terça-feira, fevereiro 03, 2009

Mão Justa

Spazio Buondi (O Nobre)

Eles abrem, fecham, mudam-se mas nós damos com eles. Nos anos 90 fizeram fama no alto da Ajuda expandindo-se depois em conceitos diferentes, na época da Expo, pelo Parque das Nações. A expansão foi ruinosa e para recuperar tiveram que navegar no Tejo (num barco restaurante) por conta de outrem. Uma vez recompostos atravessaram o rio e instalaram-se no Montijo onde ficaram cerca de dois anos até que há pouco tempo vieram de novo assentar tachos no lado de cá, junto ao Campo Pequeno, num lugar onde até recentemente funcionou um espaço dos cafés Buondi. Estranhamente, assim como quem quer passar despercebido, o nome e grande parte da decoração moderna e urbana do antigo Spazio Buondi, manteve-se. Seria um pretexto para eles, José e Justa Nobre, abrirem um restaurante especializado em Bife à Café? Não é que não dessem conta do recado mas seria como ter Siza Vieira apenas desenhar copos para Vinho do Porto. Rume-se então até ao Campo Pequeno…
Numa mesa previamente reservada somos recebidos com uma salada de ovas de pescada (que dispensámos), outra de feijão com grão, (cujo o excesso de vinagre ia assassinando o vinho - um belo branco Dona Berta Vinhas Velhas Rabigato 07), bom pão e bom azeite no prato para o mergulhar. Do menu, de clássicos e novidades da cozinha à moda da Justa (a base é bem portuguesa mas sem receios de atravessar fronteiras), pede-se, de entrada, peixinhos da horta – saborosos e leves, de polme bem trabalhada. À falta da fabulosa sopa folhada de crustáceos (que não havia nesse dia), acolhe-se a sugestão de um lombo de dourada com cinco legumes. Trata-se de uma derivação do famoso Robalo à Justa, assado em papillote: bom produto, excelente ponto de cocção, tanto do peixe como dos legumes. Mas a mão mestra da Justa – aquilo que a distingue, pela excelência, dos apenas bons cozinheiros - revela-se no folhado de caça brava (o epíteto “brava” parece redundante mas entende-se dada a quantidade de caça de aviário que há por aí). A massa é trabalhada impecavelmente (quase que arriscava dizer que se pode comer um quilo sem ficar com azia) e o recheio é aprazível não apenas porque é rico mas porque a tal mão é exacta no tempero. Com esta sustentável leveza do ser, fica espaço para a sobremesa. Neste campo as farófias continuam mais do que aconselháveis e o leite-creme, uma das minhas fraquezas, de nível superior (a castanhada com nozes terá que esperar por outra ocasião).
A política de vinhos, com uma carta com boas opções, a preços sensatos, servidos em copos adequados e a temperaturas correctas, ajudam a valorizar ainda mais a refeição - tal como o serviço profissional e afável. Ah! O descafeinado não é nada mau (e presumo que o café também não o seja), mas haverá mesmo necessidade de manter o nome Spazio Buondi?

(preço da refeição descrita: 80€, duas pessoas)

texto publicado originalmente no Outlook (Semanário Económico) em 27 Dezembro 2008


Contacto:Avenida Sacadura Cabral 53 B (ao Campo Pequeno), Lisboa ; Telefone: 217970760

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