Restaurante Varanda
“Nunca somos verdadeiramente donos de um Patek Philippe, apenas cuidamos dele para a geração seguinte” refere a publicidade desta conhecida marca de relógios Suiça. Este lema poder-se-ia aplicar perfeitamente ao Hotel Ritz. A sua grandiosa beleza modernista continua a impor-se com a mesma distinção de quando foi inaugurado, em finais dos anos 50. Os restauros que sofreu para se adaptar aos novos tempos foram realizados de forma responsável e a sua riqueza interior, de onde se destacam a imponente tapeçaria e azulejaria de Almada Negreiros, mantém-se imaculadamente cuidada. Mas o que me trouxe ao Ritz não foi propriamente uma visita de estudo à obra de Pardal Monteiro, mas sim para degustar as propostas dos chefes Stéphane Hestin e Sebástian Grospellier no restaurante Varanda.
Se em casos anteriores referi a importância de um restaurante de hotel dever ter um espaço físico independente, de forma a atenuar a característica impessoal que muitas vezes lhes é atribuída, em casos como este entendo que não o deva ser. A passagem por todo aquele esplendor interior faz parte da encenação preparativa para o momento especial que se afigura.
Antes de sermos dirigidos a uma mesa a meio da sala, reparo, à entrada, no aviso onde é recomendado o uso de casaco (sempre é mais elegante do que ser obrigatório, como acontece noutros locais do género, sobretudo lá fora. Mais curiosa é a referência à proibição do uso de fato de treino a não ser ao pequeno-almoço. Só não me recordo se estava também escrito em americano). À nossa volta encontravam-se alguns casais, maioritariamente estrangeiros, mas também alguns portugueses. Nos seus olhares, na forma como ouviam a explicação de um prato ou a abertura que mostravam ao aconselhamento de um determinado vinho, percebia-se que não estavam ali indiferentemente, mas sim por razões gastronómicas. Num local como este, impunha-se a escolha do menu de degustação (83.50€, 4 pratos, 4 vinhos a copo. Existe a opção sem vinhos por 57.25€). Como é habitual, a sessão iniciou-se com um entretém de boca. Na verdade, dois: um mini crepe de batata recheado com foie e pato e uma manteiga marinada com salmão fumado. Nada mau para começar. De seguida… uma pequena partida: em vez de uma sopa de beringela fria que tínhamos pedido em substituição da salada de lavagante, foi-nos apresentado uma outra sopa. Que bom sentido de humor, o do chefe: pedi para substituírem um prato por outro, com relutância e após lhe perguntarem disseram-me que sim, mas só para me aborrecerem trouxeram-me outro, pensei eu, meio embaraçado - como quem acaba de pedir ao Sr. Armani que substitua os botões cinzentos do casaco por uns pretos. Mas afinal a “chatice” era apenas mais uma oferta do chefe, uma sopa de castanha (aveludada, como se impõe) com duas vieiras, carnudas e tenras como não me recordo de ter comido por cá. De seguida, então, o primeiro prato: uma sopa fria de beringela cujo a frescura e uma certa adstringência funcionou a preceito com o duo de camarões marinados com sumo de limão e salteado em caril vermelho (acompanhado de um Ruinart Rose Brut). A proposta seguinte foi a mais complexa dessa noite: peixe galo em minestrone de pesto, acompanhado de uma pequena bruschetta com compota de tomate e parmesão (vinho: Quinta do Cidrô, Sauvignon Blanc 05). De início achei o peixe ligeiramente insosso e tive receio que o mesmo não iria aguentar a pujança dos seus companheiros de prato, apesar da robustez que lhe é característica. Esquecia-me eu que o pesto quando aquecido fica com um sabor suavizado e que o recheio da bruscheta, bastante apurado, se mostrou fundamental para acompanhar o peixe. Seguidamente, entre as hipóteses de Robalo Assado com couve lombarda e a Vitela em crosta de batata, optámos por esta segunda hipótese, recheada com tomate e tomilho e acompanhada por espargos verdes e gnocchi de batata (vinho: Vertente 02). O prato estava muito bem apresentado, os elementos bem entrosados, mas não achei o naco do lombo extraordinário. Após um refrescante granizado de tangerina, para limpar o palato, chegámos à sobremesa. À partida o enunciado, “Sericáia com Ameixas Rainha Cláudia” parecia demasiado simples para uma proposta de cozinha de autor. Mas na verdade, tratava-se de uma versão desconstruída, com a sericáia apresentada em camadas finas e acompanhada com gelado de ameixa (vinho: Granjó Late Harvest 04). No fundo, estavam lá todos os elementos desta sobremesa alentejana (convém referir que os puristas consideram o acompanhamento da ameixa confeitada uma adulteração à receita clássica), mas com a sericaia menos doce do que o habitual, compensando assim a intensidade do gelado de ameixas. Por ultimo, quero referir um aspecto que valorizou ainda mais a refeição: o serviço. Excelente é o mínimo que se pode dizer, com destaque para o escanção, Bruno Antunes, que demonstrou um posicionamento em campo e uma leitura de jogo perfeitas.
Como não há bela sem senão, há três pormenores (dois colaterais e um nem por isso) que gostaria que fossem diferentes: que o sal refinado nas mesas fosse trocado por flor de sal; que a Four Seasons, na informação que apresenta no seu site, tivesse mais respeito pela história do Ritz e pelo seu restaurante – o menu é apresentado como sendo proeminentemente composto por pratos de marisco com destaque para as caldeiradas e cataplanas, entre outras variedades autênticos pratos portugueses. Nada mais redutor e enganador com aquilo que se verifica na realidade – e, finalmente, que o preço dos vinhos fosse… ok, de hotel de cinco estrelas, mas não de joalharia.
Por outro lado, é de salutar que o couvert de vários pães e estaladiços, bem como o café e as mignardises (que o acompanhavam) fazem parte do preço do menu. A não perder.
Contactos: Rua Rodrigo da Fonseca, nº 88 – Lisboa ; telefone: 213811400
publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 7 de Fevereiro de 2007
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