegar ao Redondo, que me faz fazer percorrer 200km só para lá ir almoçar e regressar no mesmo dia (sim, sou daqueles para quem qualquer deslocação de mais de uma hora obriga a estadia). Hoje O Chana já não é mais um segredo que foi passando de boca em boca, do mesmo modo que já não é a tasca acolhedora de um passado recente. Foi-se tornando cada vez mais conhecido e teve necessidade de mudar de ares, mas não para muito longe porque, por aqui, respira-se devagar. Quando me falaram desta mudança, para uns metros acima, temi o pior, temi que se tivesse transformado num salão para casamentos e baptizados. Felizmente nada disso aconteceu e o Chana encontra-se hoje num local maior, mais condigno e com melhores condições para quem, na cozinha, se dedica a preparar as iguarias que nos fazem chorar e pedir por mais. E que iguarias são estas? Na verdade, são coisas simples, de cozinha regional, muito bem preparadas e de paladar singular. A introdução à ementa é-nos feita pelo Sr. Bernardino, o patriarca da casa, que no final da sua mini-palestra a deixa connosco para reflexão. Eu diria que é obrigatório começar pela trilogia de pimentos assados, com alho (2.5€), fígado de coentrada (3.5€) e farinheira assada (3€). Dizem-me que são entradas comuns noutras casas alentejanas. É verdade, mas nunca me sabem tão bem como aqui. A qualidade dos produtos é inquestionável, no entanto, existe um segredo qualquer que nunca consegui descobrir – apenas sinto que o fígado de coentrada perdeu algum carácter divino e é agora “apenas” muito bom (pode ser só impressão, mas tenho a sensação de que essa característica foi à vida ao deixarem de utilizar o exíguo e vulgar fogareiro a carvão). Como prato principal, sempre que há, não perco a sopa de tomate (8.5€). Mesmo nesta altura, que já não é época daquele tomate único que existe na região (grande, firme e disforme), esta sopa é muito bem conseguida: untuosa, sem acidez e enriquecida com lombo e entrecosto de porco, chouriço, farinheira, ovo escalfado e um surpreendente pedaço de bacalhau, tudo funcionando em plena sintonia. Desta última vez voltei também às migas com entrecosto (8.5€), prato pesado mas muito saboroso e, por sugestão, às queixadas, ou burras de porco preto (8.5€). Já aqui referi que não era grande adepto desta parte do animal (trata-se da carne do queixo). No entanto, não quis deixar de experimentar este prato – muito em voga, tanto na cozinha tradicional como na de autor. Devo dizer que a experiência foi muito boa, a carne era tenra e saborosa mas sem a desagradável textura, algo gelatinosa, que habitualmente apresenta. Acompanhei-a muito bem com as migas do prato anterior, já que foi dispensada a redundância de batata frita e batata assada do acompanhamento. Lamentei não estarmos no Verão para poder comer o fabuloso gaspacho com carapaus fritos, presunto e chouriço. Também me falaram que o ensopado de borrego (8.5€) é muito bom, mas já não havia lugar, tal como para o leitão, uma surpresa que deixaria muitos senhores da Bairrada surpreendidos. Antes do passo seguinte, gosto sempre de adaptar o paladar com uma laranja descascada. Vão dizer que devo estar a delirar, mas na verdade, estas laranjas são únicas (de doçura e acidez perfeitas – talvez, porque são “ali da serra”)! Adaptação feita, foi tempo de confirmar a qualidade da sericaia (fofa e humedecida q.b.), servida com uma ameixa d’Elvas, passando assim ao lado da polémica de que este acompanhamento é uma modernice que não faz parte deste doce regional (na verdade, os puristas podem sempre colocá-la de lado). Posto isto tudo até consigo perdoar o facto de o Sr. Bernardino se esticar um bocadinho no preço dos vinhos (tendo em conta o tipo de casa, o serviço de vinhos que presta e a região onde se encontra) e por não apresentar mais opções de gama média.
Resta-me referir o serviço simpático e familiar, sem excessos nem pressas, mas eficiente. A alma da casa dá pelo nome de Bernardino, mas não queria deixar de prestar a minha homenagem a quem, no calor dos tachos, mais contribui para a minha felicidade por estes lados, a Sra. D. Teresa. Bem haja(m)!
(Preço médio, com vinho, 18/20€).

Aldeia da Serra D’Ossa, Redondo ; Telefone: 266 909 414

publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 01 de Dezembro de 2006

Sem comentários: