quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Ponto de Exclamação!

Restaurante VírGula

Há quem considere que uma refeição para uma critica gastronómica não deve ser feita nos dias de maior movimento de um restaurante (normalmente de 6ªF a Domingo). Confesso que não partilho desta ideia, pois a crítica que aqui faço pretende ser uma opinião fundamentada a partir da experiência de duas pessoas que vão jantar ou almoçar a um determinado local como clientes normais. Assim sendo, considero que é nestes dias de maior azáfama que é possível transmitir uma visão mais próxima daquela que qualquer comum dos mortais irá encontrar.
Esta introdução serve para responder a algumas questões que me têm sido colocadas, mas vem também a propósito do restaurante de que vos escrevo esta semana, o VírGula. Num destes Sábados, ao chegarmos a este local à hora marcada, 21h30 (o que em português significa, pelo menos, uns 10 minutos atrasados), foi-nos cordialmente pedido para aguardarmos uns instantes no bar, dado que, embora a mesa estivesse pronta, o serviço estaria demorado em virtude de terem chegado muitos clientes em simultâneo. Como o bar se situava num local agradável e desafogado, não vimos problemas de maior e até apreciámos a observação. Dez minutos depois já estávamos sentados e tivemos oportunidade de verificar o corrupio, numa sala que, embora não lotada, se encontrava cheia. Contudo, tratava-se de um corrupio meio silencioso, por contraste com o ambiente algo barulhento provocado por uma acústica difícil, o único defeito deste belo espaço, um antigo armazém, à beira rio, na zona do Cais do Sodré. Não sei se era pelo facto de alguns dos empregados trajarem de escuro, num local em que se privilegia uma iluminação intimista, mas o certo é que não se dava por eles, o que não é mau quando se consegue manter uma certa cadência no serviço, mas que pode ser menos agradável quando não nos vêm. No entanto, sejamos justos, este pormenor não passa disso mesmo e é largamente compensado pela experiência gastronómica que nos é proporcionada pelo talentoso chefe, Bertílio Gomes.
A sessão começou com um simples e original couvert composto por croquetes de beringela e bom azeite para molhar o pão (3€). Ainda antes de chegarem as entradas fomos presenteados pelo mimo do chefe, composto por um shot de creme de espargos, uma colher de ovas de peixe-galo e um saborosíssimo salmonete de escabeche. Aguçado o apetite, chegaram as entradas: caldo de rabo de boi com raiz de manjericão e quinoa, acompanhado de rolinhos de legumes (8€) e, para quem me acompanhava, terrina de foie gras com queijo de figo em carpaccio e azeite de chocolate (15€). No caso do caldo, esperava uma maior intensidade de sabor. Contudo, quando degustado em simultâneo com rolo de legumes notou-se uma maior profusão de sabores, ainda que de forma subtil. A terrina de foie foi uma entrada muito bem conseguida, destacando-se imediatamente a qualidade da matéria-prima, para depois os sentidos se concentrarem na excelente ligação com os elementos doces, o queijo de figo (doce típico do Algarve) e o azeite emulsionado com chocolate. Posto isto, a refeição já estava meio ganha, mas na verdade ainda havia muito para dar. E assim foi, ao passarmos aos principais. O Carré de lebre com foie gras e estufado de lombardo com castanhas (19€) suscitou-me a curiosidade, em primeiro lugar para ver como seria um vão de costeletas de um animal tão pequeno e, em segundo lugar, como funcionaria a ligação com o lombardo e o molho de foie gras. Neste ultimo caso a realidade superou de tal forma a expectativa, que me recuso a descrever o aspecto do Carré. Deixo-lhe apenas um uma sugestão: solicite ao empregado que lhe corte, trinche ou limpe a peça (não consegui descortinar qual o termo que melhor se aplica), mas não deixe de o pedir - porque é mesmo muito bom! E não tenha o receio de a carne poder ser um pouco seca, uma vez que o molho de foie gras, além do sabor divino, lhe concede a untuosidade necessária. Se ficar com remorsos calóricos, não se preocupe, o lombardo está lá para servir de voz da consciência light. Por pouco tempo, é verdade. É que, para rematar, existe uma carta de sobremesas bastante interessante. Por entre uma dezena de hipóteses a escolha aqui recaiu no Citrinus (brulê de laranja sobre sable de frutos vermelhos, mousse de clementina, gelatinado de romã e gelado de limão – 8€) e no parfait de maracujá (7.50€). Bom mas sem deslumbrar, o primeiro; muito bom, o segundo - com o parfait a saber mesmo a marcujá e não a natas, como por vezes acontece.
Em termos de vinhos o VirGula confirma a fama de ter uma das melhores listas da capital e, embora a selecção a copo fosse reduzida, apresentava uma solução sensata para acompanhar a refeição, pelo que nos decidimos por esta opção. Para a entrada de foie a aposta recaiu no Quinta da Alorna Colheita Tardia e para as restantes propostas, o FSF Tannat 2002 da José Maria da Fonseca (ambos, 7.5€).
No final, lá fora, uma ligeira névoa encobria parte do Cristo Rei. Cá dentro, devido talvez este pequeno eclipse, tenha sido difícil que nos trouxessem a conta. Mas vá lá, tendo em conta a experiência degustativa a noticia não foi má (preço médio por uma refeição completa, com entrada, prato e sobremesa: 50€/pessoa, com vinho).


Rua Cintura do Porto 16 Armazém B - Lisboa1200-109 LISBOA; Telefone: 213432002

publicado originalmente no jornal OJE (www.oje.pt) em 21 de Fevereiro de 2007

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