segunda-feira, março 09, 2009

Terroir Portugal em terras da Catalunha

Nougat de frutos secos e manteiga de cacau com Vinho do Porto parece à partida uma ligação um pouco estranha para quem sempre ouviu falar em doces de ovos ou, quanto muito, chocolate escuro para acompanhar o mais prestigiado dos vinhos portugueses. Essa foi apenas uma das ligações proposta por José Avillez (Chef do Tavares, em Lisboa) e Bento Amaral (enólogo do Instituto do Vinho do Porto) na apresentação conjunta realizada no Forum Gastronómico de Girona.
Mas esta não foi aúnica presença portuguesa neste importante fórum (o maior congresso com feira da Europa) dedicado a profissionais e gourmets, que decorreu entre 20 e 25 de Fevereiro nesta cidade da Catalunha. Este ano o certame fez 10 anos e Portugal foi o país convidado, o que fez com que a presença nacional se fizesse sentir, num evento que reuniu algumas das maiores estrelas mundiais do sector, como por exemplo, Ferran Adriá, Pierre Gagnaire, Michel Bras ou Alain Passard– todos eles detentores das tão cobiçadas três estrelas do Guia Michelin.
Das vastas actividades do programa, entre oficiais e paralelas, destacaram-se as sessões de cozinha ao vivo num auditório principal com capacidade para 2000 pessoas que encheu para ver e ouvir Ferran Adriá numa retrospectiva da sua carreira e dos 10 anos deste fórum.

O dia de Portugal foi assinalado com um almoço no restaurante do recinto, onde foram servidas mais de 300 refeições elaboradas por Chefes portugueses a partir de produtos bem conhecidos no nosso rectângulo mas que são mais ou menos anónimos fora de portas, como é o caso do queijo da Serra da Estrela, da maçã Bravo de Esmolfe, ou da Ostra do Sado. À noite, o best of do nosso Terroir iria continuar com um jantar num dos principais hotéis da cidade, o Palau de Bellavista. Tártaro de ostras, percebes com caldo de perdiz, amêijoas à Bulhão Pato, mousse de tremoços, creme de peixe com feijões ‘papo de rola’, lascas de bacalhau e sabores de meia desfeita, polvo assado com batata-doce de Aljezur, lombo de cordeiro do Alentejo sobre crocante de alheira e pão de milho, queijo de Azeitão e, de sobremesa, um “ca os” de doces conventuais (acompanhados por vários vinhos da Quinta do Portal) foram algumas das propostas interpretadas de forma actualizada por outros cinco dos mais cotados chefes lusos (Victor Sobral, Fausto Airoldi, Bertílio Gomes, Henrique Sá Pessoa e Luís Baena) e servidas numa sala repleta de convidados, entre imprensa, organismos oficiais e profissionais do sector (com destaque para os já citados Adriá e Gagnaire).

Portugal continuou no palco no dia seguinte. No final da manhã, um aroma de alheira invadiu o auditório principal fazendo salivar muitos dos presentes. O responsável por este comportamento pavloviano foi Augusto Gemelli, um italiano há muito radicado em Lisboa, proprietário e Chef do restaurante que ostenta o seu nome. Gemelli utilizou a alheira de Mirandela e o Vinho do Porto como elementos base da sua demonstração. Na primeiro prato cozeu o enchido em borras de Porto Vintage, desfê-lo e sobrepô-lo por entre camadas de um crocante à base de trigo, acompanhado por um risotto de cevada e grelos. No segundo prato, transformou alheira e couve portuguesa em hamburger e juntou-lhe um zabaione de parmesão e redução de moscatel do Douro, deixando evidente, em ambos os pratos, a ligações entre estes ingredientes e a base da sua cozinha a Italiana.



Seguiu-se-lhe Luís Baena (um dos precursores da gastronomia molecular no nosso país e actual responsável pela cozinha do Terraço do Hotel Tivoli, também em Lisboa) que mostrou o portfolio das suas criações, em imagens projectadas, enquanto fazia evoluir a sua interpretação de pratos tão "extravagantes" como ovos verdes ou migas de
bacalhau (no primeiro envolveu-o numa polme de pão ralado japonês; no segundo acompanhou-as com tripas de bacalhau envolvidas numa redução de beterraba e acrescentou-lhe, no final, um uma pequena folha de ouro).
No final da tarde, no Taller 1, o espaço mais pequeno onde decorreram as sessões temáticas que incluíam degustação, foi então a vez do Chef José Avillez e do enólogo Bento Amaral desafiarem o público, com ligações entre sobremesas e Portos. Se por um lado havia um objectivo didáctico de explicar as características dos diversos tipos de Vinho do Porto (que abarca um conjunto de denominações e especificidades que tornam o assunto confuso junto do apreciador médio, mesmo o Português), por outro lado pretendia-se mostrar a versatilidade nas ligações entre ambos.O desafio começou com um casamento entre o tal Nougat doce e salgado e um Porto Barros Branco. O entendimento foi de tal forma feliz que mais parecia estarem em pecado, há bastante tempo (o salgado do nougat faz sobressair o elemento doce, bem como algumas notas de frutos secos, habitualmente pouco evidentes no Porto seco). Seguiram-se: uma mini rabanada com gelado de canela a acompanhar um Porto Ferreira 10 anos; Sericaia em três texturas (na verdade, duas) com ameixa de Elvas, para um Porto Dalva 30 anos; Panacotta de requeijão de Seia com coulis de amoras silvestres, com um Porto Graham’s LBV 2003 (a menos conseguida das ligações, com o elemento lácteo a sobrepor-se a este tipo de Porto) e, para fechar a sessão em beleza, uma esfera de chocolate com frutos vermelhos para um Porto Taylor’s Vintage, Quinta da Terra Feita 1988, o mais conceituado dos vinhos servidos.

No final ficou no ar a sensação de tarefa cumprida e já se falava mesmo na possibilidade de trazer este fórum para Portugal, num futuro próximo. Apenas na parte da feira a presença nacional deixou muito a desejar. Só uma empresa nacional marcou presença. Tratou-se da Imperdivelmente, representante de produtos gourmet e organizadora de eventos e que foi também a entidade a quem se deve uma boa parte dos méritos da presença portuguesa no fórum.
Resta agora esperar que nuestros hermanos aceitem desafio lançado pelo presidente do Turismo de Portugal, Luis Patrão, que no final no jantar de véspera num portunhol irrepreensível, agradeceu a presença de todos e lançou o convite para que visitassem Portugal.

texto publicado originalmente no suplemento Outlook (Semanário Económico) em 7 de Março 2009.

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