quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Para enganar a tempestade

Restaurante Ribamar

Há coisas com que embirro solenemente. Por exemplo, embirro quando ainda estamos a meio de Agosto e as montras nos antecipam o inverno; embirro com dias de chuva a fio e o estado depressivo que isso nos deixa; e embirro com a actual necessidade doentia de actualização permanente sobre a crise - não que devamos esconder a sua gravidade, mas porque parece que existe uma curiosidade mórbida em monitorizar, minuto a minuto, tudo que há de mau, como se o mundo fosse acabar amanhã. Por isso, às vezes apetece-me dizer basta e enfrentar a embirração. Este Sábado meti-me no carro e rumei a Sesimbra para passar o fim-de-semana. Chovia a potes mas isso não me demoveu. Queria à viva força um aroma de Verão ainda que ténue. Para ficar bem com a consciência também pensei que, ao consumir localmente, estaria a dar a minha contribuição para a economia da região.
O destino tinha um nome: Ribamar. Há muito que ouvia falar desta casa, que os guias apontam frequentemente, não só como o melhor restaurante de Sesimbra, mas também como um dos melhores do país.
O marisco e o peixe são normalmente os chamarizes da zona e, aqui, no Ribamar, não fogem ao prato. Mas o que o distingue dos demais está precisamente na oferta, suplementar, de uma cozinha mais elaborada e diversificada. Hélder Chagas, o chefe e proprietário, aprofundou os seus conhecimentos no estrangeiro e, ao regressar a Sesimbra, para tomas as rédeas no negócio da família trouxe o valor acrescentado dessa sua aprendizagem. Por exemplo, a sua sopa rica de peixe (32€, 2 pax) foge ao habitual. No caldo delicioso há notas de açafrão que o enriquece e em nada ofusca a matéria prima que o compõe (vários peixes, camarão, amêijoas e pedacinhos de lagosta); as tostas de pão que acompanham são de uma fritura tão irrepreensível que não deixam vestígios de óleo no prato – do mesmo modo que no creme açafrão para as barrar não se dá pela presença da maionese. Há um duo de vieiras e lavagante (14.85€) na carta que aconselho vivamente: as vieiras são das pequenas e talvez daí o seu sabor acertivo, que em nada as deixa atrás do paladar inconfundível dos pedaços de lavagante – tudo enriquecido com uma redução dos seus sucos. Se possível, ou em alternativa, experimente-se as gambas vermelhas (29,25€, 2 pax -450gr): pequenas, descascadas e passadas pela chapa – um regalo; ou ainda, um salmonete grelhado acompanhado com um molho dos seus fígados. Para terminar não espere encontrar a delícia da avó ou qualquer variante dessa irritante praga. Vá por mim e acabe em beleza com uma trilogia de maçã sob as formas de parfait, de gelado e em fatias finas entremeadas com queijo mascarpone.
Nos vinhos a carta do Ribamar aproxima-se do nível da oferta gastronómica. Existe um espaço climatizado para os guardar em condições; os copos são adequados e os preços variam entre o sensato e o surpreendente, como, por exemplo, os 16€ dados por um Dorado Superior 2006 (pouco mais do que o preço de loja), um alvarinho topo de gama, cheio de personalidade.
Quanto ao serviço, o mesmo é prestado de forma bastante eficiente e cordial, mas gostaria que quem nos serve aprimorasse os seus conhecimentos sobre os produtos e a sua confecção (a cozinha de Hélder Chagas merece-o e há sempre uns chatos como eu que querem saber mais).
Este relato talvez pareça aos olhos de alguns como uma provocação. Mas deixem que vos diga que o preço médio por refeição não tem nada de escandaloso, tendo em conta o que se recebe em troca (35€/40€ com vinho). Se a isto acrescentarmos um espreitar do Verão, o alheamento momentâneo da crise e a contribuição para a economia local – ok, e também, provavelmente para as da Galiza e de Moçambique -, não há que sentir qualquer remorso por momentos de prazer como estes.

Publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 04 de Fevereiro 2009

Avenida dos Náufragos 29 Edifício Roquete, Loja D - Sesimbra ; Tel: 212 22 34 853 ( http://www.ribamar.com.pt/)

1 comentário:

Anónimo disse...

Hey Chef,

com uma certa vergonha, i sinner me confesso :-), já aki não vinha há muito.
acaba por ser uma vantagem, pois ler assim de seguida +- um ano de escritas dá gozo.
parabéns, tá cada vez melhor.

saludos,
joão rosé