Restaurante Tavares
Lembro-me desde sempre de ouvir falar do Tavares como o expoente máximo da restauração de luxo, em Portugal. Este local, baptizado com o actual nome em 1823 e transformado num restaurante de luxo, cerca de 40 anos mais tarde, foi local de encontro de grandes figuras da cultura, politica e do meio empresarial português. Apesar do esforço e do apelo feito à sua grandiosa história, durante as últimas décadas o Tavares foi entrando em declínio. Nos últimos anos fui acompanhando de fora a sua decadência e, quando já resignado de que provavelmente iria assistir a mais uma Macdonaldização, eis que oiço falar que um advogado de Leiria, José Pereira dos Santos, decidiu por mãos à obra e, num acesso de loucura, adquiriu-o e reformou-o, tendo convidado o Chefe, Joaquim Figueiredo, a tomar as rédeas da cozinha. Pouco tempo depois da reabertura, em Março de 2004, o desentendimento entre os dois viria a dar em divórcio. Provavelmente assustado por ver muito a sair e pouco a €ntrar, Pereira dos Santos ainda tentou reconverter o local num restaurante de cariz mais tradicional. Pelos que me contaram a ementa foi pior que o soneto e rapidamente retomou a ideia inicial de oferecer uma cozinha de autor, tendo contratado para tal o francês Philippe Peudenier, o actual Chefe, com cartas dadas no estrelado Lucas Carton, em Paris. Há bem pouco tempo foi notícia que o grupo Fénix, ligado à área de limpeza e segurança, tinha adquirido o Tavares e, apesar do bom trabalho que Peudenier tem vindo a realizar - culminado com a promessa de uma estrela Michelin – temeu-se uma nova descaracterização do local, uma vez que não foi tornada pública a intenção dos novos proprietários. Antes que se fizesse tarde – e após uma experiência frustrada, no tempo de Joaquim Figueiredo – resolvi voltar a tão ilustre local. Passando o pequeno hall de entrada, deparamo-nos com uma sala ampla e imponente, dando a sensação que somos transportados para um clássico restaurante Parisiense, ou que fomos convidados para uma recepção no Palácio de Queluz (ao contrário do que esperava, senti uma maior informalidade do que na primeira vez em que lá estive).
Um breve olhar pela carta e percebe-se que nos preparamos para embarcar numa volta a um mundo de sabores, alicerçados em produtos de origem ou de tradição portuguesa, como sejam o bacalhau, o cherne, o Peixe-galo, o novilho, ou o porco preto. Não se trata, na maioria dos casos, de dar uma nova roupagem a pratos portugueses mas sim de confrontar estes ingredientes com outros (e outras técnicas) de proveniências diversas. Dos dois menus de degustação disponíveis, de 4 e 6 pratos (65€ e 85€, respectivamente), optámos pelo primeiro. Após um ridículo couvert, composto por 2 tipos de pães e uma manteiga desempacotada (5€!), passou-se directamente para o primeiro prato, sem lugar a qualquer entretém de boca (dois aspectos que deveriam ser revistos). Acontece que este prato, Camarão em espetada envolto em Kadaif (espécie de esparguete muito fino usado na doçaria Turca) e cebolinha agridoce, rapidamente fez esquecer o pequeno incidente inicial, apresentando-se como que um primeiro cumprimento entre as cozinha do médio oriente e a de um oriente mais longínquo. O segundo prato trouxe-nos de volta a Portugal: bacalhau em medalhão, cozinhado a baixa temperatura, acompanhado de uma fantástica açorda com amêijoas, azeitonas pretas secas e um toque desconcertante de salva e limão – como que a querer surpreender quem num instinto mais pavloviano esperava antes uns coentros. De seguida, um novo prato globetrotter: lombo de novilho (Portugal) lacado em molho de soja (Japão), bock choy (espécie de couve Chinesa) e batatas americanas, fritas, sem um pingo de oleosidade, apresentadas provocatoriamente num cone de papel de jornal. Não digo que eram excelentes porque se o fizer não sei como adjectivar a mais deliciosa carne de vaca que alguma vez me foi dada a comer: num ponto de cocção perfeito, macia como manteiga e de sabor salientado por uma perfeita redução de molho de soja (num harmonioso contraste doce-salgado).
Inebriados com o que tínhamos acabado de saborear e um pouco com o que bebemos - Quinta da Alorna Chardonnay 05, com o camarão e o bacalhau (20€) e Borges Douro 03, tinto, com o novilho (7,5€/copo) – ainda tivemos espaço na alma para um final em grande, com uma sopa morna de chocolate, coco, crocante de avelã, gelado e capuccino de amêndoa.
179€, (2 pessoas) foi quanto custou esta viagem ao mundo de Philippe Peudenier. Se me perguntarem se é caro, direi que custa dinheiro (caro é pagar 25€, por um bife m…oso com batatas fritas congeladas), mas não é todos os dias que se pode desfrutar de uma boa refeição num lugar como o distinto Tavares. Se estas palavras lhe aguçaram o apetite, não perca tempo – não vá o diabo tecê-las…
Rua da Misericórdia 35/37 - Lisboa, Telefone: 213421112
publicado originalmente no jornal OJE (http://www.oje.pt/) em 2 de Novembro de 2006
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